Desrespeito ao isolamento no interior desafia autoridades

Nos últimos meses, na contramão do avanço dos casos do novo coronavírus, adesão ao isolamento social caiu nas cidades afastadas da Grande Fortaleza. Índices da região Sul do Estado são os que mais preocupam autoridades

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@svm.com.br
Legenda: Municípios tentam controlar as pessoas para que mantenham o isolamento, mas está mais difícil
Foto: Lino Fly

Maior cidade do interior do Ceará com cerca de 274 mil habitantes, Juazeiro do Norte viu, no início da pandemia, seu fluxo de veículos cair em até 70%. Em maio, a circulação subiu pela metade. Hoje, segundo o Departamento Municipal de Trânsito (Demutran), a queda é de apenas 25%. "A gente já nota mais gente nas ruas, principalmente próximo a bancos, nos mercados", conta o diretor do órgão, Pedro Cipriano. Isso é um exemplo de como a população já apresenta um "relaxamento", mesmo sendo a cidade que mais preocupa as autoridades, neste momento, pelo crescimento de casos da Covid-19.

Ainda em Juazeiro do Norte, foi implementado o uso obrigatório de uma autodeclaração, anexada a algum documento que comprove que está saindo de casa para prestar ou utilizar algum serviço essencial. Na prática, essa cobrança pouco existiu.

"Todo dia tenho que buscar minha irmã e passei por barreiras entre Barbalha e nunca fui parado. Nem na ida, nem na volta", conta o estudante universitário Erielson Gonçalves. O coordenador da Vigilância Sanitária de Juazeiro do Norte, David Marrom, discorda. "Essa cobrança acontece. Infelizmente, as pessoas continuam indo às ruas", conta.

Marrom enfatiza que a fiscalização segue acontecendo, principalmente em empresas que trabalham com serviços considerados não essenciais, mas que por decreto municipal podem funcionar em delivery. "Estamos identificando denúncias em academias e lojas de calçados e roupas. À noite, fechamos alguns bares", descreve. Apenas na semana passada, oito estabelecimentos foram notificados.

A situação não é diferente de outras cidades, que veem o número de pessoas nas ruas crescer consideravelmente nos últimos meses, principalmente no Sul do Estado, local onde a pandemia parece longe de estar sob controle. Na cidade vizinha de Crato, por exemplo, em abril entrou em vigor um decreto municipal que previa multa para pessoas físicas de R$ 200 para quem descumprisse o isolamento social. Passados mais de quatro meses, nenhuma infração foi aplicada aos moradores.

"A intenção nunca foi arrecadar, mas conscientizar a população. Seria muito simples fazer isso. 90% do comércio cratense estaria multado, mas num instante delicado como esse, as pessoas também estão se reestruturando e não é o momento", explica a gerente da Célula da Vigilância Sanitária e Ambiental do Crato, Ana Lígia Aquino. A fiscalização segue existindo de forma intensa, mas o maior problema é a adesão. "As pessoas seguem nas ruas. Está muito difícil. A gente vai de manhã, fecha uma loja, à tarde está aberta de novo. O poder público não é omisso", afirma.

Em fase de transição e, ao mesmo tempo, em 'lockdown' por decreto municipal, em Crato as lojas tentam driblar a fiscalização, alterando itens do seu ramo, incluindo produtos de atividades essenciais, como material de construção. "É um desgaste grande. Ainda tem questão religiosa. Pessoas que passamos 10 a 15 minutos para tentar convencer a usar a máscara, mas que acreditam que não vão pegar a doença, porque tem fé em Deus", narra Lígia. As denúncias de aglomerações acontecem nos fins de semana em balneários e bares afastados.

O presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, acredita que os municípios e o Estado estão fazendo a parte dele, mas há dois fatores que atrapalham o cumprimento do isolamento social: o cansaço da população e a pressão econômica. "No interior, principalmente, as pessoas não aguentam mais. Têm necessidade de contato humano e se veem sufocadas. Outra é a necessidade financeira, de voltar a produzir. São quatro meses nesse processo. Mas mesmo com esse aumento no Sul do Estado, a rede hospitalar está dando conta", pondera.

O Ministério Público do Ceará (MPCE) que, inicialmente, pediu os planos de contingência pelas secretarias de Saúde dos municípios, ampliou a exigência para outras pastas e instituições. Ao longo da pandemia, os documentos foram atualizados, incluindo a reestruturação da rede hospitalar e a própria fiscalização.

A secretária executiva de Vigilância e Regulação da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), Magda Almeida, reforça que há uma responsabilidade municipal, tanto de gestores, como dos seus moradores em aderir às normas, mas o Estado acompanha.

Em nota, a Polícia Militar informou que mantém a fiscalização de maneira ininterrupta em todo o Ceará e que continuará dando apoio aos órgãos de fiscalização nas barreiras sanitárias, mesmo nos municípios que deixaram o isolamento social mais rígido, de acordo com a solicitação da Prefeitura de cada localidade.

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