Criada na última terça-feira (13), a CPI da Covid-19, que deve investigar a conduta do Governo Federal, de estados e de municípios no combate à pandemia, terá uma semana decisiva pela frente. A expectativa dos parlamentares é de que na próxima quinta-feira (22) eles tenham as funções oficializadas. Enquanto alguns senadores disputam vagas entre os cargos mais cobiçados, outros já definem as prioridades das investigações: o atraso na aquisição de vacinas e a compra de cloroquina.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), mais cauteloso, afirma que a distribuição de cargos no colegiado pode ocorrer até o fim do mês. Os impasses no momento giram em torno das funções mais importantes do grupo. Omar Aziz (PSD-AM) é o nome cotado para presidir a CPI. Na vice-presidência, ficaria Randolffe Rodrigues (Rede-AP). Já o relator seria o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Contudo, os dois últimos nomes enfrentam forte resistência do Governo Federal.
Os poderes do relator
A maior preocupação do Palácio do Planalto é Renan Calheiros, adversário de Jair Bolsonaro. A ideia do Governo Federal era articular um nome mais alinhado ao presidente. No entanto, o MDB, que tem a maior bancada na Casa, assegurou o nome de Calheiros, que também conta com apoio da maioria dos parlamentares. Além de dirigir a investigação, o relator apresenta um parecer sobre o caso e sugere a decisão a ser tomada, por isso o cargo é tão almejado.
Sob responsabilidade da presidência, fica a condução dos trabalhos e a escolha de postos-chaves da comissão, inclusive do relator. Contudo, na prática, os nomes são definidos nos bastidores e a eleição só confirma acordos já acertados.
Apesar do forte apoio a Aziz, inclusive por nomes ligados ao governo, o senador cearense Eduardo Girão (Podemos) se apresentou como alternativa. Ele ganhou força ao conseguir assinaturas suficientes para incluir estados e municípios nas investigações da CPI. Devido ao regimento do Senado, serão analisados apenas os repasses federais aos outros entes.
Ainda assim, a articulação de Girão foi comemorada pelo Governo Federal, que tenta tirar do presidente Jair Bolsonaro o foco integral da CPI. O cearense afirma que pretende organizar uma CPI sem conflitos de interesses, “eminentemente técnica e justa”.
O risco de uma CPI cujo fundo seja palanque político é grande e isso não é respeitoso com o povo brasileiro que sofre as consequências nefastas de uma pandemia nas esferas de saúde pública, social e econômica.
Independência
Ao mesmo tempo, Aziz tenta fazer acenos de que terá uma conduta independente. Ele é visto por apoiadores do Governo Federal como um nome intermediário, que impediria uma eventual presidência da CPI comandada por Randolffe Rodrigues. Já entre opositores do governo, o senador do PSD é visto com desconfiança por ter boa relação com o Planalto.
Não podemos começar uma investigação com uma pecha na testa de quem é a favor ou contra o governo. Até agora não tem acusação contra ninguém. Se você chega lá com uma opinião formada para que vai investigar? 'Ah, o fulano é responsável por 20 mil mortes'. A CPI vai fazer o quê? CPI não é caça às bruxas.
Preocupação
Na avaliação do cientista político Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a CPI da Covid-19 é uma das mais fortes ameaças ao Governo Bolsonaro ao longo dos últimos dois anos. “Prova disso é que logo no dia seguinte ao que Barroso ordenou a abertura da CPI, houve uma mudança de tom, inclusive com uma campanha recomendando o uso de máscara”, disse.
Para ele, a estratégia do Governo Federal é tentar recuperar parte do apoio da população, perdido durante o agravamento da crise, com o avanço da vacinação. Segundo o cientista político, a CPI é uma ameaça direta a esse plano.
Por isso, não satisfeito em ampliar o espectro das investigações (incluindo estados e municípios), o grupo governista agora quer a presidência, com o senador Eduardo Girão. Isso tem o claro objetivo ter a agenda das investigações na mão e não causar grandes transtornos ao presidente.
No caso da relatoria da CPI, Emanuel Freitas aponta que o nome escolhido também traz uma indicação prévia do parecer. “Essa definição é meio caminho andado para a orientação de como será o relatório. Por isso causa essa preocupação. O presidente e o relator são as caras da CPI. No caso do presidente, ele define quem será ouvido, quais quebras de sigilo serão pedidas, entre outras coisas”, disse.
Impasses
Desde sua proposição, cada passo dado para a formação da CPI é alvo de polêmicas e impasses. O pedido de abertura da Comissão Parlamentar foi apresentado no mês de fevereiro pelo senador Randolffe Rodrigues. À época, todos os requisitos para a implantação do colegiados já estavam preenchidos. No entanto, o presidente do Senado postergou a decisão.
Em meio à demora, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado e ordenou a criação da CPI. Após a decisão, os senadores ainda decidiram incluir estados e municípios nas investigações. Em meio às mudanças e articulações, a única decisão oficial até agora é a dos nomes que irão compor a CPI.
Confira:
Titulares
- Eduardo Braga (MDB-AM)
- Renan Calheiros (MDB-AL)
- Ciro Nogueira (PP-PI)
- Otto Alencar (PSD-BA)
- Omar Aziz (PSD-AM)
- Tasso Jereissati (PSDB-CE)
- Eduardo Girão (Pode-CE)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
- Marcos Rogério (DEM-RO)
- Jorginho Mello (PL-SC)
Suplentes
- Jader Barbalho (MDB-PA)
- Luis Carlos Heinze (PP-RS)
- Angelo Coronel (PSD-BA)
- Marcos do Val (Pode-ES)
- Rogério Carvalho (PT-SE)
- Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
- Zequinha Marinho (PSC-PA)
Fim do impasse
Segundo Pacheco, ao menos esse impasse sobre as funções tem data para acabar. "Na próxima semana teremos o feriado de quarta-feira, dia 21 de abril, então podemos eventualmente instalá-la (a CPI) na quinta-feira (22) ou na terça-feira (27) da semana que vem (seguinte), como dois dias possíveis de ser instalada a comissão parlamentar de inquérito", afirmou.
A eleição do presidente e vice-presidente, segundo Pacheco, será presencial. Será usado sistema semelhante ao da eleição para a presidência do Senado, com urnas espalhadas em diversos pontos para senadores que optem por não entrar no prédio da casa legislativa.
A CPI funcionará por um período de 90 dias (pode ser prorrogado) e terá custo de R$ 90 mil. Um dos fundamentos da comissão parte, em especial, da necessidade de investigar as responsabilidades sobre a crise sanitária no Amazonas.
É preciso analisar com urgência a grave omissão do Governo Federal, que foi alertado de que faltaria oxigênio nos hospitais de Manaus quatro dias antes da crise, mas nada fez para prevenir o colapso do SUS.
Entre os elementos apontados contra o governo, está ainda a troca de quatro ministros durante a pandemia, a rejeição de Bolsonaro a medidas sanitárias de contenção da doença, como o isolamento social, e o atraso na aquisição de vacinas contra a Covid-19.
A visita do presidente Jair Bolsonaro ao Ceará, em que promoveu eventos com aglomeração e com uso errado de máscaras, também impulsionou o apoio à investigação.
Foco das investigações
A maioria dos membros da CPI da Covid trabalha para que os primeiros requerimentos sejam para convocar os ex-ministros Eduardo Pazuello, que era responsável pelo Ministério da Saúde; Ernesto Araújo, que chefiava a pasta das Relações Exteriores; e Fernando Azevedo, que comandou a Defesa. Os parlamentares também pretendem buscar por material do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a atuação do governo no combate à pandemia.
Senadores discutem a convocação do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A compra de vacinas também está na mira desse começo de trabalho da comissão. A ideia dos parlamentares é ainda mapear logo no começo as ações do Executivo na aquisição de remédios para tratamento precoce, como a hidroxicloroquina, para verificar quanto de dinheiro público foi usado na compra de medicamentos sem eficácia comprovada.
Outro objetivo de membros da oposição e dos independentes nas primeiras semanas é tentar comprovar que o Planalto agiu de maneira deliberada em busca da denominada "imunidade de rebanho", na contramão da orientação de especialistas na área.
Além de investigar a condução de Bolsonaro no enfrentamento do coronavírus, a comissão deverá colher depoimento de instituições da sociedade civil, como planos de saúde e algumas associações médicas, que também estimularam o uso de remédios que não têm comprovação científica. Em outra frente, os senadores pretendem investigar o motivo para o governo brasileiro ter rejeitado a compra de 70 milhões de vacinas da Pfizer em 2020.