'O Avesso da Pele': Mato Grosso do Sul é o terceiro estado a recolher exemplares do livro
Paraná e Goiás também determinaram devolução da obra por parte das escolas públicas; autor aponta censura
O Mato Grosso do Sul é mais um estado a determinar o recolhimento dos exemplares do livro ‘O Avesso da Pele’, do escritor Jeferson Tenório. A Secretaria de Educação do MS avaliou que a obra traz passagens consideradas impróprias para menores de 18 anos, assim como as pastas de Paraná e Goiás.
A publicação literária faz parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) do Ministério da Educação desde 2022, ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com o MEC, as obras que compõem o catálogo são avaliadas por professores, mestres e doutores. Após aprovação, as escolas escolhem os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica.
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Ganhadora do Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, o ‘O Avesso da Pele’ trabalha identidade, racismo e violência como temas centrais. A narrativa traz a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado em uma abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.
Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a Secretaria de Educação do MS informou que o “recolhimento imediato” acontece por determinação do governador Eduardo Riedel (PSDB). O livro havia sido enviado para 75 das 349 unidades escolares da rede pública estadual.
“A medida se dá em função da linguagem utilizada em trechos do referido material, contendo expressões consideradas impróprias para a faixa etária da maioria dos estudantes atendidos pela REE (menores de 18 anos), com o uso de termos e jargões que inviabilizam a utilização pedagógica no ambiente escolar”, esclareceu o órgão.
A pasta sul-mato-grossense não explicou como os livros recolhidos serão aproveitados, mas disse que os exemplares “serão encaminhados para o acervo da Secretaria de Estado de Educação”, finaliza a nota.
ENTENDA A POLÊMICA
Nos últimos dias, ‘O Avesso da Pele’ foi alvo de críticas de políticos da oposição ao Governo Federal, como a deputada federal Bia Kicis (PL). Em publicação no Instagram, a parlamentar diz que o “Ministério da Educação distribuiu para instituições de ensino públicas um livro que contém trechos com descrições explícitas de atos sexuais.”
De acordo com o MEC, “peças de desinformação” estão distorcendo a escolha da obra como material didático no Brasil. A pasta defendeu que o “envio de obras literárias para escolas sem o devido e expresso interesse das instituições é falso”.
“Diferentemente do que conteúdos maliciosos estão repercutindo, como se o MEC enviasse os livros a despeito de qualquer manifestação dos educadores pelo envio dos livros, os livros são distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”, manifestou a pasta, em nota.
CASOS NO SUL DO PAÍS
A Secretaria da Educação do Paraná também determinou a entrega dos exemplares do livro ao órgão. Ofício da última segunda-feira (4) aponta que a “obra passará por análise pedagógica e posterior encaminhamentos.”
Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a pasta apontou que a análise do livro é necessária porque “em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no Estado).”
Outro caso foi registrado em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, na semana passada. A diretora de uma escola fez um vídeo acusando o livro de usar palavras de "baixo calão" e de conter passagens de atos sexuais.
Segundo o autor do livro, após a repercussão e de uma moção de um vereador da cidade gaúcha, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação mandou recolher os exemplares de escolas e bibliotecas. Ao Uol, a Secretaria de Educação do Estado negou a orientação para o recolhimento da obra.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul e aguarda retorno.
RECOLHIMENTO NO CENTRO-OESTE
Editora do livro “O avesso da pele”, a Companhia das Letras anunciou, na quinta-feira (7), que a Secretaria de Educação de Goiás também pediu o recolhimento da obra.
“A Seduc fará a leitura e análise com vistas a definir se o livro poderá ou não ser distribuído. O objetivo é assegurar que a obra possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes”, manifestou o órgão goiano, em comunicado divulgado pelo G1.
A Companhia das Letras classificou a medida como um “grave ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de ideias”, defendendo ainda o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
“A decisão de recolher um livro previamente aprovado e selecionado por uma banca de educadores, especialistas, mestres e doutores em literatura não apenas prejudica a qualidade da educação oferecida às nossas crianças e jovens, mas também mina a confiança no próprio programa e nas instituições responsáveis por sua implementação”, pontuou.
AUTOR APONTA CENSURA
Em uma série de publicações nas redes sociais, o autor Jeferson Tenório denunciou o que chamou de “censura” ao livro.
“O mais curioso é que as palavras de 'baixo calão' e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, apontou.
O escritor defendeu ainda que nenhuma autoridade tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. “É uma atitude inconstitucional. É um ato que fere um dos pilares da democracia que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada.”
ABL REPUDIA CASO
A Academia Brasileira de Letras (ABL) lançou nota de repúdio à Secretaria de Educação do Paraná, após a repercussão do caso.
“Não há razão para que, em pleno século XXI, livros sejam negados a alunos sob a desculpa de inadequação de linguagem. A Secretaria de Educação deveria, ao contrário, estimular a leitura de livros como esse, para o bem de nossa cultura e o desenvolvimento de nossos alunos”, salientou.