O educador físico Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, de 49 anos, deve ir a julgamento por matar a facadas a própria esposa, Cristiane Lameu e Silva, 45, em Fortaleza, após a Justiça Estadual decidir, na última quarta-feira (12), que o Incidente de Insanidade Mental ingressado pela defesa do réu não deve ser analisado pelo juiz, e sim pelo júri popular (formado por sete jurados da sociedade).
Antônio Márcio ia a julgamento pelo feminicídio, na 3ª Vara do Júri de Fortaleza, no último dia 30 de abril, mas o júri foi adiado e o processo foi suspenso, em razão do Incidente - requerido pela defesa no dia 4 daquele mês - não ter sido julgado até então. A nova data do julgamento ainda não foi marcada pela Justiça.
O juiz Fábio Rodrigues Sousa decidiu, na última quarta (12), que "a análise do mérito deverá ser realizada pelo Conselho de Sentença, não sendo cabível a análise da inimputabilidade pelo Juiz togado". O magistrado argumentou que "a primeira fase do procedimento do Júri foi encerrada com o trânsito em julgado da sentença de pronúncia" - isto é, a decisão judicial de levar o educador físico a júri popular, no dia 7 de março deste ano.
A decisão acolheu manifestação do Ministério Público do Ceará (MPCE), que sustentava que "este incidente apenas foi deflagrado após a decisão de pronúncia do réu, e não no início do feito, quando é o mais comum, ou mesmo durante a instrução, quando há alguma evidência extraída dos depoimentos das testemunhas ou do próprio réu. Não é este o caso dos autos".
Em entrevista ao Diário do Nordeste no dia 22 de maio último, a promotora de Justiça Mônica Nobre ratificou que o Incidente "causou perplexidade" ao MPCE, já que o pedido foi ingressado "bem depois da decisão de pronúncia do acusado, remetendo-o ao Conselho de Sentença". "Via de regra, esse pedido é sujeitado no início do processo, na parte de instrução, ou quando a pessoa é denunciada", explicou a representante do MPCE.
Se o Incidente de Insanidade Mental ingressado pela defesa do réu fosse aprovado pela Justiça Estadual, Antônio Márcio poderia ser considerado inimputável (condição que o impediria de ser condenado à prisão, em razão de doença mental). O artigo 26 do Código Penal Brasileiro (CPB) considera que o réu inimputável "é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".
O advogado Carlos Rebouças, que representa a defesa de Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, afirmou, sobre "a decisão de ainda assim submeter o incapaz mentalmente, que é inimputável, a julgamento do Júri", que aguarda "a intimação, para analisar e tomar as medidas cabíveis na espécie". E destacou que, na mesma decisão, o juiz homologou "o Laudo Medico Pericial, e assim o fez de forma responsável e dentro do que determina a Lei e a Constituição Federal".
O Laudo Pericial afirmou de forma clara e precisa que o meu cliente é inimputável, ou seja, não pode ser atribuída responsabilidade penal a ele pelo fato que é acusado, pois ele já estava acometido da doença mental incapacitante antes e durante o fato que lhe é imputado penalmente. A Acusação ainda buscou questionar o Laudo, e assim foi realizado Laudo Pericial Complementar, por ordem do Magistrado, o que confirmou a conclusão do Laudo pericial inicial, e explicou ainda de forma mais precisa que o Periciado era totalmente incapaz de se autodeterminar com o entendimento que tinha daquela situação, ou seja, era impossível ele frear suas ações, devido a doença mental incapacitante da qual é acometido."
[Atualização: 17/06/2024, às 10h08] Três dias depois da publicação, a família de Cristiane Lameu e Silva enviou nota à reportagem sobre a decisão judicial, em que afirma que "a decisão do magistrado de manter o Tribunal do Júri é completamente coerente, porque o pedido de insanidade mental foi realizado apenas após a sentença de pronúncia, as vésperas do julgamento que estava marcado para o dia 30/04".
Esperamos que o Réu seja submetido a Júri Popular e que tenha uma condenação compatível com o crime bárbaro que cometeu. Infelizmente nada vai trazer a nossa Cris de volta, mas temos fé que esse ato covarde e cruel não ficará impune."
Médicos analisam caso
Médicos psiquiatras foram convidados pela defesa do réu e pela assistência de acusação (representante da família da vítima) para emitirem parecer sobre a saúde mental de Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, no processo de Incidente de Insanidade Mental.
O médico Matheus Véras, convidado pela defesa a atuar no processo, emitiu parecer psiquiátrico, no último dia 3 de maio, em que concluiu que o acusado tem Transtorno Afetivo Bipolar e "por consequência da doença mental, apresentava ao tempo da ação, uma completa incapacidade de se autodeterminar de acordo com seu entendimento".
"É importante salientar que a capacidade de autodeterminação é capacidade de dirigir a conduta, no sentido de uma suficiente força de vontade para resistir ao impulso para a ação e agir em conformidade com a consciência (entendimento). Trata-se do ato de resistir ou inibir o impulso criminoso, que claramente se encontravam prejudicados no evento em questão", analisa o médico.
Já o médico Marco Alessandro Foltran, convidado pela assistência da acusação, também emitiu parecer sobre o caso, no dia 25 de abril deste ano, que contrapõe a versão da defesa. "É imperativo considerar ainda que, mesmo na presença de transtornos mentais, a relação direta com comportamento homicida não é automaticamente estabelecida", pontua.
"Ademais, ressalto que o transtorno afetivo bipolar é uma condição crônica e recorrente, o que levanta questionamentos sobre a conveniência de sua manifestação exatamente no momento do crime. Sem história prévia. Sem diagnóstico anterior. Sem tratamento. Sem qualquer repercussão prévia. Apenas no momento do crime", destaca o médico.
Como aconteceu o crime
Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará, no dia 6 de fevereiro último, por homicídio qualificado (do tipo feminicídio, por motivo torpe, utilização de meio cruel e praticado na presença de descendente da vítima) contra Cristiane Lameu e Silva. O crime aconteceu na residência do casal, no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza, no dia 31 de janeiro deste ano.
Conforme a denúncia, seis meses antes do crime, Cristiane decidiu se separar de Antônio Márcio, mas o homem não aceitava o término do relacionamento. A vítima comentou com familiares que sofria violência psicológica do companheiro.
Na manhã do dia 31 de janeiro deste ano, o acusado, "premeditando sua conduta, pediu que o filho de 11 anos que entrasse dentro de um carro que estava na garagem do imóvel em que residiam e também pediu que a criança colocasse os fones de ouvido".
Ato contínuo o réu se apossou de uma faca e passou a desferir diversos golpes contra a vítima. A vítima gritou por socorro, o que fez com que vizinhos acionassem a polícia. Quando a polícia chegou ao local, o filho do casal abriu o portão da residência, ao que os policiais encontraram a vítima morta na garagem do imóvel."
A Polícia prendeu Antônio Márcio em flagrante e apreendeu, na residência, uma faca tática que teria sido a utilizada no crime, duas armas de fogo, uma espada e um bastão de ferro retrátil. A Perícia Forense do Ceará (Pefoce) identificou que Cristiane Lameu sofreu 41 facadas em diversas partes do corpo.
Confira a nota da defesa do réu na íntegra:
"Quando fui contratado para a Defesa Técnica deste caso, o meu cliente estava completamente indefeso, não tinha sido apresentado nenhum questionamento sobre a pesada acusação, que pleiteia 50 anos de prisão, mesmo diante de várias questões que não foram objeto de investigação nem pela polícia e nem na instrução processual.
Porém, quando me debrucei sobre os autos e fiz investigações preliminares, detectei vários indícios de que ele não estava no pleno gozo de suas faculdades mentais. Tanto por meio de documentos médicos, como por meio da oitiva dele na delegacia, bem como da prova colhida na audiência de instrução, assim, estava bem claro que ele estava acometido de uma doença mental. Então ingressei com Pedido de Instauração do Incidente de Insanidade Mental, pois é a única forma de auferir com certeza a existência da doença mental incapacitante.
Diante das provas que juntei ao pedido o Magistrado acatou meu pedido e assim foi realizada a Perícia Medica, por Perito experiente, isento e imparcial, servidor da PEFOCE, acompanhado de Assistentes periciais tanto da Acusação como da Defesa, o que garantiu mais ainda a lisura da Perícia Medica Psiquiátrica.
O Laudo Pericial afirmou de forma clara e precisa que o meu cliente é inimputável, ou seja, não pode ser atribuída responsabilidade penal a ele pelo fato que é acusado, pois ele já estava acometido da doença mental incapacitante antes e durante o fato que lhe é imputado penalmente.
A Acusação ainda buscou questionar o Laudo, e assim foi realizado Laudo Pericial Complementar, por ordem do Magistrado, o que confirmou a conclusão do Laudo pericial inicial, e explicou ainda de forma mais precisa que o Periciado era totalmente incapaz de se autodeterminar com o entendimento que tinha daquela situação, ou seja, era impossível ele frear suas ações, devido à doença mental incapacitante da qual é acometido.
Não havia outra alternativa ao Magistrado a não ser homologar o Laudo Medico Pericial, e assim o fez de forma responsável e dentro do que determina a Lei e a Constituição Federal.
Quanto a decisão de ainda assim submeter o incapaz mentalmente, que é inimputável, a julgamento do Júri, estou aguardando a intimação, para analisar e tomar as medidas cabíveis na espécie."
Carlos Rebouças,
Advogado de defesa.
Confira a nota da família da vítima na íntegra:
"Nós acreditamos que a decisão do magistrado de manter o Tribunal do Júri é completamente coerente, porque o pedido de insanidade mental foi realizado apenas após a sentença de pronúncia, as vésperas do julgamento que estava marcado para o dia 30/04.
O laudo apresentado pelo perito é bastante questionável, tanto que foi contestado duas vezes pelo assistente técnico (médico altamente experiente) da acusação, que acompanhou a perícia de forma minuciosa.
Nós convivemos com o acusado por aproximadamente 30 anos, que é o tempo de relacionamento dele com a vítima. Antes do crime não havia nenhum laudo, nenhuma queixa, nenhuma procura por médicos. Ele tinha uma vida completamente normal, atendia alguns alunos e dividia seu tempo estudando para concurso. Além disso, há várias evidências que o crime foi premeditado.
Esperamos que o Réu seja submetido a Júri Popular e que tenha uma condenação compatível com o crime bárbaro que cometeu. Infelizmente nada vai trazer a nossa Cris de volta, mas temos fé que esse ato covarde e cruel não ficará impune."
Família de Cristiane Lameu e Silva,
Em nota.