Em meio a incômodos com a indefinição de qual nome será lançado pelo grupo governista para a sucessão ao Palácio da Abolição, a deputada federal Luizianne Lins (PT) vinha articulando nos bastidores a tese de candidatura própria dentro do Partido dos Trabalhadores. A possibilidade vem sendo alimentada por outros integrantes da agremiação diante da crise com o PDT, como os deputados federais José Guimarães e José Airton, principalmente após novos desgastes com o ex-ministro e pré-candidato a presidente Ciro Gomes (PDT).
Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1989, a segunda mulher a se tornar prefeita de Fortaleza enfrentou vitórias e desgastes nas urnas até se consolidar como liderança política do Estado, com destaque principalmente na Capital, como avaliam especialistas.
A trajetória de Luizianne Lins é marcada por posicionamentos fortes, que por vezes lhe custaram caro, como a perda do apoio da própria cúpula em 2004, mas também lhe fidelizaram eleitores ao longo do tempo.
O Diário do Nordeste ouviu aliados da petista e cientistas políticos para entender qual o papel da ex-prefeita no processo eleitoral de 2022, como parte da série Influências Políticas, que traça um perfil de nomes de destaque no cenário político do Estado.
Onde está Luizianne?
Deputada federal reeleita com 173.777, e terceira mais bem votada do Estado, Luizianne tem ficado ausente da disputa deste ano, pelo menos até o momento. Enquanto membros da cúpula do PDT e PT continuam trocando farpas, a petista tem atuado de forma mais discreta nos bastidores da pré-campanha eleitoral e silenciado em um momento em que as tensões entre membros do grupo governista ficam mais fortes.
O acirramento vem ganhando força por conta do nome que deve ser escolhido pelo PDT para a disputa pelo Palácio da Abolição. Ao todo, os pedetistas têm quatro pré-candidatos: o presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, o deputado federal Mauro Filho, o ex-prefeito Roberto Cláudio e a governadora Izolda Cela - que protagoniza rivalidade interna e externa com o ex-gestor da Capital.
No dia 15 de junho, lideranças da agremiação se reuniram em apoio à pré-candidatura de Ciro Gomes à presidência da República. Na ocasião, o ex-ministro alfinetou os petistas com um “seja muito feliz”, em resposta às ameaças da cúpula do PT sobre a continuidade da aliança local. Mesmo ainda defendendo a tese de candidatura própria, a deputada sequer se pronunciou sobre o assunto.
O silêncio da ex-prefeita e a atuação mais discreta vem principalmente após divergências internas com a cúpula petista ficarem evidentes neste ano.
O Diário do Nordeste tentou contato com a deputada para ela se pronunciar sobre a disputa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Rusgas dentro do PT
A parlamentar entrou em crise com o PT neste ano, chegando a se movimentar para deixar a sigla durante a janela partidária. A principal insatisfação envolvia a defesa de um nome do partido para concorrer à sucessão do governador Camilo Santana.
Em meio à crise, ela chegou a colocar o nome à disposição para encabeçar a chapa. A ideia era compartilhada pelo deputado federal José Airton. José Guimarães, no entanto, trabalhou para que a cúpula petista aprovasse a continuidade da aliança com o PDT.
"Pela primeira vez eu me senti uma estranha fora do ninho", revelou em abril à coluna do jornalista Wagner Mendes, diante dos desentendimentos internos sobre a sucessão.
Desde então, uma reunião entre a ex-prefeita e a então governadora Izolda Cela acabou pactuando a resistência do grupo de Luizianne para lançar candidatura própria.
Para o cientista político e professor universitário Clésio Arruda, as rusgas internas não seriam capazes de fazer a ex-prefeita deixar a legenda diante das 'dívidas' que agremiação tem com ela, principalmente em defesa do nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dos recuos pela perpetuação da aliança entre os Ferreira Gomes e o PT a nível estadual.
"Não é a primeira vez que a Luizianne faz essa ameaça (de sair do PT), mas a própria base da Luizianne a assegurou dentro do partido. Se você imaginar a Luizianne em outra legenda é praticamente se afastar da política. Dos bastidores a gente nunca vai saber [do que ocorreu para ela cogitar isso]. Mas há uma 'dívida do Lula' com ela, por ela ter subido no palanque com oponentes históricos dela, não entrar em confronto com determinada figura política local. Com certeza isso passou por ele. Acredito que muito dos recuos dela frente aos Ferreira Gomes, foi para essa aliança longeva sobreviver, que não é nem PT e PDT, é PT e Ferreira Gomes"
Em meio ao debate de candidatura própria, os acordos devem ser conduzidos pelo ex-governador Camilo Santana (PT), principal cabo eleitoral no Estado, com aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o que apontam correligionários, que reconhecem a importância da petista em apoiar a decisão para a incorporação do eleitorado lulista.
"Esse diálogo [sobre sucessão estadual] tem sido conduzido pelo diretório estadual do PT e dos demais partidos, como PDT, MDB. Sobre essa questão de nomes, é absolutamente natural que as pessoas e partidos tenham suas preferências. Até dentro do PDT tem divergências, imagina no PT e nos demais. E ela [Luizianne] terá um papel muito grande na formação de opinião, é influente em Fortaleza. Portanto, minha impressão é que o papel dela nas eleições é importante nessa formação de opinião, cooptação do eleitorado. Ela é uma grande influenciadora do voto e a posição política dela é uma referência para esquerda e para o eleitorado progressista aqui no Ceará"
Apesar da discrição de Lins até o momento, especialistas também apontam que a petista pode ampliar as vagas conquistadas por seu grupo no Legislativo, tendo em vista seu capital político já consolidado e a atuação de forma mais incisiva na campanha de Lula.
Alfinetadas
Embora a postura mais discreta esteja predominando no comportamento de Luizianne Lins, até o momento, vale ressaltar, a petista chegou a reagir a alguns ataques diretos de Ciro no início de maio. Na ocasião, ela chamou o ex-prefeito Roberto Cláudio de "embuste", após críticas de Ciro à sua gestão na Prefeitura (2005-2011) em entrevista à TV Jangadeiro.
Na época, o ex-ministro questionou "qual o defeito de Roberto Cláudio" e disse que ex-gestor da Capital consertou problemas deixados pela então gestora. "O defeito é que ele pegou todas as escolas de Fortaleza nomeada por vereador, três anos de greve, e consertou a escola, que era a pior no Ceará", declarou.
Por meio do twitter, ela disse que Roberto era um "grande embuste" e que ele "acabou com a merenda escolar de qualidade" da Capital. "A merenda voltou a ser aquela coisa para enganar a barriga dos meninos. Nós tratávamos a merenda com alimentos nutritivos", publicou no Twitter.
Os ataques não geraram reação do ex-gestor, que a à época foi procurado pela reportagem para se manifestar. Em paralelo, quem saiu em defesa de Lins foi seu opositor, o deputado federal licenciado Capitão Wagner (União Brasil), que é pré-candidato à sucessão estadual.
"Mais uma vez me solidarizo com Luizianne Lins pelas injustas, machistas e preconceituosas agressões sofridas no dia de hoje. Agressões que partem daquele que não respeita professor(a), médico(a), estudante, policial e nem respeita a mãe de eleitor", escreveu o parlamentar nas redes sociais.
Capitão Wagner (União Brasil) já atua em pré-campanha no interior, ampliando suas alianças e flertando com partidos que compõem a base governista em meio à disputa entre Roberto Cláudio e Izolda Cela.
Enquanto um grupo de filiados defende o nome de Roberto, petistas e outros partidos aliados já manifestaram apoio à Izolda - que detém a preferência do ex-governador Camilo.
Apesar de se econtrar com a governadora e tornar público a reunião, a petista ainda não se pronunciou sobre a disputa entre os quatro nomes do PDT. O que está claro é a resistência dela com o nome do ex-prefeito de Fortaleza.
Semelhanças com 2012
A rivalidade entre os nomes postos à mesa pelo grupo governista tem semelhanças com o que ocorreu em 2012, quando a aliança entre Ferreira Gomes e a então prefeita foi quebrada na Capital. A ruptura ocorreu após seis anos de casamento político.
Enquanto Luizianne queria fazer Elmano de Freitas (PT) seu sucessor na Capital, o grupo político do então governador Cid Gomes decidiu lançar Roberto Cláudio, à época do PSB, como candidato à Prefeitura. Apesar do racha entre as lideranças ficar escancarado apenas durante a campanha eleitoral, ambos já vinham dando sinais de que a aliança em Fortaleza podia ser quebrada.
Quando questionada sobre as críticas que recebia da população à sua gestão, Luizianne respondia colocando a culpa na burocracia do Governo Estadual - comandado por Cid à época. O governador, então, logo começou a responder. Com isso, declarações como "ela não quer trabalhar" e "elejo até um poste" protagonizaram a troca de farpas entre os dois durante a disputa pelo Paço Municipal.
No primeiro turno, o apadrinhado dos Ferreira Gomes demonstrou sua força angariando mais aliados em prol de sua candidatura (PRB/PP/PTB/PMDB/PSL/PSDC/PHS/PMN/PTC/PSB/PRP/PSD/PT do B) e ficando apenas com uma diferença de 26 mil votos de Elmano, candidato da máquina - comandada por Luizianne.
Algo inusitado aos dias de hoje, inclusive, aconteceu naquela eleição, quando Capitão Wagner, hoje representante de um grupo oposto ao de Luizianne, chegou a se aliar à petista em apoio à candidatura de Elmano. Os esforços, porém, não foram suficientes.
No segundo turno, Roberto saiu vitorioso, com 53,02% dos votos válidos.
Desgastes
A partir da ruptura com os Ferreira Gomes e de não ter conseguido emplacar um sucessor na Capital, a petista passou a amargar desgastes nas urnas, apesar de se manter numa boa colocação nas duas últimas eleições municipais. Até o pleito de 2016, a ex-gestora não acumulava uma única derrota desde 1996, quando ingressou na política.
A invencibilidade da petista acabou quando ela tentou voltar à prefeitura, recebendo 15,06% dos votos válidos (193.687) naquele ano. O cenário eleitoral para ela, no entanto, não era dos melhores diante do contexto do País, como reconhece o deputado estadual Elmano de Freitas.
"Todos nós do PT, penso eu, sofremos muito com o processo de impeachment da presidenta Dilma, nós sofremos com a prisão do presidente Lula. E a liderança da Luizianne também tinha consequências - na medida que se prende o Lula, se dá o impeachment da Dilma, isso também respinga nas lideranças do partido que integram a força política do Lula e da Dilma"
Neste ano, no entanto, ela deve voltar a crescer politicamente atrelada a popularidade de Lula, como projeta Elmano.
"Na medida que o Lula recupera seus direitos políticos, volta a crescer na sociedade, é natural que as lideranças que em nenhum momento se negaram a defender e a estar ao lado do Lula também ganhem força, e a Luizianne é uma", acrescenta.
Em 2016, além dos acontecimentos nacionais respigando em Luizianne, ela não contou com o apoio de Camilo Santana na disputa pela Prefeitura. Durante a campanha, a petista fez duras críticas a Roberto e aos Ferreira Gomes. Mesmo assim, o então governador permaneceu "neutro" no primeiro turno e abraçou publicamente a candidatura do pedetista no segundo turno.
Desde que assumiu a vaga no Executivo estadual, Camilo manteve um bom relacionamento com Roberto à frente da Prefeitura de Fortaleza, dando sequência à política da boa vizinhança entre Estado e Prefeitura - com um grande rol de aliados políticos, que contempla partidos de diferentes espectros.
O cenário de 2016 acabou se repetindo em 2020 para a petista, quando tentou novamente disputar a Prefeitura da Capital. Todavia, apesar do revés, ela já demonstrou uma leve recuperação frente ao resultado de 2016, tendo conquistado 33 mil eleitores a mais, mantendo o terceiro lugar em uma eleição polarizada pelo bolsonarismo e o anti-bolsonarismo.
Por conta disso, apesar de suas farpas com o grupo que estava no comando da Capital, Luizianne se manteve fora da linha de fogo durante a campanha no segundo turno da disputa, quando uma grande aliança partidária foi formada para apoiar Sarto (PDT) contra Capitão Wagner (à época do Pros e hoje no União Brasil), que representava o candidato de Bolsonaro no Ceará, como aponta a cientista política e também professora universitária Carla Michele.
"É muito importante para o PT manter essa aliança com o PDT no Estado, é estratégico. Até Lula concorda com isso. Nas últimas eleições, as lideranças locais do PT no primeiro turno ficaram naquela posição de neutralidade, e no segundo turno entraram de verdade na campanha. Seria muito difícil que tivesse um racha nesse momento, porque fortaleceria Capitão Wagner, o que não vai resultar em algo positivo nacionalmente [para o PT]. E aí o próprio presidente Lula deve dizer 'no Ceará, a situação é essa'. Ele deve entrar na campanha dela com muita força", afirma.
Embora os especialistas projetem os danos com a possibilidade de ruptura, a crise sobre o nome que deve ser escolhido para a sucessão estadual tem ganhado novos contornos, com desgastes entre o ex-governador Camilo Santana e o ex-ministro Ciro Gomes. Cenário que se assemelha ao enfrentado por Lins em 2012, quando rompeu com os irmãos.
Na última sexta (8), Ciro disse em entrevista a um podcast que não sabia mais se Camilo "era" ou "ainda é" um aliado. Horas depois, o ex-governador saiu em defesa da pré-candidatura de Izolda, alegando uma "questão de justiça".
Indefinições
Mesmo diante da crise entre PDT e partidos aliados, especialistas não acreditam em um rompimento completo entre PT e PDT para a disputa estadual. A crise entre as lideranças, no entanto, só cresce.
Caso haja uma mediação sobre o nome que deve concorrer, Luizianne pode até se engajar mais na campanha dependendo de quem for o candidato escolhido, tendo em vista os acenos à Izolda.
"O posicionamento dela depende muito de qual será o candidato do PDT. Ela já chegou a sentar com a Izolda e o fato de ser mulher, ligada a educação, aproxima. O mesmo não vai ocorrer caso o candidato apresentado seja o Roberto Cláudio, porque já há uma rusga antiga. Desde o primeiro mandato dele, a Luizianne levantou suspeitas sobre compra de votos. Então, vai ser muito difícil que ela entre nessa aliança para participar efetivamente dessa campanha, caso seja o Roberto. Mas eu acredito que as forças majoritárias estejam de acordo com a manutenção da aliança, porque pior do que o Robério Cláudio é o Capitão Wagner para o PT"
"Eu acredito que a postura dela em relação ao Roberto e as Ferreira Gomes não muda, não. Imaginar uma Luizianne Lins paz e amor, um temperamento a la Camilo Santana, não tem como. É fora dos horizontes. Isso é muito forte nela, é uma pessoa que busca confronto, de temperamento forte, que vai em frente e não foge da luta"
Em meio as indefinições, correligionários avaliam que Luizianne deve atuar com mais força na defesa da candidatura do ex-presidente Lula, inaugurando e fazendo atos nos comitês de lutas popular que devem ser montados no Ceará pelo partido.