O peso do Nordeste e de lideranças locais nas estratégias nacionais para 2022

Ofensivas de potenciais candidatos ao Planalto têm crescido neste ano pré-eleitoral, enquanto lideranças nordestinas ganham relevância nas articulações

Com o segundo maior eleitorado do País, a região Nordeste tem sido cada vez mais central nas estratégias para chegar ao Palácio do Planalto em 2022. O presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido), que deve tentar a reeleição, intensificou as visitas à região, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também fez viagem pela região, com passagem em seis dos nove estados nordestinos. 

Enquanto Lula tenta manter uma influência na região, Bolsonaro busca ganhar espaço. A movimentação, contudo, não se restringe aos dois possíveis pré-candidatos, que seguem liderando as pesquisas de intenção de votos realizadas até aqui. Tem base no Nordeste, mais precisamente no Ceará, a pré-candidatura de Ciro Gomes (PDT) ao Planalto. Por isso, ele parte na frente no diálogo com as lideranças locais.

Outros nomes colocados como possibilidade para uma candidatura de ‘terceira via’ também tentam se aproximar da região. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) e os governadores Eduardo Leite e João Dória, ambos do PSDB, também têm a região no radar político. Todos são cotados para a disputa presidencial em 2022.

Nas articulações eleitorais, que tendem a se intensificar daqui para frente, atores políticos oriundos do Nordeste devem ser essenciais. Desde os governadores dos estados nordestinos, fortalecidos após a atuação do Consórcio Nordeste no enfrentamento à pandemia de Covid-19, até lideranças importantes no Congresso Nacional e dirigentes partidários. 

Peso político do Nordeste

Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Priscila Lapa explica que existem aspectos quantitativos e qualitativos a serem considerados ao formular estratégias eleitorais para o Nordeste. 

Em números, os nove estados nordestinos representam o segundo maior colegiado eleitoral - perdendo apenas para o Sudeste. Assim, os diálogos sobre a disputa presidencial tem, nos últimos anos, passado cada vez mais pela região. Contudo, não são apenas os números que precisam ser levados em conta nesta equação. 

"O Nordeste tem projetado algumas lideranças nacionais que têm participado dessa correlação de forças", explica Lapa. Ela cita como exemplo a força demonstrada pelo Consórcio Nordeste, principalmente durante a crise causada pela pandemia de Covid-19, dentro do cenário nacional.

A formulação de uma agenda própria, acrescenta, afasta o Nordeste do estereótipo de ser uma região com agenda voltada apenas para políticas assistencialistas. Ela cita como exemplos de prioridades para a região as pautas da infraestrutura, do desenvolvimento econômico e da reformulação da distribuição de recursos entre os entes federados. 

"A eleição presidencial passa fortemente pelo que é feito e pensado para a região Nordeste. Não dá mais para se eleger presidente hoje voltado só para a agenda econômica do Sudeste ou para o agrenegócio". 
Priscila Lapa
Cientista política

Professora da Universidade Federal do Ceará e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), Monalisa Soares aponta ainda que a relevância estratégica do Nordeste também passa pela forte adesão eleitoral ao PT, principalmente por conta da ligação da região com o lulismo.

"O Nordeste é uma região importante historicamente e que tem sido cada vez mais disputada", ressalta.

Dificuldade na construção da 'terceira via'

Em 2018, a região foi a única onde Bolsonaro não venceu - junto com os estados do Pará e Tocantins. Também é no Nordeste o maior índice de rejeição ao presidente: segundo pesquisa do Poder Data, divulgada no início de agosto, 64% dos moradores da região avaliam negativamente o governo Bolsonaro. 

Apesar disso, o presidente fez uma ofensiva ao Nordeste. Apenas ao Ceará, por exemplo, Bolsonaro veio duas vezes neste ano. A Medida Provisória que pretende reformular o Bolsa Família, que passaria a chamar Auxílio Brasil, é também uma sinalização aos eleitores da região. 

Também foi pelo Nordeste que o ex-presidente Lula resolveu iniciar a série de viagens que pretende fazer pelo Brasil. As visitas aos estados ocorrem pela primeira vez desde que ele recuperou os direitos políticos e passou a ser apontado como pré-candidato à presidência - embora diga que ainda não está decidido se será candidato. 

A ofensiva dos dois principais nomes à disputa presidencial em 2022 - liderando as pesquisas de intenção de votos - ao Nordeste dificulta o trabalho de nomes que tentam se estabelecer enquanto 'terceira via'. 

"Quando olhamos os dados eleitorais, dá para perceber que há um lugar cativo do presidente Bolsonaro e do ex-presidente Lula", explica o cientista político e professor da Unilab Bahia, Cláudio André Souza. 

“O Nordeste é atrelado a uma candidatura mais à esquerda, pela tradição histórica do PT ter feito uma base forte aqui. (Mas) A direita também avançou no Nordeste. Não é irrelevante, principalmente nos grandes centros urbanos”, completa a cientista política Priscila Lapa. 

"A expectativa, então, é de como essa terceira via vai se colocar. Uma estratégia que não seja radicalizada para o anti-petismo e nem afastar o diálogo com os eleitores arrependidos do Bolsonaro", pondera Cláudio André. 

Pulverização de candidaturas

A dificuldade passa pela própria construção da candidatura que pode disputar o Palácio do Planalto em 2022 com reais chances de competir com os dois nomes já colocados. Souza aponta que figuras como Mandetta e Dória ainda não se consolidaram em âmbito nacional. 

"O próprio projeto de terceira via é difícil de ser construído, porque é um campo pulverizado. São muitos candidatos disputando sobre ser a terceira via, não tem uma candidatura que se sobressaia. Esse é o dilema".
Monalisa Soares
Professora da UFC

Para Cláudio André, entretanto, as eleições de 2020 abriram espaço para composição de alternativas às candidaturas do PT e de Bolsonaro. Inclusive, com o crescimento de algumas siglas, como o DEM e o PSD. 

Neste cenário, o ex-ministro Ciro Gomes parte na frente, não só pela experiência na disputa de eleições presidenciais, mas pela ligação com o Nordeste. "Ele tem uma capacidade de estabelecer diálogo no Nordeste, por esse papel político que ele já exerce", explica o cientista político.

O pedetista possui diálogos pré-estabelecidos, por exemplo, com o PSB de Pernambuco e com o presidente nacional do DEM e ex-prefeito de Salvador, ACM Neto. "Mas falta a Ciro, de maneira imediata, ter palanques assegurados para tornar a pré-candidatura competitiva. A principal fragilidade de Ciro é que ainda não consegue ter essa união estabelecida", argumenta Cláudio André.  

Diálogo a partir das lideranças do Nordeste

Com a pré-candidatura já anunciada, Ciro Gomes lidera grupo político que deve participar ativamente das articulações em torno das eleições presidenciais. Contudo, apesar de, por enquanto, não terem outros nomes vindos do Nordeste apontados como pré-candidatos, lideranças políticas da região devem ser essenciais nas definições de alianças para 2022, apontam os cientistas políticos. 

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) deve atuar nas definições quanto aos futuros candidatos, assim como nomes do Senado Federal. Também de Alagoas, o senador Renan Calheiros (MDB) ganhou forte projeção após ser definido como relator da CPI da Covid. Líder do Governo, o senador Fernando Bezerra Coelho tem estado próximo da gestão Bolsonaro, o que pode ser importante para futuros diálogos eleitorais. 

Presidente do DEM, ACM Neto, pode encontrar uma base dividida, já que existem demistas mais próximos ao governo. A ligação com o PSDB também deve ser algo a ser definido no futuro, já que os tucanos integram bloco que busca uma terceira via para 2022. 

O senador Tasso Jereissati (PSDB), que já foi apontado como pré-candidato à presidência, também deve estar dentre as lideranças a serem ouvidas. 

No campo da esquerda, os especialistas apontam o PSB de Pernambuco, na figura de lideranças como o governador Paulo Câmara e o prefeito de Recife, João Campos, como parte relevante nas articulações. Outros governadores da região também devem ser ouvidos, como Flávio Dino (PSB-MA), Wellington Dias (PT-PI) e Rui Costa (PT-BA), além do governador do Ceará, Camilo Santana (PT). 

"São figuras que ocupam postos de relevância nos partidos e vão poder construir alianças também nacionais, porque têm posições estratégicas para produzir esse tipo de diálogo. Esses atores estão nos níveis de mediação entre o local e o nacional", explica Monalisa Soares.