O presidente Lula (PT) esteve em Fortaleza nesta quinta-feira (20) para anunciar um pacote de investimentos de quase R$ 790 milhões para o Ensino Superior no Ceará, no Palácio da Abolição, e para a entrega de moradias no Residencial Cidade Jardim, no bairro José Walter. No desembarque na capital cearense, na Base Aérea de Fortaleza, ele concedeu entrevista exclusiva à Verdinha FM 92,5 e ao Diário do Nordeste.
Durante conversa com a jornalista e editora de política Jéssica Welma, Lula falou sobre temas como Educação, segurança pública, economia e as estratégias eleitorais para 2024 e 2026.
Em uma das falas com maior repercussão, o presidente criticou a manutenção da taxa básica de juros do Brasil pelo Comitê de Política Monetária (Copom) e afirmou que “quem perde é o povo brasileiro”.
“Foi uma pena que o Copom manteve (a taxa de juros) porque quem está perdendo com isso é o Brasil, é o povo brasileiro. Quanto mais a gente pagar de juros, menos dinheiro a gente tem para investir aqui dentro. Isso tem que ser tratado como gasto”, disse o presidente na primeira declaração após a decisão do Banco Central.
O presidente também repercutiu a chacina em Viçosa do Ceará, na madrugada desta quinta, e afirmou que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, está planejando uma proposta para enfrentar os desafios na segurança.
Devem participar do debate ministros do governo federal com experiência no comando dos governos estaduais e também os atuais governadores brasileiros. "Não adianta fazer uma discussão sem a participação dos governadores", ressaltou.
Confira a entrevista completa de Lula ao Diário do Nordeste e à Verdinha:
Bom dia, quase boa tarde aqui em Fortaleza. Eu sou Jéssica Welma, editora de Política da Verdinha FM 92.5, do Diário do Nordeste e da TV Diário. Eu estou agora, neste momento, aqui, em Fortaleza e vou conversar com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que cumpre agenda hoje em Fortaleza. Presidente, seja muito bem-vindo ao Ceará. É um prazer recebê-lo para conversar com a nossa audiência.
Bom dia, Jéssica! O prazer é meu de estar outra vez aqui no Ceará, um estado que eu tenho uma relação extraordinária, sempre fui muito bem tratado aqui e é um Estado que eu aprendi a conhecê-lo, sobretudo depois que os partidos mais progressistas voltaram a governar o Estado, depois da experiência do Camilo (Santana, ex-governador e ministro da Educação) e agora com Elmano (de Freitas, governador). É um Estado que nós estamos fazendo fortes investimentos, que nós queremos fazer fortes investimentos em educação e em hospitais universitários. E nós viemos hoje anunciar um pacote de coisa que vamos fazer aqui, tanto de hospitais universitários, como novos campus universitários e novos institutos federais. Só para você ter ideia, quando eu cheguei na Presidência, em 2003, o estado do Ceará tinha cinco institutos técnicos. Quando eu deixar a Presidência, agora, vai ter 40 institutos. Por quê? Porque nós queremos acreditar que somente a educação é que pode salvar esse país e fazer esse país se transformar num país altamente desenvolvido, altamente competitivo e um país capaz de disputar com qualquer outro país do mundo em se tratando de competência tecnológica.
Presidente, aproveitando que o senhor inclusive já antecipou que hoje tem esse lançamento, aqui, no Ceará, de obras relacionadas ao ensino superior, tem também entrega de habitação, eu gostaria de saber por que essas temáticas nessa visita, que é a terceira do senhor ao Ceará este ano? Por que essas áreas e por que aqui no Ceará?
Eu vou lhe dizer por que esse tema, porque essa área e por que o Ceará. Primeiro, porque nós assumimos o governo no dia 1º de janeiro de 2023 com o estado brasileiro totalmente destruído. Ou seja, quase todas as políticas de inclusão social que nós tínhamos começado a fazer no meu governo, depois a Dilma (Rousseff) deu continuidade, foram paralisadas depois do impeachment da Dilma e durante o governo anterior (do ex-presidente Jair Bolsonaro). Nós percebemos, de forma muito grande, a quantidade imensa de escolas paralisadas, de creches paralisadas, de hospitais paralisados. Só para você ter ideia, eu vou inaugurar hoje um conjunto habitacional de quase 460 casas que poderia ter sido inaugurado em 2018. Faltava 2% para acabar aquele conjunto habitacional, mas simplesmente não foi feito nada.
Então nós estamos correndo atrás de duas coisas. Primeiro, tentar fazer com que todas as obras que estavam paralisadas sejam retomadas e às vezes é difícil porque algumas já tinham vencido os contratos, algumas estão deterioradas e você precisa fazer um novo contrato, uma nova licitação, e por isso demorou um pouco mais, mas nós estamos fazendo isso agora. E nós anunciamos um pacto de R$ 1,7 trilhão para o Brasil inteiro, dentre os quais o Ceará terá mais de R$ 45 bilhões. E o que é mais importante é que nós estamos começando agora a colher aquilo que nós plantamos de 2003, a gente começou a recuperar.
Por isso que o nosso lema é de união e reconstrução do Brasil porque nós encontramos um país desmontado. Você não tinha mais Ministério da Cultura, você não tinha Ministério da Pesca, você não tinha Ministério da Mulher, você não tinha Ministério dos Povos Indígenas, nós tivemos que criar tudo outra vez, criar a estrutura, fazer concurso, colocar gente e tentar fazer com que a máquina voltasse a funcionar. Então eu disse o seguinte, nós passamos o primeiro ano de 2003 semeando a terra, capinando, tirando tudo que é carrapicho que tinha. A Terra está pronta, nós adubamos ela, nós plantamos a semente e agora é época da colheita, então a minha viagem aqui já é a colheita daquilo que nós estamos anunciando de verdade no Ceará para acontecer. São mais seis escolas técnicas, são mais vários campus universitários e é mais dinheiro para hospitais universitários, além da inauguração de casa, porque além dessa 460, tem muitas outras casas para eu vir inaugurar no estado do Ceará até 2026.
Inclusive, presidente, o senhor falando que essa já é uma etapa de colheita, mas ainda temos mais de dois anos de governo pela frente. Então eu aproveito para saber se dentro de todo esse projeto do governo para essas obras, essa expansão do ensino superior, há recursos também para a manutenção desses equipamentos? Porque, nos últimos anos, mesmo com as expansões que tivemos, há algumas críticas ainda pela precariedade da estrutura, pela dificuldade de manter, porque é um custo, às vezes, tão alto quanto construir.
As pessoas têm razão de reclamar. A imprensa está correta quando denuncia que tem universidade que não está recebendo o recurso adequado. Agora, é importante as pessoas saberem que nós voltamos há apenas um ano e seis meses e que esse governo foi governado durante três anos por aqueles que deram o golpe na Dilma e depois foi governado por quatro anos por outra pessoa que desgovernou esse país. Então, o que nós estamos fazendo é reconstruindo as coisas. Nós anunciamos, na semana passada, no Palácio, R$ 5,5 bilhões do PAC para que a gente possa dotar as nossas universidades de condições de funcionalidade. Nós colocamos o dinheiro para construir laboratório, para construir novas salas de aula, porque muitas universidades que eu comecei a fazer em 2006, 2007, 2008, elas ficaram paralisadas, os laboratórios não foram feitos, os refeitórios dos estudantes não foram feitos e nós agora estamos refazendo aquilo que já era para estar pronto há 10 anos. As pessoas precisam compreender que, muitas vezes, reconstruir é mais difícil do que começar uma coisa nova, e nós estamos reconstruindo, porque nós não vamos abandonar nenhuma obra, nenhuma obra que foi paralisada neste País, nós vamos recuperar todas porque o povo brasileiro precisa disso.
Estamos nessa fase extraordinária e nós temos uma preocupação que é a educação. Eu já convoquei duas reuniões com todos os reitores desse país. Antes de eu chegar na Presidência, nenhum presidente da República, nenhum, pode pesquisar, nenhum presidente da República se reunia com reitores. Pois eu, todo ano, convoco todos os reitores das universidades e todos os reitores dos institutos federais. Por quê? Porque eu quero ouvir reclamação, eu quero que eles me digam o que é que está acontecendo, o que é que está bom, o que é que está ruim, porque, na medida que eles cobram de mim, eu cobro deles também. Aí é uma via de duas mãos, eles cobram e eu cobro, eles me entregam e eu entrego. É assim que a gente vai fazer esse país se transformar em um país altamente civilizado, em um país moderno, em um país em que as pessoas tenham perspectiva de vida. (Hoje) as pessoas nascem, ficam adultos, casam, constroem a família, muitas vezes sem nenhuma esperança.
O que nós queremos é dar a seguinte esperança para o povo, sobretudo para o pai e para mãe: a gente vai garantir que o seu filho, independentemente do berço em que ele nasceu, vai ter oportunidade de fazer um curso técnico, de fazer universidade. Eu não tenho universidade, eu tenho um curso técnico que eu fiz no Senai. Graças a esse curso eu aprendi a ganhar mais, eu tive mais estabilidade no emprego, eu fui para o sindicato e virei presidente da República. Então, o que eu quero é que a meninada de hoje tenha a oportunidade que eu não tive no passado, mas que eu acho que todo filho de brasileiro, independente da origem social, se é rico ou se é pobre, todos, não importa que seja preto ou seja branco, todos, sem distinção, tenham o direito de ter oportunidade de estudar, de trabalhar, de ter acesso à cultura, ao lazer, construir família e viver harmonicamente a sua vida.
Presidente, e pensando nessa meninada mesmo das universidades, nessa oportunidade, é impossível a gente não falar dessa situação da greve atual de professores e de servidores. Já são três meses de greve, a gente já está encerrando um semestre, seria aí uma conclusão de semestre no fluxo normal, tem toda uma comunidade acadêmica que está prejudicada nesse processo. Eu gostaria de saber por que é que está tão difícil chegar a um desfecho, o que é que o governo pode ceder ou não pode ceder?
Se tem um assunto que eu gosto de discutir é greve, porque eu nasci na greve. Veja, eu acho que todo e qualquer movimento de trabalhador tem o direito de fazer greve, de reivindicar. O que as pessoas não podem esquecer é o que já foi feito, é o que já foi oferecido. Veja, nós oferecemos, em média, entre 28% e 43% de reposição das pessoas. Nós fizemos muitos benefícios que muita gente sequer acreditava que a gente fosse fazer. Nós apresentamos um pacote e nós demos 9% antecipado no ano passado. Eu às vezes fico triste porque ninguém agradeceu os 9% e estão fazendo uma greve dizendo que é por 4,5%, que nós não demos nada neste ano. Olha, mas se a gente não deu é porque a gente não pode dar e isso não significa a gente não possa, nos anos seguintes, dar mais do que os 4,5%.
Eles só têm que entender que nós estamos há apenas um ano e seis meses no governo, que nós estamos fazendo, em tão pouco tempo, aquilo que os outros não fizeram aqui no Ceará e no Brasil desde 2016, quando a Dilma sofreu impeachment. Foram quase oito anos de estagnação nesse país e nós estamos retomando isso e vamos colocar as coisas no lugar. Portanto, na reunião com os reitores, não foram eles que falaram de greve, fui eu e o Camilo que falamos da greve. É importante pensar e analisar o que vocês têm na mão. Eu até contei uma história... Eu, quando nasci no movimento sindical, eu era muito radical, então eu tinha o costume de fazer reivindicação e dizia: ‘80% ou nada’, ‘100% ou nada’. Chegou o momento em que eu aprendi que, muitas vezes, entre 100% e 0% tem muita coisa, tem 40%, tem 50%, tem 60%. E, muitas vezes, com a radicalidade, eu fiquei sem nada. Então, eu disse para os reitores, é importante que lembrem que vocês não estão prejudicando o governo, vocês não estão prejudicando o Lula, vocês estão prejudicando, na verdade, os alunos que estão perdendo bons dias de aula, boas horas de aula.
Eu espero que tenha compreensão e espero que eles saibam que, no meu governo, não falta oportunidade de conversar, de negociar. Quando eu convidei o Camilo para ser ministro da Educação, não tinha outra razão a não ser a qualidade da educação que foi feita no Ceará, sobretudo no ensino fundamental. Não foi pelos belos olhos do Camilo, não foi pelos 80% de aprovação que ele tinha, que era 85% — ele teve mais votos do que o Putin na Rússia —, ou seja, parece que era unanimidade no estado. Eu chamei ele porque todos os indicadores, de todos os indicadores, seja de iniciativa privada ou de IBGE, provavam que o Ceará tinha conseguido fazer melhor educação no ensino fundamental. Então o Camilo foi ser meu ministro por isso, porque aqui no Ceará a educação funcionou, ela deu resultado, e é isto que nós queremos que tenha resultado no Brasil, que a educação do Brasil seja melhor do que aquela que vocês conseguiram implantar no estado do Ceará, que continua sendo o estado que tem os melhores indicadores educacionais do Brasil. É impressionante!
Vou lhe contar uma pequena história. Em 2005, eu recebi uma professora do IMPA, do Instituto de Matemática Aplicada, que foi me levar dez crianças que tinham ganho medalha na Olimpíada da Matemática. Naquela reunião que eu fiz com essa professora, chamada Sueli Duque, essa professora me contou que os estados que tinham mais gente na Olimpíada eram o Ceará e o Piauí, dois estados do Nordeste, dois estados pobres. Não era São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais. E é muito engraçado que eles são campeões de medalha de ouro, ou seja, é impressionante. Eu não esqueço nunca que o primeiro menino que ganhou uma medalha de ouro do Ceará era um menino tetraplégico, que o pai levava ele para trabalhar num carrinho de pedreiro. Ele (ia) deitado no carrinho para ir para a escola. Esse menino ganhou duas vezes medalha de ouro, então eu só sou obrigado a acreditar que a educação aqui funcionou mais do que em outros lugares.
Então é essa experiência de escola de tempo integral, essa experiência do ensino médio mais robusto para ensinar o menino a aprender uma profissão e ajudar a desenvolver a cidade que ele mora. Qual é a aptidão de desenvolvimento daquela cidade? O que que pode ser produzido naquela cidade? Este menino tem que ficar um especialista para ele ajudar a cidade dele a crescer, a gerar emprego, a gerar oportunidade de trabalho e a gerar renda. É esse o país que o Camilo está me ajudando a construir e é por isso que você, como jornalista, tem que ter orgulho. O Ceará está ensinando muita educação ao Brasil.
É, temos muitas grandes histórias aqui na área da educação que nos orgulham. Presidente, infelizmente, essa viagem do senhor hoje coincide com uma tragédia, uma notícia muito triste na segurança pública, que é um problema que vem se avolumando ao longo dos anos. Hoje, aqui no Ceará, amanhecemos com a notícia de uma chacina que aconteceu em uma praça pública aqui no município de Viçosa. Eu gostaria de saber do senhor quais são as diretrizes do Governo Federal para auxiliar os estados, para tentar uma saída, uma novidade, uma inovação, algo que seja, porque precisamos de algo que faça a diferença nessa questão da segurança.
A segurança pública é, está sendo, já foi e será sempre um grande problema desse país, um grande problema, mas vamos colocar as coisas no devido lugar. Primeiro, a segurança pública é uma coisa em que o estado tem praticamente o controle, porque a polícia é estadual, tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Militar. Nós, no Governo Federal, temos a Polícia Federal, temos a Polícia Rodoviária Federal e nós criamos a chamada Guarda Nacional. Quando eu propus, em 2006, criar a Guarda Nacional, eu estava querendo criar uma força auxiliar que ela só pode entrar em ação se os estados reivindicarem, se os estados pedirem, porque nós queríamos uma força com muita inteligência, uma força que tivesse um nível acima de formação da polícia tradicional que a gente conhece. Bem, depois isso não foi aplicado, eu saí da presidência, voltei e voltei com a ideia de criar o Ministério da Segurança Pública. Aí, nós fizemos uma discussão muito séria (sobre) que tipo de segurança pública a gente vai propor, que grau que a gente vai envolver os governadores, porque não adianta fazer uma discussão sem a participação dos governadores. E eu disse ao ministro Lewandowski, que está com uma proposta para apresentar para mim já faz 15 dias, que eu vou ouvir a proposta dele na mesa com a participação dos meus ministros que foram governadores.
Eu tenho o Camilo, eu tenho o Rui Costa, eu tenho o Renan, eu tenho o Valdez, eu tenho o Wellington, tenho vários ministros que foram governadores e tiveram experiência de oito anos. O Camilo teve oito anos, o Cid teve oito anos dele, o Rui Costa teve oito, o Wagner teve oito, o Wellington teve 16, ou seja, eu quero pegar essa experiência acumulada dos governadores para que a gente possa chamar os governadores que estão exercendo o cargo hoje e fazer uma discussão. Certamente o companheiro Elmano tem muita contribuição para dar, tem muita contribuição. Aqui no estado do Ceará, houve momentos em que a segurança era tido como satisfatória. Depois, houve um momento em que ela caía, porque é um problema sério, que está ligado a muitas coisas sobretudo, ao crescimento do crime organizado. No caso mais recente, a liberação de armas, que quem comprou arma não é pessoa honesta e decente que quer trabalhar, muitas organizações criminosas compraram armas à vontade, porque todo mundo poderia comprar.
E o Elmano é um cara que tem uma escolaridade nisso, não só antes de ser governador, eu conversei com o Elmano sobre o atentado de hoje de madrugada, ele disse que talvez tenha morrido uns oito, porque ele disse que tinham morrido sete e tinha um ferido, e parece que o oitavo também morreu. Eles estão apurando, vendo as câmaras, não se sabe se é briga entre o crime organizado, entre facções. O dado concreto é que nós temos que apurar isso e prender as pessoas que fizeram isso. E eu vou apresentar para o Brasil, depois dessa discussão com o ministro Lewandowski, com os (ministros que foram) governadores e com os governadores estaduais, quero convidar todos os governadores de todos os partidos políticos.
Essa reunião acontece hoje, presidente? É a que está prevista para acontecer aqui em Fortaleza, já tem data?
Não, não está. Essa reunião não está prevista para acontecer aqui, em Fortaleza. Está prevista para acontecer em Brasília, e eu primeiro tenho que ouvir a proposta do ministro Lewandowski, depois ver o que os meus ex-governadores e atuais governadores têm a dizer e depois a gente vai construir, porque a gente não pode construir algo que seja ineficaz, anunciar algo que depois não funcione. Ou seja, nós só temos que anunciar uma coisa se for melhor do que o que tem, para fazer mais do que o que tem e para evitar mais violência do que a que tem hoje. Então é preciso a gente pensar muito para a gente não fazer pirotecnia, anunciar uma coisa e depois não acontece nada. O Brasil está cansado de gente anunciar coisas que não acontecem. Então eu quero ser muito precavido para anunciar as coisas que vão acontecer.
Presidente, nesta semana o senhor fez algumas críticas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a alta taxa de juros. Ontem, o Copom manteve, por unanimidade, a taxa de juros em 10,5%. Eu gostaria de saber como foi que o senhor recebeu essa decisão.
Eu fui presidente por oito anos. O presidente da República nunca se mete nas decisões do Copom e do Banco Central, o (Henrique) Meirelles tinha autonomia comigo tanto quanto tem esse rapaz de hoje. Só que o Meirelles era uma pessoa que eu tinha o poder de tirar, como o Fernando Henrique Cardoso tirou tantos, como outro presidente tiraram tantos. Aí resolveram entender que era importante colocar, alguém que tivesse um Banco Central independente, que tivesse autonomia. Ora, autonomia de quem? Autonomia de quem? Autonomia para servir quem? Autonomia para atender quem? Porque, veja um negócio, eu estava em uma reunião do orçamento discutindo que nós temos possibilidade de ter um déficit de R$ 30 bilhões, de R$ 40 bilhões. Aí eu fico olhando do outro lado da folha que me apresentam, só de juros, no ano passado, foram R$ 790 bilhões que a gente pagou, só de desoneração foram R$ 536 bilhões que a gente deixou de receber.
E toda vez que a gente fica discutindo corte, a imprensa fala muito, a imprensa fala: “Ah, vai aumentar o salário-mínimo? É gasto. Vai aumentar o professor? É gasto”. E por que é que não transforma em gasto a taxa de juro que nós pagamos? Se você pegar os investimentos de crédito nesse país, você vai perceber que os créditos, os grandes créditos, são feitos pela Caixa Econômica Federal, pelo Banco do Brasil, pelo BNB e pelo BNDES, porque os bancos privados preferem, ao invés de fazer crédito, ganhar dinheiro com a alta taxa de juro de 10,5%. Então foi uma pena, foi uma pena que o Copom manteve, porque quem está perdendo com isso é o Brasil, é o povo brasileiro. Quanto mais a gente pagar de juro, menos dinheiro a gente tem para investir aqui dentro. Isso tem que ser tratado como gasto.
Eu não vejo o mercado falar dos moradores de rua, eu não vejo o mercado falar dos catadores de papel, eu não vejo o mercado falar do desempregado, eu não vejo o mercado falar das pessoas que necessitam do estado. Quem é que necessita do estado? É o povo trabalhador, é classe média, que é quem paga imposto nesse país. Esses dias você viu que eu fiquei meio nervoso porque nós pagamos R$ 45 bilhões de dividendos para os acionistas minoritários da Petrobras, R$ 45 bilhões, e não pagam R$ 0,01 de imposto de renda. E você, Jéssica, depois de trabalhar um mês e meio no microfone da Verdinha, você vai receber o seu salário e vem descontado 27,5% de Imposto de Renda. O trabalhador ganha uma miséria de participação no lucro no final do ano e tem que pagar Imposto de Renda.
E, neste país, quem ganha dividendo não paga Imposto de Renda. Então, é preciso que a gente tenha um pouco de sensibilidade para as pessoas perceberem que o que nós estamos tentando fazer neste instante histórico do país é elevar um pouco o padrão de vida das pessoas mais humildes para que ele se transforme em um padrão de consumo de classe média. Para que as pessoas possam morar em uma casinha melhor, possam ter uma escola melhor, possam, no final de semana, levar a família para ir a um restaurante comer alguma coisa. É só isto que a gente quer agora, e isso é muito difícil porque os que estão em cima não querem que os que estão embaixo subam um degrau na escada.
Presidente, inclusive para o Orçamento do próximo ano, o senhor já passou algumas diretrizes para os seus ministros Simone Tebet e Fernando Haddad. Tem revisão de gastos no Governo, essa é a expectativa? Que diretrizes o senhor está dando nessa elaboração?
Ô Jéssica, deixa eu te dizer uma coisa: eu digo pra todo mundo ouvir que eu tive como professora de economia a dona Lindu, que era analfabeta. Mas ela tinha oito filhos que trabalhavam e a gente chegava todo final de mês, todo dia 10, que era o dia do pagamento, a gente chegava com o nosso envelope, com o dinheiro dentro, todo mundo entregava o dinheiro para ela. Ela abria os envelopes, colocava todo o dinheiro junto e ficava dizendo: ‘esse aqui é para pagar a bodega, esse é para pagar a padaria, esse é para vocês pagar o transporte’... Ia fazendo a distribuição de dinheiro. E ela dizia: ‘a gente não pode gastar o que a gente não tem, se a gente tiver que fazer uma dívida é para comprar alguma coisa, para aumentar o nosso patrimônio, para valorizar, mas a gente não pode jogar dinheiro fora’.
É assim que eu governo o Brasil. Ou seja, eu não quero gastar o que eu não tenho e eu não quero gastar mal. Eu quero fazer gasto que seja uma coisa necessária. Pagar salário para o povo é um gasto necessário, melhorar a qualidade da saúde é um gasto necessário, melhorar a qualidade da educação é um gasto necessário. Você não vai melhorar a educação se você não contratar mais professor, não melhorar os professores, não fazer mais cursos para os professores, você não vai melhorar. Então o que nós queremos é fazer gastos de qualidade com o povo brasileiro. Isso nós não abrimos mão.
Nós vamos continuar aumentando o salário mínimo de acordo com o crescimento do PIB. Você sabe que eu tenho um compromisso de isentar de imposto de renda quem ganha até 5 salários mínimos. Eu ainda tenho três orçamentos para fazer e nós vamos garantir isso.
Porque, é o seguinte, quando você fala em gasto, tudo o que o governo faz é gasto. Fazer obra é gasto, fazer… O que nós temos que perguntar, uma pergunta que nós temos que responder é o seguinte: quanto custa não fazer as coisas necessárias? Quanto custou não fazer a reforma agrária no Brasil nos anos 1940? Quanto custou não alfabetizar esse país nos anos 1950? Custou muito. A transposição do Rio São Francisco, que eu comecei a fazer, foi tentada por Dom Pedro II em 1846. Nunca deixaram ele fazer. Pois eu demorei 450 anos para fazer, para trazer água para 12 milhões de nordestinos que viviam no semiárido nordestino.
‘Ah, é gasto’. É gasto? E não é gasto você ver as pessoas morrendo de fome, ver a cabrinha morrer de fome, ver o jumento morrer de fome, ver a vaca morrer de fome e ver as pessoas saindo andando a pé com a mochila ou trabalhar numa frente de trabalho para ganhar R$ 30 por mês. Quanto é que custa isso para o Estado? Então, o que nós temos que ter noção é que quando a gente faz uma coisa e aquilo resulta num benefício coletivo, na melhoria da qualidade de vida, aquilo é um investimento extraordinário que nós estamos fazendo, nós estamos investindo no povo brasileiro. A decisão do Banco Central foi investir no sistema financeiro, foi investir nos especuladores que ganham dinheiro com os juros e nós queremos investir na produção.
Presidente, estamos em ano eleitoral. O senhor, desde o começo desse ano, tem cumprido a agenda intensa também de visitas, especialmente aqui, no Nordeste. A gente sabe que é uma região eleitoralmente muito importante, dado o histórico do PT aqui nos estados. E eu gostaria de saber como é que tá a preocupação do senhor, do governo com as bases eleitorais, dado que a oposição também tem focado bastante no Nordeste? Qual deve ser o papel do senhor nas campanhas? Aqui em Fortaleza, o PT já deve ter candidatura. O que o senhor está planejando para esse período de eleições?
O papel do presidente da República é um papel que exige mais cuidado e mais responsabilidade. Eu tenho que levar em conta que eu, embora pertença a um partido político, eu tenho uma base de apoio no Congresso Nacional que extrapola o meu partido político. Então, eu tenho que levar em conta se nas cidades esses partidos que me apoiam disputando, eu tenho que levar em conta quem são os adversários… E aí, naquele que o adversário for um adversário ideológico, um adversário dos negacionistas, você pode ter certeza que eu vou fazer campanha.
Vou cumprir meu horário de trabalho em Brasília. Eu vou ficar trabalhando até 6 horas, mas quando der 6 horas que todo mundo tem o direito de ir para casa, eu vou fazer campanha para os candidatos que eu acho que vão melhorar a vida do povo. Mas com muito cuidado, porque eu também não posso ser pego de surpresa e depois ter um revés no Congresso Nacional de descontentamento.
Temos daqui a pouco também 2026. Sei que está longe. O senhor já falou essa semana também que não descarta ser candidato à reeleição, mas que também tem nomes no partido que poderiam encabeçar essa estratégia para 2026. E a minha pergunta vai ser, quem são esses nomes?
O problema é que eu não posso dizer, porque se eu insinuar dizer um nome ou dois nomes, ou seja, eu vou começar a ter uma briga interna dentro do governo. Então, deixa eu lhe falar uma coisa. Primeiro, eu sou um cidadão que me considero jovem, aos 78 anos de idade, tenho conversado com Deus e pedido para ele que eu quero viver até 120 anos. Eu não quero sair do planeta Terra agora, eu quero ajudar a construir esse País. Eu tenho uma causa que move a minha mente, a minha alma e o meu coração, que é melhorar a vida do povo brasileiro.
Ora, o partido tem muitos candidatos. Se você pegar a qualidade dos ministros que eu tenho, nós temos ministros extraordinários. Quase todos eles com muita experiência em prefeitura, experiência em secretariado, experiência em ministério, experiência em governo. Qualquer um deles está preparado. Agora, quando você vai definir a escolha de uma candidatura, você vai também medir o potencial dos adversários e você vai ver, dentre os candidatos, quem tem mais chance ou não. O que eu disse na entrevista, que eu não me lancei candidato, o que eu disse é o seguinte: eu, sinceramente, não posso discutir a minha candidatura agora. Eu já fui abençoado por Deus de ter três mandatos.
O único presidente com três mandatos sou eu na história desse país. Mais do que eu só Dom Pedro, que ficou 69 (anos) porque era imperador, e Getúlio Vargas que ficou de 1930 a 1945 como um governo autoritário e depois de 1950 a 1954. Então, eu sou o que tenho maior longevidade da presidência da República. O povo já me deu demais. O que eu disse textualmente: se chegar na hora de decidir e eu perceber que os negacionistas que destruíram esse país, que passaram a ideia para a sociedade de que o que vai melhorar esse país é vender arma para o povo, que o que vai melhorar esse país é fazer escola cívico-militar, que o que vai melhorar esse país é mentira na internet, que o que vai melhorar nesse país é mentir sobre religião; eu, sinceramente, vou fazer um esforço incomensurável para não deixar o negacionista voltar a presidir esse país, porque esse país precisa de gente que tenha coração, que tenha compromisso, que tenha história e que queira o bem do nosso povo.
Presidente, a nossa entrevista vai ficando por aqui. Tenho que liberar o presidente para cumprir as agendas aqui em Fortaleza. Em nome da verdinha FM 92.5, do Diário do Nordeste e da TV Diário, nós agradecemos a disponibilidade, a participação do senhor nesse diálogo.
Ô Jéssica, eu quero dizer só mais uma coisa aqui. Porque eu pensei que você ia perguntar alguma coisa sobre o Elmano, você não perguntou, então também não falei muito. Deixe eu dizer uma coisa de coração. Veja, eu tenho o orgulho de dizer, em qualquer reunião de prefeitos, em qualquer em qualquer reunião de governadores… Pode estar o Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo), pode estar o (governador) do Paraná (Ratinho Júnior), pode estar todos, eu tenho orgulho de dizer: nunca, na história do Brasil, um presidente da República cuidou dos estados como eu cuido e cuidou das prefeituras como eu cuido.
Pode quem quiser, meu adversário fazer um levantamento, se em algum momento da história desse país, algum estado recebeu uma quantidade de recursos que recebeu no meu governo. Por uma razão muito simples: eu não governo olhando quem é o meu adversário, eu governo olhando quem é o povo brasileiro. E se o povo tiver necessidade e o governador for contra mim, o povo vai receber o benefício, porque eu não vou prejudicar o povo por conta de um governador.
E aqui no Ceará, eu tenho noção. Até falei para o Camilo. Foi uma pena que o Camilo governou num período que eu não estava mais na presidência, porque se ele não governasse, ele ia saber quanto o recurso teria vindo aqui pro estado do Ceará. Eu fui para São Paulo muito pequeno. Eu saí de Garanhuns para não morrer de fome em 1952, com uma mãe analfabeta com 8 filhos. Então, eu sei por que eu saí do Nordeste. E eu não me conformo de ver no noticiário: tem mais mortalidade infantil no Nordeste, tem mais desistência da escola no Nordeste, tem mais analfabetismo no Nordeste, tem menos universidade no Nordeste, tem menos mestre no Nordeste, tem menos doutor no Nordeste.
Pô, será que o Nordeste nasceu para ser castigado? Será que nós não somos filhos de Deus? Então, eu quando fui eleito presidente da República, assumi meu compromisso. Eu quero colocar o Nordeste em igualdade de condições com qualquer outro estado da federação. Eu não quero tirar nada de São Paulo, não quero tirar nada do Rio, de Minas Gerais, mas eu quero que o Nordeste cresça, se desenvolva, gere emprego e qualidade de vida para o nosso povo. Essa é a minha obsessão e eu tenho fé em Deus que eu vou concretizá-lá.