De Jair Bolsonaro (PL) a Guilherme Boulos (Psol), passando pelo ex-juiz federal Sérgio Moro (Podemos), o deputado Arthur do Val conseguiu fazer políticos de ideologias bem distintas - e que, em raras ocasiões, partilham do mesmo posicionamento - convergirem contra o mesmo episódio: o áudio vazado em que o parlamentar, também conhecido como "Mamãe Falei", classifica as mulheres ucranianas como "fáceis, porque são pobres".
Para especialistas, além da gravidade da fala do parlamentar, essa convergência ocorreu também devido à disputa eleitoral deste ano, além do contexto de guerra enfrentado pela Ucrânia.
Em áudio vazado na semana passada, Arthur do Val afirma que as mulheres ucranianas "são fáceis, porque elas são pobres". Sob a justificativa de realizar ações humanitárias, o parlamentar estava no país do Leste Europeu, que está sob ataque da Rússia desde o último dia 24 de fevereiro.
Após a divulgação das declarações sexistas, o parlamentar reconheceu a autoria do áudio e anunciou a saída do Movimento Brasil Livre (MBL) - que o projetou na política nacional - e a desfiliação do Podemos. Ele também retirou a pré-candidatura ao Governo de São Paulo. Contudo, estas não devem ser as únicas consequências para o deputado estadual.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, foram apresentadas 21 representações pedindo a cassação de Arthur do Val. O Conselho de Ética da Casa resolveu unificá-las em um único processo e deve indicar o deputado Delegado Olim (PP-SP) como relator.
Existem ainda riscos de investigações administrativas, aponta a advogada e professora Jéssica Teles. Ela explica que é necessário saber a regularidade do afastamento de Arthur do Val para a viagem à Ucrânia, além de como foi feito o financiamento.
Repúdio à fala sexista
Desde a divulgação do áudio, na última sexta-feira (4), diversos políticos se manifestaram contra a fala de Arthur do Val, dentre eles pré-candidatos à presidência da República. Filiado ao antigo partido de "Mamãe Falei", Sérgio Moro (Podemos) disse que "jamais dividiria meu palanque e apoiarei pessoas que têm esse tipo de opinião e comportamento".
Adversários de Moro na disputa pelo Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também manifestaram repúdio pelas falas do deputado estadual de São Paulo.
"(A declaração) É tão asquerosa que nem merece... É tão asquerosa que nem merece comentário”, classificou Bolsonaro. Para Ciro Gomes, o episódio envolvendo o parlamentar foi "triste e vergonhoso".
Ex-candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (Psol) também falou sobre as declarações: "Ir a um país em guerra assediar mulheres desesperadas é nojento demais".
Outros atores importantes do cenário político nacional também se manifestaram em repúdio a Arthur do Val, muitos dos quais representam pólos opostos ideologicamente, como a ministra da de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e a ex-candidata à Prefeitura de Porto Alegre, Manuela D'Ávila.
Gravidade e contexto
Para especialistas, a convergência de posicionamentos de políticos que nunca ou quase nunca tiveram o mesmo posicionamento ocorre por diversos fatores. O principal é a gravidade da fala de Arthur do Val, principalmente quando considerado o contexto de guerra - e vulnerabilidade - enfrentado pela população da Ucrânia.
"Foi exposta uma frase extremamente misógina de uma pessoa que parecia estar disposta a assediar mulheres em situação de fragilidade. Isso tanto uniu conservadores, (pela fala) parecer aproveitadora, como uniu pessoas do campo mais progressista que vêem, em qualquer tipo de assédio, uma violência".
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará, a advogada Jéssica Teles aponta que o discurso de Do Val "chocou todo mundo".
"Se foi por uma questão de consciência cívica, de consciência de direitos, de estratégia política eleitoral para captar o voto de mulheres ou por uma questão de humanidade, realmente uniu políticos de todos os espectros. O ato é tão grave em absoluto que seria natural que todos se indignaram, mas sabemos que ainda há discursos que minimizam o poder de falas assim".
Para as docentes, existem ainda outros fatores que contribuem para a convergência entre opostos políticos. Dentre eles, a aproximação das eleições deste ano e o afastamento do episódio em relação às pautas em disputa, por exemplo, entre a esquerda e a direita brasileiras.
"Não toca em pontos que são pautas em disputa nesses campos que antagonizam. Como não é uma pauta que está em disputa pelos dois campos que se antagonizam, eles acabam tendo mais adesão desses dois lados", explica Monalisa Torres.
Disputa eleitoral
Teles afirma ainda que existe uma necessidade, principalmente em ano eleitoral, de um posicionamento daqueles que pretendem concorrer a um cargo em outubro. "O contexto eleitoral exige postura mais assertiva sobre esse tipo de comportamento, porque as redes sociais precisam dessa satisfação", argumenta.
Co-vereadora de Fortaleza pela mandata Nossa Cara, Adriana Geronimo (Psol) concorda com a importância do contexto eleitoral para a convergência destes posicionamentos. Ela aponta uma necessidade sentida por políticos da "terceira via" de se dissociar da imagem do deputado Arthur do Val.
"Ele representa o perfil que aponta para uma terceira via, o que é um fator comprometedor nessa disputa que o Brasil vive entre direita e esquerda. O nível de repercussão se dá por essa disputa e pela corrida frenética da terceira via para acabar com essa dualidade".
A parlamentar completa que isso não "reduz a gravidade da misoginia que ele praticou. Queremos que práticas criminosas como essa não estejam representadas no parlamento".
Repercussão no Ceará
Na Câmara Municipal de Fortaleza, outras parlamentares se manifestaram contra a fala sexista do parlamentar. Mesmo de campo político oposto a Gerônimo, Priscila Costa (PSC) também repudiou as declarações.
Pré-candidato da oposição ao Governo do Ceará, o deputado federal Capitão Wagner (Pros) também se manifestou sobre o episódio.
Correligionário de Wagner, o prefeito de Caucaia, Vitor Valim (Pros), classificou como "ridículo" e "imoral" o áudio vazado do deputado paulista.
Da base governista, também houve manifestações de repúdio. Procuradora Especial da Mulher da Assembleia Legislativa, a deputada estadual Augusta Brito (PCdoB) afirma que a "postura do parlamentar causa repulsa e indignação".
"Em um momento frágil da história mundial, em um contexto de guerra e dor, o deputado adotou postura misógina, sexista, preconceituosa ao mesmo tempo que incita a violência e a objetificação dos corpos das mulheres", ressaltou a parlamentar.
Já a deputada federal, Luizianne Lins (PT) pediu a cassação do parlamentar.
Consequência do episódio
O processo por quebra de decoro parlamentar contra o deputado estadual Arthur do Val na Assembleia Legislativa de São Paulo foi aceito pelo Conselho de Ética da Casa, que recebeu 21 representações contra o parlamentar.
Essa não será a primeira vez que o parlamentar será investigado pelo Conselho de Ética. Em 2019, ele recebeu uma advertência verbal por chamar colegas de "vagabundos", enquanto em fevereiro deste ano foi condenado a receber nova advertência por pagar salário a um assessor em dia em que ele não devia estar trabalhando.
Segundo levantamento feito pelo O Globo, pelo menos 48 parlamentares, dos 98 deputados estaduais, são favoráveis à cassação de Arthur do Val. “Ele é um deputado estadual, dentro e fora da Assembleia. Uma pessoa que tem que estar ali para defender direitos, para representar a pessoa independente de gênero e (pelo contrário) ele está violando”, afirma Jéssica Teles.
Ela explica ainda que é possível que haja consequência na área administrativa, já que, embora menos grave, é necessário que haja investigação a respeito do financiamento da viagem do deputado para a Ucrânia.
“(Além disso) Mostra que esse tipo de comportamento tem consequências graves e negativas. Do ponto de vista de avanço de pautas femininas, pode resultar em algo a longo prazo, de mudança de perspectiva de como essas agressões, como esse tipo de comportamento pode ser percebido pela sociedade e punido”, completa Monalisa Torres.