A singularidade do cenário político de cada cidade é um argumento comumente utilizado ao falar sobre as negociações em ano de eleições municipais. São essas especificidades que fazem com que partidos que são aliados a ponto de formarem juntos a chapa à prefeitura de um município sejam as mesmas agremiações que polarizam, em outra cidade, a disputa eleitoral.
Nas cidades da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), no entanto, as disputas eleitorais parecem ter mais reverberação entre vizinhos. A população destes municípios circula mais entre os territórios, por vezes morando em uma cidade, mas trabalhando ou estudando em outra, por exemplo.
Portanto, os cálculos eleitorais para a disputa pela Prefeitura de Fortaleza não podem ignorar as movimentações ocorrendo em cidades como Caucaia e Maracanaú, por exemplo. As duas cidades são as mais citadas por cientistas políticos e dirigentes partidários como tendo disputas eleitorais que refletem diretamente na capital cearense.
Em ambas, houve movimentações contundentes em torno de pré-candidaturas à Prefeitura. Em Maracanaú, o PL lançou a deputada estadual Dra. Silvana (PL) como pré-candidata a prefeita. Ela irá enfrentar o atual prefeito Roberto Pessoa (União Brasil) que deve ter o apoio do PT — embora a aliança ainda seja questionada pelo deputado estadual Júlio César Filho (PT), que quer concorrer na cidade.
Já em Caucaia — segunda maior cidade do Estado e única a ter segundo turno confirmado, além da capital —, as pré-candidaturas à Prefeitura parecem espalhar de forma ainda mais exata a correlação de forças da disputa pela Prefeitura de Fortaleza. PT, PL, União Brasil e PDT lançaram nomes para disputar o comando do Executivo municipal nas duas cidades.
No caso do PT, por exemplo, o pré-candidato Waldemir Catanho é aliado da deputada federal Luizianne Lins, uma das petistas que disputam a indicação para pré-candidatura em Fortaleza. Independente dos nomes escolhidos, nas duas cidades o pré-candidato petista deve rivalizar diretamente com o PDT — que em Fortaleza aposta na reeleição de Sarto, enquanto em Caucaia apresentou o ex-prefeito Zé Gerardo (PDT).
Ainda no lado oposicionista, União Brasil e PL devem marchar separados em 2024, diferente do que ocorreu em 2020. Na época, o grupo liderado por Capitão Wagner (União Brasil) — ainda no Pros — teve apoio das lideranças bolsonaristas que hoje comandam o PL. Para este ano, os dois partidos devem ter candidatura própria tanto em Caucaia como em Fortaleza, além de outros municípios da RMF.
Proximidade de território e de agendas
"Não é uma regra, mas as disputas que acontecem nas cidades da Região Metropolitana, especialmente Caucaia e Maracanaú, podem espelhar um possível resultado para a capital, não apenas pela proximidade dos temas das agendas locais, mas também, porque os colégios eleitorais se comunicam com maior proximidade", aponta a cientista política e professora de Direito da Universidade de Fortaleza, Mariana Dionísio.
A avaliação é semelhante à feita por dirigentes partidários. No comando estadual do União Brasil, Capitão Wagner destaca a importância da apresentação de nomes competitivos nos municípios vizinhos a Fortaleza. "A gente entende que o cinturão metropolitano acaba tendo influência na capital e vice-versa. Uma candidatura competitiva em Fortaleza replica nas cidades metropolitanas", pontua o ex-deputado federal, que deve disputar a Prefeitura de Fortaleza em outubro.
Wagner argumenta que nas cidades "que fazem limite com Fortaleza" essa influência é ainda mais forte. É o caso de Caucaia e Maracanaú, mas também de Pacatuba, Eusébio, Itaitinga e Aquiraz. "Articular a base na região metropolitana, fortalece o resultado", argumenta o ex-deputado.
Presidente do PDT Ceará, Flávio Torres (PDT) reforça a importância das cidades limítrofes a Fortaleza, principalmente Maracanaú e Caucaia. "São os dois (municípios) que se misturam com Fortaleza, abraçam Fortaleza. O outro seria Eusébio, que está na mesma condição de vizinhança que se mistura", afirma.
Apesar de admitir essa conexão entre as disputas municipais, Torres pontua que ainda não existem muitas definições de alianças entre os partidos. "Enquanto não passar o tempo da janela (partidária), fica tudo muito fluído. As articulações estão a pleno vapor, mas não tem nada definido", diz.
No entanto, ele reforça que os municípios, apesar de terem essa proximidade, são "distintos", tendo "seu histórico, um passado que alimenta as questões do presente" e que é necessária "flexibilidade" para entender os cenários locais. Em Fortaleza, o PDT deve lançar chapa com vice indicado pelo PSDB, enquanto em Caucaia, por exemplo, os dois partidos têm pré-candidaturas separadas — a deputada estadual Emília Pessoa (PSDB) foi confirmada como pré-candidata tucana.
Presidente do PSD Ceará, Domingos Filho (PSD) também reforça a necessidade de separar as "circunstâncias locais" de cada cidade, mesmo entre aquelas que integram a Região Metropolitana. Ao contrário do PDT e do PSDB, o PSD integra a base aliada ao Governo Elmano de Freitas (PT), mas isso não significa marchar junto aos aliados em todas as disputas municipais.
Em Caucaia, o PSD lançou a pré-candidatura do ex-prefeito Naumi Amorim (PSD), em oposição ao nome apoiado pelo atual prefeito Vitor Valim (PSB), que é Waldemir Catanho. Em Fortaleza, o deputado federal licenciado Célio Studart (PSD) também tenta viabilizar uma pré-candidatura à Prefeitura.
"O nosso partido tem total autonomia em todos os municípios. Uma aliança em um canto não significa aliança em outro ou vice-versa. (...) Nós temos muitas alianças e é evidente que disputamos com muitos partidos da base, até porque a base é muito ampla", afirma Domingos Filho.
Impacto nas articulações
O lançamento da pré-candidatura de Waldemir Catanho foi apontada como uma articulação para contemplar o grupo político liderado por Luizianne Lins no PT e assim facilitar as articulações em torno da escolha da sigla petista para a disputa pela Prefeitura de Fortaleza. Contudo, fontes próximas à ex-prefeita afirmam que ela não considera que a decisão no município vizinho modifique, de alguma forma, o processo na capital.
Mariana Dionísio aponta que a escolha de Catanho em Caucaia é "um ponto positivo" para a deputada federal. "No entanto, a decisão pela candidatura em Caucaia não expressa necessariamente a decisão do PT pela candidatura em Fortaleza", avalia. Ampliando essa análise para outros partidos, ela aponta ainda que nem sempre a influência da Região Metropolitana em Fortaleza é tão direta.
"As negociações feitas nesses municípios não chegam a influenciar de maneira decisiva as negociações realizadas na capital, mas, sem dúvidas, são consideradas para fins estratégicos, uma vez que um candidato que não conseguiu espaço para a eleição na capital pode ser deslocado temporariamente para o interior, garantindo assim a própria sobrevivência eleitoral".
O professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Emanuel Freitas acrescenta que a movimentação da oposição em relação a alguns destes municípios estratégicos aconteceu mais rápido do que a do lado governista. "Quem primeiro vislumbrou a potencialidade política de Caucaia foi a oposição e lançou um nome super identificado com o (o ex-presidente Jair) Bolsonaro: O marido da (deputada federal) Carla Zambelli, coronel, aciona imaginário de militar na política", lembra ele, fazendo referência a pré-candidatura do Coronel Aginaldo (PL) na cidade.
Ele cita ainda a candidatura do PL em Maracanaú. "Essa nova oposição a Roberto Pessoa está correndo mais forte do que a própria candidatura do Julinho, que já foi candidato muitas vezes, mas a candidatura está com falta de vigor", afirma. "A oposição não saiu enfraquecida em 2020, não saiu enfraquecida em 2022 e com toda certeza não sairá também enfraquecida agora em 2024", projeta.
Mariana Dionísio reforça ainda que será preciso estar atento a alguns outros colégios eleitorais importantes do Ceará e que, apesar de não serem na Região Metropolitana, "podem ser bons termômetros para avaliar o sucesso ou fracasso de algumas candidaturas".
Ela cita as cidades de Sobral, Juazeiro do Norte, Itapipoca e Crato. "Qualquer rejeição (ou simpatia) pelos pré-candidatos se torna uma grande amostra para sinalizar a direção das escolhas partidárias", pontua.