Casos de violência política no Ceará aumentam 150% em dois anos; estado é o 2º do Nordeste em número de ocorrências

Dados são da terceira edição da pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, lançada em dezembro

A violência política teve um crescimento acelerado no Ceará. Em apenas dois anos, os casos tiveram um salto de 150%, segundo dados da Pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil. Foram 35 casos entre novembro de 2022 e outubro de 2024 — o que coloca o Ceará como segundo estado mais violento politicamente do Nordeste, junto com Pernambuco. Os dois estados ficam atrás apenas da Bahia, que registrou 57 casos. 

Os números estão detalhados na terceira edição do levantamento, desenvolvido pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos e lançado no dia 16 de dezembro. Cada monitoramento realizado pelas entidades traz dados colhidos durante dois anos — a edição mais recente inicia após o fim das eleições de 2022 e finaliza na data do 2º turno das eleições municipais de  2024. 

O crescimento dos casos no Ceará, não é isolado. No País, os números de episódios de violência política atingiram o recorde: foram 714 registros. A maior parte deles foi registrada em 2024, ano de eleições municipais. De janeiro a 27 de outubro — data do 2º turno das disputas municipais — foram 558 ocorrências. 

O Nordeste também teve um destaque negativo no ranking das regiões brasileiras: ela divide com o Sudeste a primeira colocação em casos de violência política no período monitorado. No total, cada uma destas regiões registrou 238 casos de violência. 

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Agressões e atentados

A pesquisa não traz o detalhamento de cada caso de violência registrado. Contudo, é possível elencar agressões e atentados contra candidatos ou pré-candidatos ocorridos durante a campanha e a pré-campanha eleitoral no Ceará. 

Em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, três candidatos à Prefeitura foram alvos de violência política. Terceira colocada na disputa eleitoral, Emília Pessoa (PSDB) teve evento de campanha interrompido por tiros em frente ao local do ato. A então candidata também sofreu ameaças. Em setembro, circularam imagens nas redes sociais mostrando um muro com a frase: "Bala na Emília".

Prefeito eleito de Caucaia, Naumi Amorim (PSD) relatou ter ouvido tiros próximos a um evento da campanha, também em setembro. 

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Em setembro, 34 pessoas foram presas preventivamente por suspeita de ameaçar eleitores, interferir em campanhas eleitorais e extorquir candidatos no Ceará. Segundo as investigações, os alvos do grupo criminoso eram Naumi Amorim e Emília Pessoa. Na época, o titular da delegacia local, Rômulo Melo, afirmou que ameaças a políticos têm se tornado quase "habituais" na Cidade.

Ainda durante a campanha eleitoral, membros da equipe do então candidato Waldemir Catanho (PT) registraram boletim de ocorrência após um carro sob posse deles ser atingido por disparos de arma de fogo durante a colocação de bandeiras na região da Lagoa do Tabapuá. 

Já em Sobral, uma confusão generalizada acabou resultando em agressão contra o ex-prefeito da cidade Veveu Arruda (PT) durante ato da campanha de Izolda Cela (PSB), então candidata à Prefeitura e esposa de Veveu. 

O caso foi registrado em vídeo, no qual é possível ver quando homens agridem o ex-prefeito. Um deles chega a dar uma rasteira em Veveu e o derruba no chão. Nas imagens, ainda é possível ver momentos em que um pedaço de madeira chega a ser utilizado para agredir um dos envolvidos e também outra circunstância em que um homem aparece com ferimentos na cabeça.

Além destes casos, registrados durante a campanha eleitoral, também houve episódios contra pré-candidatos e parlamentares durante o período da pré-campanha. Contudo, nessas situações, as autoridades policiais não confirmaram se as investigações apontavam para motivação política. 

Em abril, o vereador de Camocim, César Araújo Veras, foi vítima de um ataque com faca em um restaurante localizado na cidade. Outras duas pessoas foram esfaqueadas na ocasião e o suspeito foi preso em flagrante.  

Poucos dias depois, no dia 7 de maio, o suplente de vereador do Crato, Erasmo Morais, foi morto com disparos de fuzil na entrada da própria casa. Pré-candidato à Câmara Municipal de Icó, o sargento da PM, Geilson Pereira Lima, também foi assassinado em maio deste ano. O crime aconteceu em um frigorífico da cidade. 

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Polarização e interferência de facções criminosas

Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres pontua elementos que podem explicar o aumento da violência política não apenas no Ceará, mas no Brasil. O primeiro deles diz respeito a um tensionamento e um adensamento do componente afetivo na política. 

Ela explica: "a política comporta duas dimensões. Uma dimensão racional — mais burocrática, mais técnica, de entrega, de execução de políticas — e uma dimensão mais afetiva — que envolve paixões, relações de proximidade, identificação pessoal com candidatos ou com agendas programáticas".

"A gente tem vivido um período político no Brasil em que as relações políticas têm sido muito contaminadas por essa dimensão afetiva. E qual o problema disso? Embora a dimensão afetiva seja um elemento presente na política, quando ela assume proporções maiores, quando ela é o componente mais importante que afeta escolhas, que afeta o posicionamento, que afeta ações, corre-se o risco de as pessoas resolverem ou tentarem resolver as divergências não por meio da política, não por meio do voto, não por meio do debate, não por meio do convencimento, mas por meio da violência". 
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política da Uece

A cientista política Mariana Dionísio acrescenta que, nos últimos anos, houve uma "intensificação das animosidades partidárias", em um cenário é marcado por "discursos polarizados e radicais". 

"Isso cria um ambiente propício a ataques físicos e psicológicos contra adversários políticos ou suas bases de apoio. Essa ampliação do discurso de ódio e a proliferação da desinformação pelas redes sociais pode ter sido um dos fatores para o escalonamento das rivalidades, sobretudo, nas questões de gênero", afirma.

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Professora de Direito na Universidade de Fortaleza (Unifor), Dionísio não descarta que o aumento nos números seja também causado por uma "maior visibilidade ou denúncia de episódios de violência". "Mas é inegável que, hoje, os casos estão cada vez mais explícitos, especialmente os que envolvem a deslegitimação de candidaturas por questões associadas ao gênero e o ataque gratuito às instituições e seus símbolos", diz.

Monalisa Torres pontua ainda que não é possível ignorar a interferência cada vez maior de facções criminosas na política institucional e eleitoral. Essa entrada tem ocorrido com estas organizações "influenciado eleições, participando de eleições, financiando candidaturas ou coagindo candidaturas". 

"Tem um grupo que funciona por uma outra lógica, tentando contaminar as decisões e as disputas políticas. E, nesse caso, quando a gente tem essa interferência desse elemento externo que inclusive não reconhece o jogo democrático, porque atua de uma forma completamente alheia às regras, a gente também vê aumentarem esses casos de violência política", argumenta ao pontuar ainda que se, por outro lado, "houver um esforço coordenado de pacificação e aumento da fiscalização, aliado a campanhas de conscientização, os casos tendem a diminuir".

"Para reduzir o número de casos, seria necessário fortalecer a segurança pública e os mecanismos de proteção para atores políticos e sociais, incentivar campanhas de conscientização sobre o respeito à democracia e aos direitos políticos, além de garantir mecanismos mais firmes de fiscalização e punição sobre os discursos de ódio e incitação à violência, tão cotidianos nas redes sociais e em espaços públicos".
Mariana Dionísio
Cientista política e professora da Unifor