As micro e pequenas empresas estão deixando de ter relevância apenas nos bairros onde estão instaladas. O segmento vem ocupando posição de destaque nos últimos anos na economia local, posto que tem se mantido mesmo durante a pandemia.
Enquanto as médias e grandes empresas se veem com dificuldade para manter o quadro de funcionários intacto e as próprias portas abertas, o ritmo de nascimento de pequenos negócios acelerou desde março de 2020 e, com ele, a disponibilização de vagas de trabalho.
Alci Porto, diretor técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Ceará e convidado desta semana do Diálogo Econômico, aponta que, em março deste ano, as micro e pequenas empresas foram responsáveis por cerca de 95% dos empregos gerados no Ceará. Outro feito de destaque é o alcance do saldo positivo de negócios da ordem de 62 mil empresas abertas em 2020 contra apenas 45 mil em 2019.
Muitos desses novos negócios, no entanto, estão surgindo por necessidade e sem o preparo básico para que haja sucesso. Diante desse cenário, os atendimentos do Sebrae aos empreendedores cresceram 25% no ano passado, em um esforço de melhorar as chances de sobrevivência das atividades e a manutenção da fonte de renda.
Uma das principais dificuldades, conforme Porto, dos pequenos empreendedores ainda é a capacidade de compreensão de mecanismos e recursos que podem beneficiar os negócios de alguma forma, como a medida provisória que flexibilizou os contratos de trabalho, permitindo a suspensão ou redução de jornada e salários.
Os valores que guiam a concessão de crédito no sistema bancário tradicional no País também é outro gargalo que dificulta o ambiente de negócios para os micro e pequenos empresários. O diretor técnico do Sebrae pontua, no entanto, que, assim como a digitalização dos negócios, o acesso ao crédito passa por uma transformação que deve ser permanente e pode trazer inúmeros benefícios.
Confira a entrevista completa
Os micro e pequenos negócios ficam mais vulneráveis em tempos de crise. Como ficaram as empresas cearenses durante a pandemia?
Tivemos algumas fases que merecem ser analisadas separadamente. A primeira é quando a pandemia chega. Nós temos cerca de 5% das empresas cearenses, isso equivalia, na base de 500 mil empresas que tínhamos, a cerca de 20 mil empresas, que não tiveram condições de continuar suas atividades.
Principalmente no setor de serviços, ligado ao entretenimento, ao turismo, a eventos, que ficaram prejudicadas inclusive na relação à distância com o cliente, porque mesmo utilizando meios digitais não podia haver eventos, não haviam plataformas disponíveis, não existia cultura digital. Então, 5% dessas empresas, cerca de 20 mil de micro e pequeno porte, ficaram no caminho.
Em seguida, nós do Sistema Sebrae, e aqui no Ceará muito intensamente, fizemos um trabalho de inserção no ambiente digital. Foi um conjunto de consultorias voltadas pra facilitar a ambientação desse empreendedor no ambiente digital.
Para tanto, o Sebrae nacional implementou muitas ferramentas, utilizando os canais mais diversos de redes sociais e aprimoramos essa relação à distância com o cliente, que até então era muito esporádica, não existia essa cultura de dar consultoria por smartphone.
Nós fomos começando a aplicar e, ao final do primeiro período, nós já tínhamos cerca de 20 mil consultorias só no Ceará de inserção das empresas no ambiente digital. Tivemos que pedir reposição até de recursos ao Sebrae nacional pra dar conta da busca que houve das empresas tentando adaptar suas apresentações dos produtos no ambiente digital, a inserção nas plataformas, o desenvolvimento de sites para lidar com o cliente, a comunicação deles que era totalmente analógica.
Tudo isso os especialistas transformaram em ações, consultoria e orientação, de forma que em 2020 nós chegamos a atender quase 25% a mais em relação a 2019. Foi um impacto da primeira onda da pandemia.
Neste ano, com a segunda onda, esse cenário tem sido diferente?
No início desse ano já inicia uma retomada da economia. Nós já sentíamos uma retomada, tanto que teve um fator curioso que é importante mencionar: o desemprego ocorreu fundamentalmente na média e grande empresa.
Os dados do Caged mostram que a geração de emprego na média e grande empresa foi negativa, ou seja, desempregou mais do que empregou. Enquanto na micro e pequena empresa é o inverso, o saldo é positivo. A micro e pequena empresa chega nesse mês de março a contribuir aqui no Ceará com praticamente 95% de todos os empregos gerados na economia.
O que acontece então: a micro e pequena empresa empregando mais porque se adaptou mais rápido ao ambiente digital e evitou demitir muito mais que a média e a grande, que fez demissões em massa.
O que aconteceu com os demitidos e com aqueles que porventura se aposentaram, mas que a renda ainda ficou insuficiente? Eles migraram para empreender. No início do ano, a Junta Comercial mostrou que o saldo de empresas em 2020, ou seja, a diferença entre as que iniciaram e as que morreram, foi pouco mais de 62 mil empresas no Ceará. Em 2019, esse número não passou de 45 mil.
Então, tem uma migração daqueles que perderam o emprego, daqueles que ficaram sem alternativa. Esses foram empreender e iniciaram uma atividade como microempreendedor individual (MEI) principalmente.
Esse início de 2021 foi muito caracterizado por uma nova massa de empreendedores, muito por necessidade, pessoas que não se prepararam, não fizeram plano de negócios, não fizeram análise de mercado, não sabem sobre a concorrência, e aventuraram-se pra ganhar uma renda.
O grande desafio do Sebrae nesse período foi chegar a esses empreendedores para torná-los empreendedores por oportunidade, para mostrar quais as oportunidades, naquele setor que ele escolheu, em um momento de dificuldade.
Então, o Sebrae iniciou uma massiva capacitação via internet, distribuímos um aplicativo para o microempreendedor individual fortemente. O microempreendedor tem hoje um aplicativo voltado pra ele que na verdade é um orientador. O aplicativo todo dia manda mensagem orientando sobre prazos de pagamento, fluxo de caixa, o que ele tem que cuidar no momento das compras.
Você observou o crescimento dessas empresas na pandemia?
Esse microempreendedor individual começa então a demonstrar uma reação de oportunidade, tanto que agora mesmo pegamos os dados das maquinetas que o Serasa faz o levantamento de faturamento e vimos que 10% dos microempreendedores cearenses mudaram de faixa, ou seja, ampliaram sua atividade, faturaram mais do que o limite, que é R$ 81 mil por ano, e agora são micro empresas.
Nós temos um fato positivo: adaptação ao mercado e gente crescendo. Por outro lado, nós temos uma massa muito grande, cerca de 90%, de microempreendedores que estão ou sobrevivendo com a atividade, fazendo alguma coisa pra ganhar sua renda, ou que estão na fase de se desenvolver.
Nesse ponto, o Sebrae está aplicando muitas capacitações em parceria com o Governo do Estado através de um programa novo que lançamos agora de esteira de preparação para o crédito. Iremos atender cerca de 5 mil empresários com essa esteira gratuita, onde ele tem orientação de fluxo financeiro, retorno de capital, como negociar fornecedor.
E a Prefeitura que recentemente lançou com a gente um programa também para os bairros de Fortaleza para nós atendermos cerca de 30 mil micro e pequenas empresas.
Então, esse ambiente que estamos vivendo agora queremos crer que já seja o de recuperação, porque acho que a economia não aguenta um novo fechamento. Nós temos que tentar buscar conter essa pandemia de alguma forma, com a vacina, com as orientações e cuidados, mas não permitir que as pessoas parem de gerar seu ganha pão, porque infelizmente a pandemia trouxe mazelas econômicas tão maléficas quanto a doença.
Você mencionou o saldo positivo de empresas no Estado. Os empreendedores estão descobrindo novas oportunidades de negócios durante a crise?
Nós tivemos alguns setores que até ganharam com a crise, do ponto de vista financeiro-econômico. Setores que tiveram demanda aumentada. A cadeia produtiva da saúde nem se fala. Tivemos uma intensidade de busca que vai desde os suportes de medicamentos, o setor farmacêutico, o setor de orientação de nutrição, a área médica, pediátrica e aí por diante.
Entramos também pelo setor de alimentação fora do lar, ou seja, as pessoas buscaram mais esses estabelecimentos. Parte delas migraram também para fazer a própria refeição em casa, e aí supermercados e mercadinhos tiveram um incremento, muitos empregaram mais, porque passaram a vender mais e fazer tele entrega, que gerou um novo nicho de mercado.
E o setor de alimentação de restaurantes que se adaptaram, aqueles que buscaram implementar um cardápio eletrônico, se relacionar com as grandes plataformas ou plataformas locais.
O Sebrae ajudou vários municípios a criarem suas próprias plataformas locais, aonde o produtor da cidade, às vezes das fazendas, dos sítios, passou a vender pela plataforma aos comerciantes locais e às famílias. Com isso, muitos depoimentos são dados demonstrando que, além de terem superado uma dificuldade, criaram uma nova forma de se relacionar com o mercado.
Nesse ambiente, nós conseguimos perceber alguns setores que de fato tiveram esse start, o setor de TI, que trabalhar com o ambiente digital, internet, games, etc, que muita gente, pelo fato de ter que ficar recluso, sem poder se relacionar fora, optaram pela internet, pelos ambientes digitais, pelas assinaturas digitais.
O Ceará tem mais de 100 provedoras de internet de micro e pequeno porte espalhadas no Estado e esse pessoal vendeu demais novas assinaturas, fora as assinaturas de diversão, TVs.
Então, tem segmentos que, ao contrário de outros, dinamizaram por conta da necessidade das pessoas. E tem outros que estão gradualmente saindo do processo. E é por isso que estamos chamando atenção dos governos que não dá mais para tratar igual os desiguais. Nesse momento, tem que tratar desigual, por exemplo, o setor de eventos, que agora que tá retomando.
Aí tem um segmento impactado demais também que é o pessoal da economia criativa. Nós não vimos mais os artistas, as pessoas que vivem da sua cultura, da sua arte, e essas pessoas estão sem saber quando isso tudo se regulariza.
Então, são esses setores que o governo tem que olhar com carinho, porque outros, como a indústria, construção civil, já estão funcionando com os cuidados, mas longe deles passar as dificuldades que ainda passa o setor de serviços, principalmente nessa área de promoção de eventos.
Alguns setores precisam de um olhar diferente, ter um crédito diferenciado, ter uma atenção governamental diferenciada, e é isso que o Sebrae tem pregado para os governos.
Voltando aos empregos, em julho de 2020, mais de 50% dos pequenos negócios não tinham demitido ou mesmo reduzido a jornada de seus funcionários. Como isso foi possível? Essa condição ainda se mantém?
A micro e pequena empresa tem um problema de comunicação. Enquanto as grandes empresas têm seus setores que analisam, filtram dados, entregam aos executivos tudo bem analisado, o micro e pequeno empresário quando muito procura o Sebrae, procura se formar com a gente e com dificuldade de compreensão. Você imagina uma lei dessa que suspende contratos, que tem capacidade de redução de jornadas, para as pessoas mais humildes que têm suas empresas não é fácil decidir.
Eles têm medo que isso possa impactar sobre eles legalmente, não sabem se essa lei realmente vale ou não vale, então é um trabalho de convencimento e orientação muito grande.
Quando o Sebrae começou a fazer (esse trabalho) de forma intensa, esse número reverteu. O percentual de empresas de micro e pequeno porte que acessaram essa legislação foi muito mais intenso que as médias e grandes. Chega a mais de 70% dos trabalhadores beneficiados a parcela relativa a micro e pequenas empresas.
Isso ocorreu em um momento em que ou demitia ou tinha esse apoio, não tinha outra alternativa, já que não tinha faturamento. A grande preocupação dos empresários agora, por exemplo, de bares e restaurantes é porque chegou ao fim a lei do BEm e eles têm que manter o faturamento pela metade, porque só estão atuando com a metade dos espaços, e por outro lado vão ter que receber de volta os funcionários que estavam sob essa condição da lei.
Resultado: deverá haver demissões, porque os empresários não podendo trabalhar plenamente também não podem atuar plenamente com seu pessoal. Aqueles que estavam fora têm uma estabilidade pelo mesmo período que houve o benefício e os que estão trabalhando vão ser demitidos.
Ou seja, os que já se adaptaram, os que já estão no ambiente digital, vão ter que ser desligados, porque os outros têm estabilidade. Retornam pra empresa com um prejuízo maior, porque não estão treinados tanto quanto aqueles que permaneceram, e o empresário vai ter essa faca no pescoço, ter que demitir principalmente aqueles que estavam juntos durante a pandemia.
Nós queremos crer que o governo possa se alertar quanto a isso, ver qual a alternativa, afinal de contas, o que se tem percebido é que os ambientes que têm causado grandes aglomerações em geral não são os ambientes formais, onde os espaços são delimitados, onde os cuidados são verificados.
Você entra hoje em um restaurante, você vê tudo tão marcado, os cuidados com as mesas, a higiene, todos os atendentes com proteção no rosto, não creio que seja aí o grande problema.
O grande problema é nessas festas ilegais, nesses ambientes de aglomeração em transportes de via urbana que infelizmente as pessoas não têm alternativa, têm que entrar em um ônibus lotado, com pouca ventilação. Você acha que aquilo tem comparação com um restaurante com espaço de dois metros entre as mesas, com todo um sistema de ventilação colocado e vigiado completamente?
Ou tem que ir em cima do problema ou nós vamos colocar em risco a sobrevivência de muito mais empresas.
Uma das saídas para a sobrevivência dos negócios é o acesso ao crédito. As pequenas empresas ainda têm dificuldade em relação a isso? O que precisa melhorar?
O crédito continua sendo um gargalo no Brasil porque ele está vinculado ao risco. Então, o sistema bancário brasileiro vincula o crédito ao risco, não à oportunidade do negócio, se o seu negócio dá retorno, se impacta, ele não olha isso. A primeira coisa que ele olha é se você tem garantias, se você é um primeiro empreendedor. E quem inicia atividade, como é que tem experiência se tá iniciando? E a primeira coisa que o banco quer é experiência.
Então, nosso sistema de crédito é vinculado a dar dinheiro a quem já tem. Quem tem garantia, quem tem patrimônio, recebe dinheiro do banco. Quem não tem garantia e não tem patrimônio, não recebe.
Ou nós passamos a inserir uma cultura bancária diferente, e aí acho que os bancos vão ter se adaptar, porque as fintechs, as startups que estão surgindo de crédito, elas se relacionam pela confiança e pelo retorno dos negócios e não só pela capacidade de pagamento das empresas no momento.
Se você analisar a capacidade de pagamento de uma startup no momento em que ela inicia é zero, porque ela parte de uma ideia, ela não tem ainda faturamento, muitas vezes. Mas a ideia é escalonada rapidamente e pode ser escalável em um período de 2 anos e virar uma empresa de grande porte.
Pela cultura brasileira de crédito, as startups não existiriam, porque eles não consideram ideias como o padrão de análise para eles.
O que o Pronamp fez, que foi esse programa criado pelo Governo Federal, foi isentar muitas dessas exigências. Como é que no meio de uma pandemia a pessoa tem que ter uma certidão negativa que não deve nada a ninguém? Como é que você sem faturar não tá devendo? São umas contradições absurdas que levam o banco a ficar com dinheiro no caixa, querendo emprestar e não pode. E o cliente precisando do dinheiro e não tem acesso.
O Pronamp colocou R$ 37 bilhões em 2020 na rua em três semanas, coisa que os bancos no Brasil levariam anos pra fazer. Esse ano, o Pronamp reduziu e colocou só R$ 7 bilhões. Não deu uma semana as propostas já estavam abarrotadas nas agências bancárias.
Isso porque o crédito precisa ser revisto, não a fonte de recurso. Dinheiro tem, os bancos têm muitos fundos. O nosso FNE aqui mostra isso, todo ano tem saldos para o ano seguinte. O que falta é melhorar as condições. Ainda bem que o Pronamp chegou e deu vazão a muita gente que estava com dificuldade de passar esse período.
É bem verdade que esse prolongamento da pandemia é um fator preocupante, porque a carência é o período que a empresa não paga o principal, paga só o juro. A carência está acabando e vai chegar o momento de pagar a prestação. E se esse momento chegar e a pandemia ainda não permitir que eles trabalhem de forma adequada? Como é que fica?
Vai ter que fazer um refis, um refinanciamento pra aumentar o prazo, porque não tem milagre: ou a empresa fatura ou ela não consegue pagar, não tem outra forma.
Então, o crédito passou por um período oportuno, o Pronampe deu uma grande impulsionada e, agora recentemente, para aqueles que estão na fase do MEI, esses que iniciaram um negócio, que tem um risco de sobrevivência muito pequeno, o Governo do Estado lançou o Ceará Credi, que é um crédito voltado para o micro e pequeno empreendedor e para o informal, aquele que está na sua atividade querendo entrar na formalidade, mas ainda não tem estrutura para isso.
O Sebrae, em parceria com a Adece, está fazendo um trabalho grande de aproximação desse empreendedor. Queremos crer que esse crédito dá conta desse público enorme que perdeu o emprego, montou um negócio, e que não tem capital nenhum. Esse crédito vai chegar pra esse público e será um grande ganho, porque pelo menos mantém essas famílias com alguma renda.
É cristalino o avanço que o Pronampe trouxe em termos de acesso ao crédito. Por ser um programa emergencial, você acredita que os benefícios também sejam temporários?
Existem algumas culturas que a pandemia nos proporcionou e não tem retorno. Uma delas é o digital. Nós estamos conversando a distância. Certamente dois anos atrás não estaríamos, ou estaríamos presencialmente ou pelo telefone. Abriu-se uma nova relação com o mundo todo e que não tem retorno.
As empresas terão que se adaptar, se inserir. Claro que o presencial não deixa de existir nunca. O ser humano é sociável, a gente se relaciona e quer ter presença, mas esse vai ser um instrumento complementar e facilitador da vida das pessoas e dos clientes.
E o crédito passa por essa revolução também. A maioria das fintechs estão fornecendo crédito sem que você sequer veja a pessoa com quem está lidando, apenas por smartphone. Você dá dados, eles fazem uma checagem do seu cadastro, verifica as condições da empresa também via online, e liberam diretamente na sua conta o crédito. Isso já está acontecendo com várias fintechs.
Isso há dois, três anos era impossível. Imaginar que o gerente não tinha que ver o seu rosto, olhar se você é confiável, fazer perguntas, você se tornava quase investigado. Tinha situações em que seu irmão devia ao banco e o cara era culpado, não tinha acesso a crédito.
Então, o sistema começa a ter uma relação impessoal nesse ponto, digital, e que também influi muito o uso das tecnologias. A empresa que tiver usando tecnologia, acessando o mercado, tendo ideias inovadoras, elas estão sendo olhadas diferente já por alguns bancos, inclusive privados, que têm programas de crédito diferenciado para empresas de micro e pequeno porte.
E o Sebrae acha que toda essa nova cultura não volta, a não ser aquelas culturas enraizadas pela legislação, que tá ainda no Banco Central e que, ao meu ver, os nossos parlamentares terão que olhar já já por elas. Porque o Pronamp já deu uma lição sobre isso, mostrou que quando facilita, o acesso acontece, as empresas acessam, têm rapidez, investem e mantém os empregos, isso que é importante.
Você mencionou a adaptação dos negócios ao digital. Como foi esse processo no Ceará durante a pandemia e o que ainda precisa ser melhorado?
O que nós temos dito para os empresários é que o cliente ficou digital e ele não pode permanecer analógico. Porque se não eles não se conversam. O cliente tem uma expectativa de se relacionar com você pelo smartphone enquanto ele está a caminho de um compromisso. Se o empreendedor não compreender esse novo perfil, ele não vai alcançar o faturamento necessário para o seu negócio ter retorno. Isso é uma constatação.
As micro e pequenas empresas, no período da pandemia, mais de 62% delas aqui no Ceará, ingressaram no ambiente digital. Aquelas que sobreviveram, daquelas quase 500 mil, 62% disseram nas pesquisas que migraram, ou seja, estão trabalhando de alguma forma o digital, o ambiente online. Isso significa que uma nova cultura foi implementada.
A gente agora tem uma grande preocupação de que os empresários entendam o que significa inteligência de dados pra ele. Na verdade, isso no ambiente anterior era só pra grandes empresas, que mantém banco de dados, e na verdade é apenas um aprofundamento dos costumes e das necessidades do cliente dele.
Ele agora não pode ter só uma ficha do cliente com nome, idade, endereço e telefone. Ele agora tem que ter o horário que ele consome, o tipo de produto que ele gosta de consumir, quais são as buscas que ele tem feito constantemente na internet, principalmente na área de alimentos, ele tem que ter inteligência de dados que dê pra ele maior familiaridade com o que o cliente deseja.
Quem tiver mais identidade e mais dados sobre o que o cliente deseja e como ele deseja, vai chegar nele melhor.
É muito costume nosso receber uma mensagem e dizer 'Poxa, que inconveniente. Isso é hora?'. Muitas dessas empresas que se relacionam de qualquer forma perdem clientes. A gente deleta, não quer mais saber, inclusive causa mal-estar.
Se você souber a hora certa do cliente consumir um determinado produto, você pode oferecer a ele na hora certa, o produto certo e a um preço atraente.
Quem tiver essa ambiência maior com o seu cliente, vai encantá-lo mais. E cada vez mais o cliente digital tem mais alternativa. Enquanto no analógico eu era obrigado a comprar porque é do lado da minha casa, me submetendo a um atendimento ruim, agora eu abro o smartphone e tem lá 30 (estabelecimentos) me oferecendo às vezes um produto muito melhor, em uma velocidade de entrega que cada dia se aperfeiçoa mais.
Ou seja, quem tiver inteligência, quem souber analisar dados, quem souber se relacionar com esse cliente, com certeza vai ter mais sucesso nesse ambiente de negócio.
Com a vacinação chegando aos mais jovens no Estado, o mercado começa a ficar mais aquecido? Como você prevê essa recuperação?
Eu vejo que no momento em que a vacinação se amplia, a gente percebe uma tranquilidade muito maior no ambiente, as pessoas se sentem mais seguras. Tomara que essa vacinação alcance a todos logo, porque nós vamos ter que nos acostumar a passar por essas imunizações.
Esses vírus começam a ter uma dinâmica que a gente achava que não ocorresse, mas infelizmente está ocorrendo, já tem nova variante, poderá ter outras, ninguém sabe. Mas a gente tem que se acostumar a conviver com essas situações usando a ciência, usando a vacina, porque ela que nos imuniza, nos dá condições do nosso organismo reagir.
Eu acho que a imunização é o primeiro passo fundamental. O segundo passo é imaginar que nós precisamos criar um ambiente favorável para as micro e pequenas empresas impactarem, porque elas estão gerando quase 100% dos empregos.
Essa história no Brasil de trazer um grande empreendimento pra gerar emprego, isso é conversa. A gente já viu que grande empreendimento é alavancador de outros. Porque se você for pra um grande empreendimento que fatura bilhões, ele emprega 200, 300 pessoas. Se eu for pra uma fábrica de calçados de pequeno porte em Juazeiro do Norte, ela emprega 150, 200.
Então, na verdade, o emprego está onde os pequenos negócios estão, porque tem um dinamismo muito grande, estão espalhados, e principalmente, estão no ambiente que as grandes não empregam: os bairros, a periferia, as pequenas comunidades.
O governo precisa ter a consciência de que é neles que residem a necessidade de investimento, de políticas de apoio, de facilitar a vida dessas pessoas que têm uma carga burocrática ainda enorme.
O Simples veio pra melhorar, mas todo dia desejam piorar. O secretário da Receita Federal infelizmente não conhece de Brasil e está dando entrevista nos jornais dizendo que o Simples é um benefício descabido para os pequenos. Você imagina o que seria da nossa população se não houvesse o emprego gerado pela micro e pequena empresa agora.
Essas famílias estariam todas na rua. Como essas pessoas não entendem a realidade do Brasil, não compreendem o custo de uma família na miséria, para a qual o Governo tem que dar uma bolsa, tem que dar saúde, tem que manter outras coisas, em comparação com o custo de manter ela dentro do Simples.
E se ela não pagar a taxa durante um período, nem vale a pena questionar. Por que o que é R$ 60 que ele pagaria para o Governo contra o que é necessário pra manter aquela família com tudo que ela precisa.
Você imagina um cara que fatura R$ 6 ou 7 mil, no máximo, por mês, quando muito, a maioria fatura a metade disso, pagar R$ 60 e ainda ter um burocrata achando que isso é pouco, que tem que aumentar. Alguém que tá sobrevivendo com a família, que já emprega outra pessoa, que tá no seu bairro, que não precisa pegar transporte porque começa a abastecer o bairro.
E o Sebrae está estimulando com o Compre da Gente, que é nossa grande mensagem de mercado: compre de quem está perto de você, porque é um empreendedor de pequeno porte, emprega no bairro e gera renda.
Então, é nesse ambiente que a gente do Sebrae está batalhando sempre e com a certeza que essa pandemia consolidou cada vez mais o espaço da micro e pequena empresa, que deve ser apoiada fortemente.