Segunda onda da Covid-19 é marcada por ‘epidemias simultâneas’, diz epidemiologista Antônio Lima

Gerente de Vigilância Epidemiológica de Fortaleza comenta a segunda onda da pandemia na Capital e analisa situação do País

Com média móvel em torno de 25 óbitos por dia e um quantitativo de casos que já supera o acumulado da primeira, a segunda onda da pandemia de Covid-19 assola Fortaleza de maneira mais agressiva. E, diferentemente da primeira vez, agora a Capital divide a atenção do Governo com outras muitas cidades do Interior com altos níveis de transmissão da doença.

Esse cenário não é exclusivo do Ceará e configura uma das principais preocupações das autoridades sanitárias no momento, segundo o epidemiologista e gerente de Vigilância Epidemiológica de Fortaleza, Antônio Lima, conhecido como “Tanta”. “É raríssimo o que está acontecendo. São epidemias simultâneas na maioria dos estados da Federação”, disse.

Além do risco de colapsar simultaneamente os sistemas de saúde de todo o País devido à pressão assistencial, o contexto de alta transmissibilidade da Covid-19 pode fazer com que o Brasil se torne um “celeiro de variantes”. Isso porque, de acordo com Tanta, “quanto mais o vírus circula, maior a probabilidade de existirem novas variantes” dele.

Transmissão em Fortaleza

A média diária de casos confirmados da infecção na Capital em fevereiro foi a maior desde o início da pandemia, afirma Tanta. Maior, inclusive, do que o pico, em maio de 2020.

“Tivemos, em média, em torno de 640 casos por dia. E tivemos, também, outra tendência que se consolidou, que foi um crescimento importantíssimo da mortalidade”, frisa Antônio Lima.

Pelo boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) nesta sexta-feira (5), a média móvel de óbitos nos últimos sete dias estava em 19, número que representa aumento de 36% em relação a 14 dias atrás. Esse número, porém, já deve estar em torno de 25 mortes diárias. “É o aspecto mais preocupante”, enfatiza o epidemiologista.

Relação com nova variante

De acordo com Tanta, a agressividade da segunda onda da pandemia não tem uma única razão. A presença da variante de Manaus é um fator que colaborou especialmente a partir de dezembro, mas, também, foram descumpridas medidas de distanciamento social e relaxadas regras de circulação, além de que pode ter havido deslocamento natural de faixa etária.

O epidemiologista ressalta que a segunda onda também deve registrar um pico maior de casos do que a primeira porque, agora, a capacidade de testagem é maior, o que diminui a subnotificação — especialmente, dos casos leves.

“O número de casos da segunda onda será maior. A questão dos óbitos é discutível porque, hoje, você conhece melhor o protocolo para conduzir a doença, sabe o momento ideal de iniciar uma ventilação pulmonar mais invasiva, como tratar, quando usar corticóides, anticoagulantes. Os protocolos terapêuticos são melhores. Então, provavelmente, pode ter mortalidade menor”, projeta Tanta. Porém, ele diz que a baixa mortalidade vai depender do sucesso das tentativas de bloqueio da transmissão e da capacidade de assistência hospitalar.

‘Duplo discurso’

“Nós temos um duplo discurso. Estamos aqui mostrando a necessidade de medidas mais rígidas enquanto a gente expande leitos e a mensagem que vem do Governo Federal é oposta a essa: que devemos nos aglomerar, não devemos usar máscara. Isso é muito difícil para construir um discurso de união”, critica o epidemiologista.

O ideal, segundo ele, seria manter o isolamento rígido da população até que ela pudesse ser vacinada. No entanto, com os imunizantes chegando aos poucos, esse trabalho é difícil. “Você tem que impedir as pessoas de saírem de casa e vaciná-las. E, enquanto isso, ser capaz de promover um colchão social, que é o auxílio emergencial. Dar condições para que esse indivíduo viva. Esse consenso que no mundo todo existe não existe aqui”.

Vacinação

Com a probabilidade de o Ceará receber em torno de um milhão de doses de vacinas em março, Tanta acredita que vai ser possível começar a sentir os efeitos da imunização, principalmente, nos grupos prioritários, que são os mais suscetíveis ao agravamento

“Para você intervir, impactar a mortalidade, a hospitalização, precisa vacinar e vacinar rapidamente”, cobra o epidemiologista.