Edifício Andrea: ex-moradores ainda são cobrados por financiamento e seguro de imóvel que não existe

A situação dos pais de Davi Sampaio, universitário que fez selfie enquanto estava sob os escombros do edifício que desmoronou há um ano, alerta para a necessidade de atenção redobrada às cláusulas do contrato de seguros residenciais

Legenda: Paulo e Davi, pai e filho, moravam no Edifício Andrea, que desabou há um ano, em Fortaleza. Eles estão ainda hoje recebendo boletos da Caixa Econômica Federal para pagar pelo financiamento e o seguro do imóvel que já não existe mais.
Foto: Thiago Gadelha

Em 20 de agosto de 2012, Paulo Rômulo Bezerra Martins, 61, e Ivoneide Eugênio Sampaio Martins, 61, compraram um apartamento financiado pela Caixa Econômica Federal. Em 15 de outubro de 2019, esse apartamento ruiu junto a outros 12 que compunham o Edifício Andreaprédio que desabou há um ano em Fortaleza, provocando a morte de nove pessoas.

A tragédia em si e a repercussão em todo o Brasil não foram suficientes para evitar que, mesmo após o desabamento, continuasse a chegar para Paulo e Ivoneide o restante das prestações do imóvel financiado. “Querem que a gente pague uma coisa que não existe mais. Como?”, argumenta Paulo. Por causa da dívida em aberto, os nomes dele e da esposa estão negativados em órgãos de proteção ao crédito como SPC e Serasa.

Morando de favor num apartamento da irmã de Ivoneide, os pais do universitário Davi Sampaio, uma das vítimas resgatadas dos escombros, desistiram de tentar resolver a situação administrativamente e entraram com processos contra a Caixa e a seguradora do banco.

Impasse

A Caixa alega não ter responsabilidade sobre o seguro. Em nota enviada ao Seu Direito, afirmou apenas que “atua (neste caso) de acordo com as condições contratuais pactuadas, inclusive no que se refere à exigência de contratação de seguro para financiamento habitacional”. 

Porém, de acordo com o casal, a instituição financeira tem feito constantes cobranças da dívida sobre o financiamento e, também, sobre o seguro.

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“A Caixa não deixou eu esquecer a tragédia. Sempre arranja um meio de lembrar”, conta Ivoneide. Chegam a ser entre oito e 16 ligações diárias, de acordo com ela. “A todos que ligam eu conto a mesma história”, lamenta a ex-moradora.

A Seguradora Caixa argumenta que as cobranças conjuntas continuam a ser feitas porque, por se tratar de contrato acessório ao principal (de financiamento), o seguro permanece ativo enquanto o de financiamento também permanecer.

Os processos movidos pelos ex-moradores contra a Seguradora Caixa e a Caixa Econômica tramitam em níveis estadual e federal. De acordo com o advogado da família, Ramon Galvão, “a justificativa (da seguradora para negar pedido de indenização) é de que o prédio não estava com as instalações, a estrutura física adequada, ocasionando o acidente”.

De acordo com a seguradora, o contrato com os ex-moradores cobre danos físicos ao imóvel, desde que decorrentes de causa externa, não estando cobertos “vícios de construção”, ou seja, falhas construtivas. “Nesse caso, o responsável é a construtora executante da obra”, apontou a instituição, que afirmou, também, não ter sido intimada ainda no processo.

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Segundo o advogado Ramon Galvão, o que estava segurado era o apartamento do casal e não o prédio inteiro. Ele acredita, portanto, que a Seguradora “não pode se valer de um argumento evasivo desse” para negar o pedido de indenização. Diz ainda que o processo movido em nível federal contra a Caixa Econômica objetiva exclusivamente que sejam suspensas as cobranças incessantes. “Entendemos que não existe mais dívida nenhuma”, afirma o jurista.

Outra ex-moradora do Edifício Andrea que também tinha apartamento financiado por banco conseguiu resolver a situação sem desgaste judicial. Porém, não deu detalhes sobre seu caso específico.

Contrato de seguro

Independentemente do detalhamento que cerca o caso de Paulo e Ivoneide, especialistas ouvidos pelo Seu Direito afirmam que é preciso se precaver e atentar para todos os direitos e responsabilidades envolvidos ao contratar um seguro residencial. Para minimizar as possibilidades de transtorno numa necessidade de reivindicação do prêmio do seguro, dizem, o ideal é saber exatamente o que está coberto e quais são as condições impostas pela seguradora para indenização em casos de desmoronamento como o do Andrea. 

O Edifício Andrea tinha sete andares e 13 apartamentos. Desmoronou no dia 15 de outubro de 2019, provocando a morte de nove pessoas.
Legenda: O Edifício Andrea tinha sete andares e 13 apartamentos. Desmoronou no dia 15 de outubro de 2019, provocando a morte de nove pessoas.
Foto: Natinho Rodrigues

“Precisa estar literal no contrato quais são as hipóteses do que é coberto. O desmoronamento é uma possibilidade, mas precisa estar claro”, reforça Thiago Fujita, presidente da comissão de Defesa dos Direitos dos Consumidores da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE). Além disso, o advogado lembra que cada acréscimo de cobertura encarece o valor do seguro. A dica, então, é, antes de assinar contrato, conversar preferencialmente com um corretor de imóveis para decidir sobre a apólice que melhor se adequa às suas condições financeiras.

A administração do prédio também tem sua parcela de responsabilidade. No caso do Andrea, segundo Ivoneide, não havia seguro condominial, o que desamparou ainda mais os condôminos sobreviventes da tragédia de 15 de outubro. 

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Rafaela Ferraro, advogada especializada em direito imobiliário e integrante da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-CE, diz que é dever de quem administra assegurar aos moradores uma boa convivência, com saúde, sossego e segurança, incluindo a garantia de um seguro residencial adequado. “Se possível, fazer uma assembleia, em que esse comunicado seja entregue por escrito, com todas as regras e consequências, buscando a anuência expressa de cada condômino, para que, depois, ninguém diga que não sabia ou não recebeu”, orienta a especialista.  

Que cuidados tomar ao adquirir um seguro residencial?

Converse com um corretor de confiança

Antes de receber qualquer proposta de contratação, converse com um corretor de sua confiança para tirar com ele todas as dúvidas que você tiver sobre as condições do imóvel e do seguro que pretende adquirir para ele.

Fique atento às cláusulas do contrato

Existem vários tipos de seguro. Você deve escolher aquele que mais se adequar à sua realidade, consciente de que cada acréscimo na cobertura encarece o acordo. Leia a apólice quantas vezes for necessário para compreender todas as condições impostas. Quanto mais atenção aos detalhes você tiver, mais facilidade vai ter em provar um possível abuso da seguradora se precisar reivindicar o prêmio e não conseguir.

Saiba exatamente o que o seguro não cobre

Há uma série de situações que, normalmente, os seguros não cobrem. São os “riscos excluídos”. As ocorrências mais comuns, segundo especialistas, são erupção vulcânica, inundação ou outra convulsão da natureza, comoção civil, rebelião, roubo ou furto, etc.

Garanta a segurança da estrutura do imóvel

Apólices também vêm com cláusulas específicas para cumprimento dos segurados. Garantir a segurança da estrutura do imóvel, por exemplo, é uma das obrigações mais comumente impostas. Em casos de seguros condominiais, ter a assessoria de um engenheiro de confiança é fundamental para verificar com frequência a estrutura do prédio e minimizar os riscos.

Fontes: Thiago Fujita, presidente da comissão de Defesa dos Direitos dos Consumidores da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) |  Rafaela Ferraro, advogada especializada em direito imobiliário e integrante da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-CE.