Acidentes aquáticos: responsabilidades e punições conforme a lei

Recentemente, um atleta que nadava no mar da Praia de Iracema foi atropelado por uma lancha e não foi socorrido pelo condutor do veículo aquático. Como a lei pune quem provoca lesões a banhistas em território marítimo?

Legenda: Acidentes com banhistas em alto mar em que haja lesão corporal leve ou grave e em que haja omissão de socorro podem ser penalizados com sanções previstas no Código Penal.
Foto: Daniel Aragão

Um atleta de triathlon foi atropelado por uma lancha no último sábado (19), na Praia de Iracema. Ao Diário do Nordeste, ele afirmou que chegou a ser visto por uma pessoa que estava na embarcação, pediu ajuda, mas não foi socorrido. Como consequência do atropelamento, foram rompidos ligamento e tendão e ele teve de colocar quatro pinos no pé.

A Capitania dos Portos do Ceará abriu inquérito para apurar causas, circunstâncias e responsabilidades do acidente. O atleta quer que “achem o culpado” para que “ele seja responsabilizado não pelo atropelamento, e, sim, pela omissão do socorro”. Mas, que tipos de penalidades são previstas pela legislação marítima em casos como esse? Um atropelamento no mar, somado à omissão de socorro, pode ser considerado dolo?

A lei número 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que trata da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, diz que compete ao comandante de uma embarcação comunicar à autoridade marítima “acidentes e fatos da navegação ocorridos com sua embarcação”. O texto ressalta que os acidentes devem ser investigados por meio de inquérito administrativo instaurado pela autoridade marítima para julgamento no Tribunal Marítimo, e que sanções devem ser aplicadas somente após a decisão da Corte.

A Marinha do Brasil reforça que esse tipo de procedimento “possui viés administrativo, não tendo relação com as instâncias civil e criminal”. E diz que as penalidades se resumem a aplicação de multas, cancelamento da matrícula da embarcação e perda da habilitação.

Aplicação do Código Penal

Por outro lado, de acordo com Andréa Aquino, da comissão de Direito Marítimo Aduaneiro Portuário e Aeroportuário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), em acidentes que provoquem crimes de lesão corporal leve e grave e em que haja omissão de socorro ou até morte, “temos as previsões do nosso Código Penal cujas penalidades também podem ser aplicadas em desfavor do infrator, por meio da autoridade policial competente”.

A jurista pontua que infrações praticadas contra banhistas são cometidas, geralmente, por amadores em embarcações de esporte ou recreio. “A primeira obrigação é, quando verificado um acidente de navegação, ocorrer a imediata comunicação à Capitania dos Portos, delegacia e autoridade policial mais próxima, que providenciarão o inquérito administrativo com o objetivo de apurar as causas”, orienta. Logo, de acordo com ela, em situações em que houver lesões corporais e omissão de socorro, cabe à polícia fazer valer o Código Penal

“Existe toda uma norma extremamente protetiva, tanto por parte da Marinha, de caráter preventivo, na esfera administrativa, quanto um trabalho ostensivo por parte da autoridade policial que, na esfera penal, pode impor sanções mais severas”, assegura Andréa Aquino.

O artigo 17 da lei nº 2.180/54 detalha que, na apuração da responsabilidade por fatos e acidentes de navegação, cabe ainda ao Tribunal Marítimo investigar “se o capitão, o prático, o oficial de quarto, outros membros da tripulação ou quaisquer outras pessoas foram os causadores por dolo ou culpa”, “se deixou de ser cumprida a obrigação de prestar assistência e se o acidente teria sido evitado com a assistência solicitada em tempo, mas não prestada”.

O que a lei diz sobre acidentes com veículos aquáticos?

Habilitação

Para conduzir uma lancha, o condutor precisa ter Carteira de Habilitação do Amador (CHA) em alguma das seguintes categorias: Arrais, Veleiro, Mestre ou Capitão-Amador. Já para quem deseja conduzir moto aquática, como um jet-ski, deve tirar a CHA na modalidade Motonauta. O exame é feito pela Capitania dos Portos e é constituído de uma prova escrita. É necessário ter mais de 18 anos para prestar o exame.

O condutor pode ter a carteira apreendida ou suspensa, de acordo com a Marinha do Brasil, caso entregue a condução à pessoa não habilitada; conduza em estado de embriaguez alcoólica ou sob efeito de substância tóxica; utilize a embarcação de esporte ou lazer para atividades comerciais e utilize a embarcação para a prática de crimes. Caso haja reincidência, a pessoa pode perder o documento.

Investigação de acidentes

De acordo com o artigo 17 da lei nº 2.180/54, cabe ao Tribunal Marítimo investigar, quando se trata de um acidente, se o capitão ou qualquer outro membro da tripulação foram causadores por dolo ou culpa. Também será investigado se “deixou de ser cumprida a obrigação de prestar assistência”.

Penalidades

A lei diz que os infratores podem ser punidos com multas, apreensão ou suspensão da carteira de amador. As penas podem ser aplicadas cumulativamente. Podem ser agravantes a falta de socorro, a morte da vítima, a reincidência, a embriaguez no momento da infração, a influência do acidente no meio ambiente marinho, entre outras questões detalhadas no artigo 135.

A multa pode variar conforme a situação econômica do infrator. O Tribunal pode decidir por cobrar multa com até o dobro do valor previsto. Ela deve ser paga no período de dez dias após a ciência da guia de sentença. O prazo, no entanto, pode ser estendido.

Quem determina onde é possível trafegar no mar?

De acordo com a Marinha do Brasil, o Título de Inscrição da Embarcação, emitido após vistoria realizada pelas capitanias, delegacias ou agências, é o que determinará, pelo porte da embarcação, a distância até onde ela poderá navegar, partindo sempre dos 200 metros da linha base de arrebentação das praias.

Como denunciar um acidente no mar? 

Qualquer pessoa que tomar conhecimento de acidentes no mar pode comunicar à Capitania dos Portos ou a uma das agências da isntituição em Aracati e Camocim. Os canais para Emergências Marítimas e Fluviais são o número 185 ou o (85) 3133-5100.