Um grupo de sete pessoas foi condenado pela Justiça do Ceará no último dia 5 de fevereiro a mais de 87 anos de prisão por organização criminosa armada, tráfico de drogas e associação para o tráfico. Eles foram investigados no âmbito da Operação Gênesis, do Ministério Público do Ceará (MPCE), que revelou um esquema formado por traficantes e policiais militares unidos para praticar delitos de diversas naturezas.
Um dos condenados é Thiago Silva do Nascimento, que atende pelas alcunhas de "Bote" ou "Bobote", e exerceria função de liderança dentro da facção criminosa de origem cearense investigada, e foi sentenciado a mais de 11 anos de reclusão.
Segundo a denúncia, o homem tinha como uma de suas funções, ainda, ser "mentor" de um adolescente à época dos fatos, que atuava na organização criminosa como traficante e também praticava homicídios. Em uma das ligações interceptadas, Thiago disse que mandou o jovem "tacar bala" em policiais do Raio, em alusão a PMs do Comando de Policiamento de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio).
Os áudios interceptados, segundo a peça de denúncia, confirmam envolvimento dele em crimes como tráfico de drogas, homicídios, tentativas de homicídios, lesões corporais, ameaças, associação para o tráfico, dano, compra, posse e porte irregular de arma de fogo e organização criminosa.
No total, 13 pessoas foram denunciadas, mas somente oito foram julgadas juntos, pois quatro tiveram seus processos desmembrados e serão julgados separadamente, e um teve seu processo suspenso.
Veja as sentenças:
- Thiago Silva do Nascimento (vulgo "Bote" ou "Bobote"): 11 anos e 01 mês de reclusão, além de 354 dias-multa
- Jonath de Oliveira: 21 anos, 05 meses e 07 dias de reclusão, além de 1841 dias-multa
- José Willame Moura de Sousa (vulgo "Willa" ou "Loucura"): 21 anos, 05 meses e 07 dias de reclusão, além de 1841 dia-multa
- Leonardo Dantas Cordeiro (vulgo "Véi"): 08 anos e 03 meses de reclusão e 277 dias-multa
- Raimundo Viudemar de Souza (vulgo "Vildé"): 10 anos, 01 mês e 15 dias de reclusão, além de 1387 dias-multa
- Marcos Vinícius Meneses da Silva: 08 anos e 03 meses de reclusão e 277 dias-multa
- Alex Souza da Silva (vulgo "Pit"): 08 anos e 03 meses de reclusão e 277 dias-multa
- Wesley Moura Tavares (vulgo "Wesley Grande"): absolvido
Atividades criminosas interceptadas
A investigação do Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) do MPCE se utilizou de interceptações telefônicas entre meados de 2016 e setembro de 2017 para desvendar as condutas criminosas, e constatou que os agora condenados são membros ativos de uma facção de origem cearense.
Nas ligações, foram constatadas diversas atividades ilícitas, principalmente sobre o controle do tráfico de drogas nos bairros Conjunto Palmeiras e Jangurussu.
Segundo o Gaeco, os 13 investigados são ligados diretamente ao traficante Marcos Aurélio Mendonça de Freitas, o "Marquinho Caveira" ou "Vama", outra liderança da organização criminosa, e já denunciado por organização criminosa e tráfico de drogas.
Marcos foi preso em 2017 em uma ação encabeçada pela Coordenadoria de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e pelo Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Ele foi capturado em uma casa no bairro Jangurussu junto a outras três pessoas, após uma denúncia de que armas de grosso calibre eram mantidas no local.
Um dos condenados, Jonath de Oliveira, que pegou mais de 21 anos de prisão, inclusive é apontado como um dos "homens de confiança" de Marcos, e responsável por comercializar ilícitos, e adquirir armas de fogo para "fortalecer o poder bélico da facção criminosa".
Outro com sentença superior a 21 anos é José Willame Moura de Sousa, apontado como traficante e também acusado de praticar assassinatos a mando de líderes da organização criminosa.
Defesas
As sentenças foram dadas pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza. Dos sete condenados, apenas Leonardo não estava preso preventivamente e vai poder recorrer em liberdade. Os outros seis devem permanecer encarcerados, visto que, para o Poder Judiciário, a libertação deles traria "concretos prejuízos à garantia da ordem pública", já que integram uma "facção criminosa de alta periculosidade".
A defesa de Leonardo disse que vai recorrer à sentença e alega que foi uma decisão "injusta", pois o homem era "trabalhador" e foi vítima de um ambiente controlado por faccionados, e destaca ainda que ele se apresentou à Justiça "espontaneamente".
O advogado Fernando Antonio Vidal, que representa Thiago Silva do Nascimento, informou que na época das ligações interceptadas seu cliente estava preso e não teria como estar envolvido nas ações criminosas. Ele teria sido encarcerado em 2017, conforme a defesa.
"Como monitoravam as ligações dele se ele estava no presídio e estava sob custódia do Estado? Quer dizer que ele se encontrava com o celular e não foram atrás de tomar o aparelho", questiona.
Fernando também representa Alex Souza da Silva, sentenciado a oito anos de reclusão pelo crime de organização criminosa armada, e alega que ele é inocente e não integra a facção. O advogado aponta que Alex era trabalhador de carteira assinada e morava em uma área onde o grupo criminoso atuava: "Ele não participava da facção. Muitas vezes eles obrigam essas pessoas [moradores] a repassar informações. No dia que ele foi preso, inclusive, estava saindo para o trabalho".
Vidal informou que já apresentou apelação contra a condenação dos dois clientes e aguarda decisão em segunda instância.
A defesa de José Willame Moura de Souza, condenado a mais de 21 anos de prisão por organização criminosa armada, tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico, sustenta que houve "uma dose de exagero na condenação". O advogado Francisco de Assis Alves de Souza informou que já entrou com um recurso de apelação e aguarda posicionamento de instância superior.
O advogado de Jonath de Oliveira Souza informou que ele preferiu não se posicionar. Já a defesa de Raimundo Viudemar disse que vai recorrer do sentenciamento pedindo a absolvição "alegando tanto questões técnicas, sobre o tipo de provas ultizadas (interceptações telefônicas), quanto sobre o próprio mérito das provas apresentadas, de forma a demonstrar que as falas imputadas ao acusado não possuem qualquer caráter criminoso. De forma subsidiária, ainda será demonstrado o desacerto da dosimetria, isto é, da quantidade da pena aplicada".
Sobre Marcos Vinícius Meneses da Silva, quem o representa é um defensor público. A reportagem solicitou um posicionamento à Defensoria Pública do Estado do Ceará e aguarda resposta.
Operação Gênesis
A Operação Gênesis teve início no final do ano de 2016, e da lá para cá já teve um total de dez fases, com o intuito de "desvendar as ações delituosas de grupos ligados a organizações criminosas, responsáveis pelo tráfico de drogas e armas, assaltos e homicídios na capital cearense e Região Metropolitana de Fortaleza".
Durante as investigações, foi descoberto o envolvimento de policiais militares no esquema criminoso. Junto a traficantes, ele se "estruturaram de forma organizada para realizar vários crimes". As dez fases da força-tarefa resultaram na denúncia de 63 policiais militares e de mais de 100 traficantes.
A organização criminosa era integrada, em sua maioria, por agentes e ex-agentes de segurança pública do Estado, além de pequenos e médios traficantes locais. Juntos, eles praticaram uma série de infrações penais, notadamente os crimes de extorsão, organização criminosa, comércio ilegal de arma de fogo e outras condutas correlatas.
O Diário do Nordeste publicou, em 2022, a série de reportagens "Maçãs podres: Quadrilhas formadas por policiais viram alvos das autoridades", na qual destacou a Operação Gênesis e o trabalho realizado pelo Gaeco no combate a organizações criminosas compostas por agentes de segurança.
Relembre as fases da Operação:
- Primeira fase (setembro de 2020): foram cumpridos 17 mandados de prisão e de busca e apreensão em Fortaleza e em Maracanaú. Do total de alvos, nove eram policiais militares da ativa, três eram policiais civis da ativa e cinco eram civis (sendo quatro homens suspeitos de atuarem como traficantes e um policial civil aposentado, apontado como o líder da organização criminosa). Leia mais.
- Segunda fase (outubro de 2020): foram cumpridos 16 mandados de prisão e de busca e apreensão em Fortaleza e em Caucaia. Entre os alvos estavam três policiais militares e três policiais civis da ativa, nove suspeitos de tráfico de drogas e um ex-policial militar. Leia mais.
- Terceira fase (maio de 2021): foram cumpridos 26 mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão, sendo 21 contra integrantes de organizações criminosas (oito já recolhidos ao sistema penitenciário estadual) e cinco contra policiais militares do Ceará em Fortaleza e em Caucaia. Leia mais.
- Quarta fase (julho de 2021): foram cumpridos 12 mandados de prisão preventiva e busca e apreensão, dentre eles sete mandados de condução coercitiva contra policiais militares e um mandado de prisão contra um militar apontado como líder do grupo, além de medidas cautelares restritivas em desfavor de todos dos suspeitos. Leia mais.
- Quinta fase (setembro de 2021): foram cumpridos 5 mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas em Fortaleza e Pacatuba. Ainda houve o cumprimento de mandados em três unidades prisionais do Estado. Na ocasião, foi desarticulada uma organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas ilícitas, receptação e desmanche de veículos roubados. Leia mais.
- Sexta fase (fevereiro de 2022): foram cumpridos 6 mandados de prisão preventiva e 9 mandados de busca e apreensão, todos na cidade de Fortaleza, havendo ainda o cumprimento dos mandados em duas unidades prisionais do Estado do Ceará. Nessa fase da operação foi desarticulada uma organização criminosa conhecida nacionalmente, com atuação preponderante no bairro Jangurussu, na capital, e que se dedicava ao tráfico ilícito de drogas. Leia mais.
- Sétima fase (abril de 2022): foram cumpridos 11 mandados de prisão preventiva e 12 mandados de busca e apreensão na Capital, na Região Metropolitana de Fortaleza e no interior do Estado. Na ocasião, foi desarticulado um núcleo que integrava uma facção criminosa com envolvimento em tráfico de drogas ilícitas, comercialização ilegal de arma de fogo, dentre outros crimes, com atuação preponderante na região dos bairros Serrinha e Itaoca, em Fortaleza.
- Oitava fase (julho de 2022): 6 mandados de prisão preventiva foram cumpridos, sendo 3 contra policiais militares e 3 contra traficantes que atuavam como "informantes" da organização criminosa. Outros 3 PMs são investigados por integrar a quadrilha, mas a Justiça Estadual negou os mandados de prisão contra eles. Leia mais.
- Nona e décima fases (fevereiro de 2023): Cinco policiais foram presos e 24 mandados de busca e apreensão foram cumpridos pelo Gaeco. O esquema criminoso alvo desta vez era formado por PMs e traficantes, e, segundo a denúncia, agentes de segurança chegaram a utilizar quartel para negociar drogas e tentavam interferir em prisões em delegacias e fórum. Leia mais.