Maior partido do Ceará durante duas décadas, o PSDB perdeu força eleitoral no Estado e, agora, quer promover uma "renovação" para as eleições municipais de 2024, afastando a legenda tucana dos "vícios da política atual", conforme dito pelo ex-senador Tasso Jereissati (PSDB), principal liderança tucana no Ceará, na celebração dos 35 anos do partido, em junho.
Agora sob o comando do vice-prefeito de Fortaleza, Élcio Batista (PSDB), o partido tenta se recuperar de momento conturbado nas eleições de 2022, quando as divergências internas sobre quem apoiar na corrida pelo Palácio da Abolição acabaram gerando um embate judicial, inviabilizando a candidatura tucana ao Senado.
Após a derrota de Roberto Cláudio (PDT), candidato apoiado pela federação formada por PSDB e Cidadania, a sigla tucana se mantém como uma das poucas desta aliança a não embarcar no Governo Elmano de Freitas (PT) — PSB e PSD, por exemplo, presentes na coligação ano passado, passaram a integrar a base aliada à gestão estadual em 2023.
A distância do governismo é um dos elementos dificultadores da volta de crescimento do PSDB, aponta a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres, já que a força da máquina pública é sempre um fator de atração para lideranças políticas.
E o PSDB conhece bem o efeito deste atrativo. A sigla, criada em 1988 a nível nacional, nasceu grande no Ceará. Trazido para o Estado pela deputada federal constituinte Moema São Tiago e o empresário Amarílio Macêdo, virou o partido do então governador Tasso Jereissati já em 1990. No mesmo ano, elegeu, no Ceará, seu primeiro governador, o então prefeito de Fortaleza, Ciro Gomes, apadrinhado por Tasso.
Nesta reportagem da série “Influências Partidárias”, o Diário do Nordeste conta a história do PSDB, legenda que já foi a maior do Ceará e que, para 2024, busca renovar os quadros e ampliar a participação no cenário político do Estado.
O PontoPoder também entrevista o presidente estadual da sigla tucana e vice-prefeito de Fortaleza, Élcio Batista, a partir das 17 horas, no Youtube do Diário do Nordeste. O projeto "Influências Partidárias" busca, a pouco mais de um ano das eleições municipais de 2024, esmiuçar como os partidos cearenses estão se preparando para o processo eleitoral.
O partido do governador
Formado a partir de parlamentares dissidentes do então PMDB (hoje MDB), o PSDB é criado em 1988 e ganha, já na primeira eleição da qual participa a nível nacional, grande protagonismo ao eleger, em 1989, a terceira maior bancada do Congresso Nacional, com oito senadores e 37 deputados federais.
No Ceará, a sigla acabou abrigando empresários do Centro Industrial do Ceará (CIC). A entidade já vinha ganhando holofotes desde que apoiou a candidatura de Gonzaga Mota ao Governo do Ceará, em 1982.
Em 1986, o CIC também articulou a campanha vitoriosa de Tasso Jereissati — que havia presidido a organização anos antes — para governador do Ceará. Na época, ele ainda estava no PMDB, mas construía um grupo independente nesta legenda, com um discurso de "modernização do Estado que não se afinava com as práticas políticas tradicionais características das lideranças do PMDB".
A citação é da tese do pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Uece, Raulino Pessoa, intitulada "Articulação entre as instâncias partidárias: o caso do PMDB, PT e PSDB do Ceará nas eleições de 2012 e 2014". No texto, ele descreve o histórico do PSDB no Ceará.
Com a criação em 1988, o partido chega ao Estado sob comando da então deputada federal Moema São Tiago, que saiu do PDT para integrar a sigla tucana. Ela propõe a aproximação do PSDB com o Governo Tasso, em uma tentativa de angariar o apoio do governador cearense à candidatura do então senador Mário Covas para a presidência da República, em 1989.
Em janeiro de 1990, último ano de seu primeiro mandato como governador do Ceará, Tasso Jereissati assina a ficha de filiação ao PSDB. Com ele, se filiam ao partido o então prefeito de Fortaleza, Ciro Gomes, prefeitos da Região Metropolitana e 15 deputados estaduais — passando a ser a maior bancada no legislativo estadual.
Naquele ano, foram realizados ainda 18 encontros do PSDB em todo o estado para a filiação de prefeitos cearenses ao partido, conforme reportagem do Diário do Nordeste no dia 16 de janeiro de 1990.
PSDB diferente no Ceará
Na tese, Raulino Pessoa indica que, nacionalmente, o PSDB nasce com três características centrais: estrutura organizacional descentralizada, a falta de vinculação a instituições externas e a não emergência de líder carismático "que estabelecesse as metas ideológicas do partido".
No Ceará, no entanto, a construção do partido ocorre de forma completamente distinta.
"Comparando o modelo originário do PSDB, percebemos que dentre os partidos analisados, essa agremiação no Ceará foi a que menos seguiu a tendência nacional de criação da sigla. O PSDB cearense surgiu como partido do governo, conquistando a máquina estadual logo após seu nascimento. Assim, teve fácil acesso aos recursos seletivos que a máquina governamental dispõe e ao apoio financeiro oriundo dos grupos de interesse. A força gravitacional exercida pelo partido do governo atraía políticos profissionais que queriam compor a coalizão do governo".
Além disso, o PSDB tinha forte vinculação com o CIC, além de estar intrinsecamente ligado — algo que se manteve nas décadas seguintes — à figura de Tasso Jereissati, "que fez do partido uma extensão de si mesmo".
"Quando se fala do Ceará, a despeito do partido, as figuras políticas têm muita força, conseguem arregimentar muitas lideranças. O PSDB se transformou em um partido forte no Ceará também pela centralidade do Tasso no Estado", explica a professora Monalisa Torres.
Uma força que se transformou em resultado eleitoral. Na primeira eleição que disputa no Ceará, em 1990, o PSDB elege o governador Ciro Gomes, o senador Beni Veras, sete deputados federais e 18 estaduais. Dois anos depois, foram 91 prefeitos tucanos eleitos no Estado.
O momento consolida a "Era Tasso", conforme o pesquisador Raulino Pessoa. "A 'Era Tasso' é confundida com a hegemonia do PSDB no Ceará, pois, a partir do comando de sua principal liderança, esse partido dominou o cenário político estadual", descreve o pesquisador na tese.
Hegemonia esta que apenas se fortaleceria com os dois mandatos seguintes de Tasso Jereissati como governador do Ceará, entre 1995 e 2002. O período coincide com a presidência de Fernando Henrique Cardoso, também do PSDB. Nas eleições de 2002, a força de Tasso consegue não apenas elegê-lo como senador, mas também o sucessor escolhido por ele, Lúcio Alcântara, também ganha a disputa pelo Governo do Ceará.
Divergência no PSDB
Em 2006, o irmão do apadrinhado político de Tasso Jereissati e ex-tucano Ciro Gomes, o então ex-prefeito de Sobral Cid Gomes concorre, pelo PSB, ao Governo do Ceará. Ele tem, ainda que informalmente, o apoio de Tasso na campanha contra o então governador tucano Lúcio Alcântara. O ex-governador, inclusive, deixa o PSDB em 2007, após perder a disputa pela reeleição.
A eleição de 2010 mostra a perda de força do PSDB no Ceará, principalmente após romper com o grupo político liderado pelo então governador Cid Gomes e por Ciro Gomes. Os irmãos apoiam as candidaturas de José Pimentel (PT) e Eunício Oliveira (MDB), deixando Tasso Jereissati sem apoio para a candidatura à reeleição no Senado.
A derrota de sua principal liderança reflete nos resultados do PSDB em outros cargos. Desde a chegada ao Ceará, a bancada tucana eleita em 2010 no Ceará foi a menor, com apenas 2 deputados federais e 7 estaduais eleitos. Dois anos depois, em 2012, apenas 13 prefeitos são eleitos pelo partido.
O encolhimento seguiria nas disputas eleitorais seguintes, se agravando devido ao cenário nacional.
"O esvaziamento do PSDB não acontece só no Ceará. No Ceará, foi mais expressivo, porque é o encerramento de um ciclo, o partido do governador passou a ser outro, mas, quando se olha para o cenário nacional, o PSDB também vai encolhendo", lembra Monalisa Torres.
Este encolhimento, aponta a pesquisadora, é em decorrência da derrota de Aécio Neves (PSDB) em 2014, quando Dilma Rousseff (PT) conquistou a reeleição, e, principalmente, das denúncias de corrupção envolvendo figuras centrais do partido a nível nacional, inclusive o próprio Aécio.
"O partido internamente se fragilizou e isso é um processo difícil de desfazer. (...) O PSDB vai encolhendo, perdendo quadros qualificados, perdendo recursos", pondera Torres. E este processo acaba por fazer, completa a professora, com que seja mais difícil atrair novos quadros.
Ida para a Oposição
Na oposição desde o rompimento com os irmãos Ferreira Gomes, em 2010, o PSDB apoia a candidatura a governador de Eunício Oliveira em 2014 — que acabou derrotado por Camilo Santana (PT). Apesar da derrota na disputa pelo governo estadual, Tasso Jereissati conseguiu voltar ao Senado Federal neste ano. Em Fortaleza, o PSDB também apoiou a candidatura oposicionista de Capitão Wagner em 2016, contra o então prefeito Roberto Cláudio.
Em 2018, o PSDB lançou General Theophilo, que tinha como cabos eleitorais tanto Tasso como o então deputado estadual Capitão Wagner — que concorria à Câmara dos Deputados. Contudo, Camilo foi reeleito ainda no 1º turno com quase 80% dos votos.
Três anos depois, no entanto, Tasso inicia uma reaproximação com Ciro Gomes, após quase uma década de afastamento. Com trocas de elogios, ambos convergiram, na época, nas críticas feitas ao então presidente Jair Bolsonaro.
A reaproximação com Ciro Gomes acaba se revertendo em aliança eleitoral para 2020, quando o PSDB decide apoiar a candidatura de José Sarto (PSDB) à Prefeitura de Fortaleza.
O partido, no entanto, chega dividido na disputa, já que parlamentares tucanos prosseguiram apoiando a candidatura de Capitão Wagner. O grupo político liderado por Roberto Pessoa, na época no PSDB, manteve apoio ai candidato opositor. Em dois anos, este grupo deixaria o PSDB e embarcaria no recém-criado União Brasil.
Em 2022, a proximidade política e eleitoral entre Tasso e Ciro convergiu para aliança em torno do nome de Roberto Cláudio como candidato ao Governo do Ceará.
Contudo, o rompimento entre PDT e PT a nível estadual acabou tendo repercussões no PSDB, no qual o então presidente estadual do partido, Chiquinho Feitosa (hoje no Republicanos), enfrentou o ex-senador e comandou convenção partidária na qual ficou definida a neutralidade do PSDB na disputa pelo Palácio da Abolição.
A manobra foi chamada de "truque jurídico de infiltrados no PSDB" por Tasso, na época. O impasse acabou envolvendo a Executiva Nacional do PSDB, que interveio e devolveu o comando ao ex-senador, e gerou um embate judicial que inviabilizou a candidatura tucana de Amarílio Macêdo ao Senado Federal.
Momento de renovação
Apesar do encolhimento da última década, Monalisa Torres aponta que partidos com a história do PSDB, que já comandaram não apenas o Ceará como também o País, costumam possuir força para um ressurgimento.
"O movimento agora é esse, de dar sobrevida e cara nova (ao partido) para que possa se renovar, se reconstruir internamente, mas também a nível de eleições", ressalta.
A fala da pesquisadora converge com os caminhos apontados tanto por Tasso Jereissati, que continua a ser a principal liderança do partido no Ceará, como pelo presidente estadual do partido, Élcio Batista, que assumiu o comando em fevereiro deste ano.
"Considero que o PSDB precisa virar a chave, passar por um novo momento. Precisa se renovar e a gente faz isso com novas lideranças como o Élcio. Ele vai liderar esse processo no Ceará", disse o ex-senador ao anunciar o novo comando do PSDB no Ceará.
Em evento de comemoração pelos 35 anos do PSDB, em junho, Élcio também falou sobre como pretende guiar a sigla.
"Essa história, esse legado, o que me inspira são essas pessoas. É tudo que foi feito ao longo desse tempo que inspira e que vai continuar me inspirando para que eu possa continuar esse legado e, claro, levar à frente com o apoio dessas pessoas", disse.