Como está a CPI das Associações de PMs na AL-CE três meses após o início das investigações

Comissão soma dezenas de pedidos de informação, mas ainda nenhum depoimento

Um ano e oito meses após o fim do motim de policiais militares do Ceará, as investigações sobre a atuação dos agentes chegam agora ao terceiro mês na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Nesta semana, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Associações Militares completa 90 dias de trabalho – dos 120 previstos. A um mês de encerrar o prazo inicial das apurações, a presidência do colegiado, no entanto, já adiantou que os trabalhos seguirão até abril do próximo ano. 

Ao longo dos três meses de atividades, os intensos bate-bocas iniciais entre base e oposição deram lugar a sessões-relâmpago, esvaziadas e com uma série de pedidos de informação a órgãos públicos e associações militares.

Integrantes da mesa diretora, no entanto, rechaçam a ideia de enfraquecimento da comissão e garantem que a situação se deve a um trabalho “cuidadoso e responsável", que conduzirá a depoimentos mais objetivos no fim deste ano. 

Até agora, os nove membros titulares do colegiado já aprovaram 32 requerimentos de informação e receberam 66 ofícios com respostas às demandas encaminhadas a órgãos públicos e associações militares. Apenas uma pessoa foi ouvida ao longo dos três meses: o promotor de Justiça Militar Sebastião Brasilino de Freitas Filho, que, convidado pelos parlamentares, esclareceu dúvidas sobre a legislação militar. Nenhum depoimento foi marcado.

Três meses de trabalho

“Fizemos oito reuniões ordinárias, uma extraordinária e tivemos também inúmeras reuniões da equipe técnica, que tem procuradores da Assembleia, dois auditores do Estado e um delegado especializado em inteligência. Dos 66 ofícios recebidos, temos um volume imenso e denso de informações. Obviamente, essa equipe está tendo todo o cuidado, porque muitas são informações sigilosas”, ressaltou o presidente da comissão, o deputado estadual Salmito Filho (PDT).

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Além do pedetista, completam a mesa diretora da CPI os deputados estaduais Queiroz Filho (PDT), como vice-presidente, e Elmano de Freitas (PT), relator. Ao final das investigações, caberá ao petista elaborar um parecer reunindo provas que indiquem ou neguem a relação das associações de militares com o motim. O parecer será votado pela comissão e encaminhado a órgão competentes.

“Temos feito um trabalho muito responsável para não expor ninguém e não colocar nenhum tipo de questionamento sem ter provas efetivas. Estamos fazendo um trabalho técnico de análise dos documentos, alguns estão demorando a chegar, mas também serão analisados na hora adequada”, declarou o relator. 

Ainda segundo Elmano, o montante de informações justifica também a necessidade de se fazer um trabalho minucioso. 

“São muitos documentos, só da Controladoria Geral de Disciplina (CGD) são mais de 300 processos. A própria Vara da Justiça Militar pediu que definíssemos melhor, porque são muitos processos, então temos que cruzar processos administrativos, judiciais, contas bancárias, extrato de cartão e por aí vai. Temos um conjunto de informações e só queremos acusar quando tivermos provas”, ponderou.

Reação ao motim

Protocolado no dia 19 de fevereiro do ano passado, o pedido de abertura da CPI das Associações Militares surgiu como uma reação da base governista no Legislativo Estadual ao motim da Polícia Militar. À época, o Governo do Estado e agentes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros viviam o auge do tensionamento na mesa de negociação por melhores salários para a categoria.

Exemplo disso foi que, horas após o deputado Romeu Aldigueri (PDT) anunciar a proposta da CPI, o senador Cid Gomes (PDT) foi baleado diante de militares amotinados ao tentar romper uma barreira dos manifestantes em um quartel da PM em Sobral.

A paralisação dos agentes só chegou ao fim em 1º de março do ano passado, mas o pedido da comissão se manteve nas mãos da Presidência da Assembleia Legislativa desde então.

A proposta só voltou ao centro dos debates na Casa em agosto deste ano, quando o presidente da AL-CE, Evandro Leitão (PDT), instalou o colegiado em 12 de agosto. A primeira reunião do grupo de parlamentares só ocorreu quase 20 dias depois, em 31 de agosto. 

“Nosso objetivo é investigar e esclarecer se houve ou não envolvimento das associações militares no crime de motim. Por que isso é tão grave? Além de ser crime, motins colocam a sociedade refém de quem deveria garantir sua proteção”, argumenta Salmito Filho. 

Associações e motim

A suspeita de envolvimento das associações militares nos motins não é recente, mas vem sendo alvo de um cerco do Judiciário, do Legislativo e do Executivo desde a última paralisação da PM. Em 17 de fevereiro do ano passado, a Justiça do Ceará proibiu que as entidades adotassem qualquer tipo de mobilização visando “melhorias salariais, estrutura de trabalho e conquistas para a carreira militar”.

Na esteira dessa decisão, o governador Camilo Santana (PT) assinou um decreto bloqueando o repasse da verba descontada na folha de pagamento de policiais e bombeiros militares às associações. 

À época, dados obtidos pelo Sistema Verdes Mares junto à Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), via Lei de Acesso à Informação, mostraram que, em seis anos, 12 associações ligadas aos agentes de Segurança Pública arrecadaram R$ 126,8 milhões.

Mais de um ano depois, a instalação da CPI das associações militares tomou como alvo seis instituições, que concentram o maior número de agentes. 

São elas: Associação dos Oficiais da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (ASSOF), Associação dos Subtenentes e Sargentos PM/BM do Estado do Ceará (ABSS), Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (ASPRAMECE), Associação das Praças do Estado do Ceará (ASPRA-CE), Associação dos Profissionais de Segurança (APS) e Associação das Praças da Região do Cariri (ASPRAC).

Desde seu anúncio, ainda em fevereiro de 2020, a investigação dessas instituições é acusada de ter interesses políticos, já que líderanças de oposição no Ceará surgiram das forças da Segurança Pública.

Na Câmara Municipal de Fortaleza, por exemplo, atuam Sargento Reginauro (Pros), Inspetor Alberto (Pros) e Julierme Sena (Pros). Na Assembleia Legislativa, Soldado Noélio (Pros), Delegado Cavalcante (PTB) e Tony Brito (Pros). Já na Câmara dos Deputados, o principal nome desse grupo político, o deputado federal Capitão Wagner (Pros), emergiu politicamente após paralisação da PM em 2012. 

Uso político

Para Salmito Filho, as acusações de uso político das investigações são infundadas. Segundo ele, os três meses de trabalho dos parlamentares no colegiado provam a responsabilidade da comissão.

“O trabalho, o clima, a forma, o método das deliberações que tomamos até aqui deixam claro que não há conotação político-partidária nesta CPI. Nossa preocupação é investigar e tirar a limpo se houve ou não ligação, direta ou indireta, de associações de PMs e Bombeiros no crime de motim”, ressaltou.

“Estamos tendo o cuidado técnico de assenhorar as informações, de não fazer precipitações e de não demarcações político-partidárias. Somos muitas vezes cobrados sobre o motivo de não estar tendo um debate maior ou por não ter tido depoente ainda. Só tem sentido chamar depoente se os parlamentares estiverem assenhorados de informações para perguntar aos depoentes”, acrescentou Salmito.

Segundo ele, outro indício de que não há interesses políticos em jogo na CPI é a própria demora em instalá-la. “A CPI poderia ter começado em 2020, no segundo semestre, bem no período eleitoral, inclusive porque a disputa em Fortaleza envolvia uma liderança política que nasce do movimento militar, mas não fizemos isso por zelo e cuidado, deixamos para 2021 por não ser ano eleitoral”, justificou o deputado. 

De acordo com o pedetista, a ideia era de que o colegiado tivesse sido implantado ainda no primeiro semestre, mas, devido à pandemia da Covid-19, acabou ficando para o segundo semestre deste ano. “Vamos entrar nos primeiros meses de 2022, mas distante do período eleitoral”, disse.

Futuro da CPI

A expectativa do presidente é de que ainda neste ano ocorram os primeiros depoimentos. “Vamos utilizar a prerrogativa de renovar (o prazo). Nessa primeira etapa, seguimos o rigor da lei, que garante a solicitação de informações. Já recebemos alguns ofícios com informações, a partir do requerimento que aprovamos, agora as associações pediram renovação dos prazos”, disse o presidente do colegiado.

“Quem pediu para alargar os prazos não foram os deputados nem a CPI, mas sim as próprias associações que são alvos das investigações. Atendemos a esse pedido de alargamento de prazo naquilo que é razoável para que eles possam contribuir com as informações solicitadas”, continuou Salmito.

Ainda segundo ele, apesar da prorrogação do prazo, os deputados irão seguir nos trabalhos também durante o recesso da Casa. “Entraremos em 2022 trabalhando em janeiro, durante o recesso, mas não entraremos no período eleitoral”, disse.

O deputado Soldado Noelio (Pros), nome da oposição na CPI, foi procurado ao longo da última semana para comentar o andamento da CPI. Ele, no entanto, não respondeu à reportagem. Na última reunião do colegiado, o parlamentar também não compareceu.