Ao anunciar o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) citou que o companheiro de chapa "todo santo dia" pedia por "trabalho". "Ele falava 'presidente, me dê trabalho'. E eu fiquei pensando: 'se eu não der trabalho para esse cara, ele vai me dar dor de cabeça'", brincou.
A brincadeira, no entanto, tem um fundo de verdade: a Constituição Federal não cita nenhuma função ao vice-presidente, a não ser em caso de vacância do cargo de presidente. Primeiro na linha de sucessão, é o vice que substitui o chefe do Executivo em casos de vacância (por doença ou para viagens, por exemplo) ou de impedimento.
Nenhuma outra atribuição, no entanto, é definida para o posto, pelo menos constitucionalmente. A falta de definição se repete em outras esferas do Poder, como no Governo do Estado. A forma de atuação é definida, então, pelo chefe do Executivo – seja ele estadual ou federal.
E para o governo que inicia, tanto no Ceará como no País, caberá ao vice-presidente Geraldo Alckmin e à vice-governadora Jade Romero (MDB) o comando de pastas específicas dentro da estrutura do Estado – Romero será a titular da Secretaria das Mulheres.
O protagonismo indicado pelas nomeações reflete também o "anseio da sociedade de conhecer mais os vices", afirma Jade Romero. Para a vice-governadora, como "servidor público" é apenas "justo" que o vice tenha "atribuições e tenha que entregar resultados".
O acúmulo de dois cargos – como vice e como titular de pasta na gestão – traz indicativos importantes sobre a relevância dessas figuras dentro do governo, seja federal ou estadual, apontam cientistas políticas.
Uma relevância construída desde a campanha eleitoral e que pode ter, inclusive, ganhos eleitorais futuros – seja para a sucessão no Executivo ou para candidaturas para outros cargos.
Vice ganha protagonismo na gestão
Jade Romero destaca a importância de quando "o governador, o presidente delegam, confiam ao seu vice uma determinada função, uma determinada política". O movimento indica, inclusive, uma "sinalização do que é prioridade dentro daquele governo", completa a vice-governadora.
"O (governador) Elmano (de Freitas), quando me convidou para ser secretária das Mulheres, quis confiar à vice-governadora uma política que ele considera, que nós consideramos muito importante. Isso dá muito peso para aquela política"
Cientistas políticas ouvidas pelo Diário do Nordeste relacionam ainda este aumento do protagonismo a quem está ocupando esta cadeira.
Ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin era filiado ao PSDB, adversário político histórico do PT e do presidente Lula. Os dois chegaram mesmo a se enfrentar diretamente na disputa presidencial de 2006. A relação entre os dois, no entanto, mudou para a eleição de 2022.
"O Alckmin veio como essa figura que simbolizaria a união dessa frente ampla, a consolidação, a materialização dessa frente ampla. O Lula como uma referência política no campo da centro-esquerda e o Alckmin como uma referência, uma liderança política à centro-direita", afirma a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres.
No caso do Ceará, Jade Romero foi escolhida em um movimento de "busca incessante por uma mulher para (candidata) a vice", ressalta a cientista política Carla Michele Quaresma. A articulação ocorreu após a ex-governadora Izolda Cela (sem partido) não ser escolhida pelo PDT para concorrer à reeleição.
"O debate sobre as candidaturas femininas ganhou protagonismo nas campanhas eleitorais. E quando o Elmano estabeleceu que teria que ser uma mulher na vice e essa mulher participou ativamente da campanha eleitoral (...) acabou ganhando um protagonismo muito grande".
A "invisibilidade" do cargo de vice
Doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília que estuda a relação entre presidentes e vices na América Latina, Amanda Vitória Lopes ressalta que a nomeação para o primeiro escalão do governo "denota bastante prestígio da pessoa", além de uma "boa relação" entre vice e chefe do Executivo.
"Talvez, seja uma forma de estarem ali juntos, em uma relação que seria de maior lealdade. O presidente e o governador podem manter uma relação de mais lealdade com o vice ou a vice e (também com) o partido que eles fazem parte, caso seja um partido diferente do presidente, do governador", completa a pesquisadora.
O partido é, inclusive, uma parte importante na equação. A nomeação dos vices como titulares de pastas é motivada, portanto, não apenas para "garantir prestígio para essas figuras políticas, mas (também) para o próprio partido que compõe essa aliança", reforça Torres.
"É uma forma de reforçar essas alianças que foram construídas nesse regime de coalizão que é a marca do presidencialismo brasileiro e também obviamente se replica no Executivo estadual e Executivo municipal".
Houve casos, no entanto, que estas composições que tinham como objetivo não apenas a vitória na campanha eleitoral, mas também a garantia da governabilidade acabaram contribuindo para 'estranhamentos' entre o vice e o chefe do Executivo. Foi o caso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e do então vice-presidente, Michel Temer (MDB), quando a indicação dele para o cargo foi articulação do presidente Lula, mas acabou sendo "imposto à Dilma", relembra Lopes.
"Eles não tinham uma boa relação entre si, e, não só por isso, mas por outros fatores, culminou na saída da presidente Dilma Rousseff com ele assumindo e tendo algumas indicações de que ele teve uma participação nessa saída da presidente".
A falta de boa relação acaba sendo um complicador nestes casos, já que as atribuições de função ao vice acabam sendo feitas justamente pelo chefe do Executivo. "Então, no caso do nosso modelo, em que essa figura não tem uma função específica definida constitucionalmente, o que acontece? Em alguns casos, realmente, o vice acaba sendo meio que invisibilizado", ressalta Quaresma.
Ela cita que em alguns casos essa 'invisibilidade' era algo positivo para os vices, como no caso de Marco Maciel, que ocupou o cargo durante o Governo Fernando Henrique Cardoso – articulador do governo com o Legislativo, ele se beneficiava dessa falta de destaque, completa. O que não era o caso de Temer, que chegou a reclamar, em carta, do papel "decorativo" que teve como vice durante a gestão de Dilma Rousseff.
Visibilidade para a disputa eleitoral
Essa "desconfiança" existente na relação entre Dilma e Temer, conforme caracteriza Torres, se repete na relação entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu vice, Hamilton Mourão, embora as razões sejam diferentes.
"Com o Bolsonaro, a desconfiança dele em relação ao Mourão, era de oferecer uma vitrine muito importante para o Mourão e acabar perdendo esse lugar", afirma Torres.
Um cenário que deve ser transformado pela atuação de Alckmin e que deve ser seguido também no Ceará.
"É importante considerar esse esforço que ambos estão fazendo, tanto Elmano quanto o Lula, de reforçar, de alimentar essa aliança com os aliados, (...) e entre esses aliados importantes, o próprio vice", aponta Monalisa Torres.
Essa vitrine a qual terá acesso, por exemplo, o vice-presidente Geraldo Alckmin ao assumir como ministro de Estado pode ter inclusive reflexos para a próxima disputa eleitoral.
"Isso faz com que ele tenha essa possibilidade muito maior de ter visibilidade, de proximidade com os grupos econômicos, as elites econômicas do país, que são importantíssimas nos processos eleitorais. Então a intenção realmente é essa projeção, essa visibilidade tendo em vista a disputa eleitoral", argumenta Quaresma.
Ela cita que Alckmin pode estar em uma posição delicada, já que a área econômica reúne ainda dois possíveis presidenciáveis: Fernando Haddad (PT), ministro da Fazenda, e Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento.
A pesquisadora afirma ainda que este pode ser um caminho natural também para Jade Romero. A vice-governadora do Ceará já havia atuado em funções no Executivo estadual, mas como secretária deve ganhar fôlego, inclusive, para uma candidatura própria.
"Esse destaque faz com que ela tenha uma possibilidade de contato com determinados grupos sociais, que ela pode passar a representar e atuar como cabeça de chapa numa eventual candidatura ou mesmo pras eleições proporcionais. Isso garante a visibilidade, garante a proximidade com grupos importantes do ponto de vista eleitoral e impulsiona possíveis candidaturas futuras", finaliza.