Há exatamente um ano, o respiro profundo do cearense acontecia pelo marco de esperança, em meio ao sufoco do cenário caótico causado pelo coronavírus, com a chegada do primeiro lote de vacinas contra a Covid-19. Foram 218 mil doses, cada uma aplicada sob olhares atentos e aplausos em comemoração.
As memórias do dia 18 de janeiro de 2021 oscilam entre o desgaste físico e mental da rotina intensa de atendimentos. “Não dá nem vontade de lembrar, porque o começo da pandemia foi muito triste”, desabafa Maria Silvana Souza dos Reis, de 52 anos.
Mas as lembranças também guardam, com brilho maior, a participação inesperada na história do combate à pandemia. Naquele dia, a técnica de enfermagem descobriu em meio ao expediente no Hospital Leonardo da Vinci, reaberto pela crescente demanda à época, que iria abrir o processo de imunização no Estado.
“Eu também não esperava que fossem me chamar para tomar a primeira dose da vacina, já estava há muito tempo na linha de frente, e só quem sabe (da dificuldade) é quem estava dentro do hospital”, reflete.
A data que marca um ano de vacinação coincide com aumento da transmissão causada pela variante Ômicron e maior demanda das unidades de saúde também por influenzas.
De imunização no Estado com duas doses ou dose única da vacina, considerando os dados de imunização da Sesa e a estimativa populacional do Ceará de 2021 feita pelo IBGE.
Foram 10 meses de correria entre os leitos apenas com a proteção externa para evitar o contágio pela doença. Além de não ter imunidade, os profissionais da saúde conviviam com receio acentuado de contaminar suas famílias.
Silvana tem conseguido se manter saudável, sem ter se infectado pelo coronavírus, mesmo dependendo do transporte público para chegar ao trabalho. “Eu me cuido muito, porque tenho muito medo de pegar a doença, já tomei as duas doses e o reforço, mas mesmo assim a gente tem que se cuidar”.
Esse cuidado, como as palavras da técnica de enfermagem reforçam, precisa ser coletivo. Vacina e distanciamento. E o contexto atual de aumento no fluxo das unidades de saúde vem como alerta para isso.
Aquele começo da pandemia foi muito cruel e a gente não esperava que ia ter uma nova onda agora, mas o pessoal continua fazendo aglomeração e está aí o resultado. Infelizmente
Desde que Silvana recebeu a primeira dose no braço muita coisa mudou: o imunizante, antes escasso, passou a ser disponibilizado à população em geral e em vários pontos dos municípios cearenses. Ainda assim, parte significativa ainda não recebeu nenhuma dose.
Algumas dessas pessoas são atendidas pela técnica de enfermagem. Dentre elas, um idoso que não havia iniciado o ciclo vacinal é citado por ela. “Chegou consciente, conversamos com ele, uma semana depois foi entubado e veio a óbito”, lamenta.
“Todo mundo tem que ter consciência, mas muita gente não está querendo tomar a vacina porque tem medo. A gente conversa com quem não tomou a vacina, mas só quando a pessoa está no hospital e vê a realidade pensa ‘mais antes eu tivesse tomado a vacina’”, conclui.
Proteção para levar saúde à comunidade
O diálogo para conscientização sobre a vacina também é feito pela agente comunitária de saúde Ana Maria do Nascimento, de 65 anos, a primeira a receber a vacina em Sobral, na região norte do Estado.
“Fico incentivando as pessoas a tomarem a vacina, porque sei que é muito importante. Quem pegou a Covid, tendo tomado a vacina, foi mais fraco do que quem nunca tomou”, frisa.
São quase 30 anos dedicados à levar assistência de saúde e informações para a população do bairro Sumaré. Assim como foi no dia em que recebeu a notícia que seria a primeira sobralense a ser imunizada contra a Covid-19.
Passei o dia trabalhando, à noite estava numa reunião da igreja quando minha gerente me ligou e disse ‘você vai ser a primeira mulher a ser vacinada’. Avisei minha família e imediatamente o carro veio pegar
Desde então o trabalho é realizado com mais segurança e Ana não foi infectada pelo coronavírus. “No outro dia, as pessoas ficaram me perguntando como foi, se eu não fiquei com medo, eu dizia que não e que seria bom para minha saúde”, lembra.
A agente de saúde voltou a percorrer as ruas do Sumaré depois do período mais crítico para distanciamento social. Com o aumento também dos casos de gripe, as visitas são reforçadas.
“A gente fica conversando do lado de fora, principalmente, nessa quadra invernosa. Visitamos entre 5 e 6 casas pela manhã e outras 5 ou 6 à tarde. São poucas pessoas que não tomaram a vacina, graças a Deus”, analisa.
Perguntada sobre a sua experiência na pandemia, Ana resume: “me sinto muito feliz fazendo meu trabalho”.
‘Dose de esperança’
Naquela mesma noite, o médico Gabriel Braga, atuante na unidade de campanha do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) onde eram concentrados pacientes de maior gravidade, fez uma pausa nos atendimentos para receber a primeira dose do imunizante.
“Foi um dia em que a gente tinha muitos pacientes graves, o nosso dia a dia era dentro de UTI, dentro de uma emergência com os pacientes graves, muitos pacientes entubados, muitas perdas. E aquele dia, da primeira vacinação, foi um dia de muita esperança, porque representava a mudança do cenário”, lembra.
O momento mais crítico da pandemia em 2021 foi marcado pela infecção e morte de pacientes jovens, entre 30 e 40 anos, como lembra Gabriel Braga. Diferente da primeira onda, quando os idosos foram mais atingidos pela doença.
“Atualmente a gente vê a população vacinada com uma, duas e até três doses e, com isso, a mudança desse perfil de pacientes. A gente conseguiu passar um bom tempo sem essas ondas, sem novos casos, de quase vivenciar uma vida normal”, observa o médico.
A vacina representa a dose de esperança para vencer a pandemia em 2022, a primeira e segunda onda foram muito graves, a mortalidade está bem menor atualmente, então representa isso
A análise acontece pela atuação na UTI, enfermaria e na função de médico interventor no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Fortaleza. Gabriel também vivenciou o lado dos pacientes, ao ter Covid-19 ainda em 2021, mas com sintomas atenuados pela imunização.
"A Covid é uma doença extremamente inflamatória, mas agora os pacientes estão tendo sintomas bem mais brandos, um quadro gripal mais autolimitado, com menor duração e menos necessidade de internação”, destaca.