O cenário das enchentes no Rio Grande do Sul colocou em foco uma problemática atual: a dos refugiados ambientais. Esse grupo precisa se deslocar como consequência de mudanças climáticas, podendo ser não apenas pelas enchentes, mas também pelas secas, ondas de calor, tempestades intensas ou outras emergências climáticas.
O RS, por exemplo, registrou mais de 581 mil desalojados por conta das enchentes que assolam o estado. No Brasil e em outras partes do mundo, milhões de pessoas são forçadas a abandonas suas casas em busca de segurança.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o professor e especialista Jeovah Meireles* detalhou que sobre esse cenário, defendendo a importância de políticas públicas para dar apoio a essa população de extrema vulnerabilidade. Segundo ele, a mudança do clima nos últimos anos tem impactos negativos na qualidade de vida, com a recorrência maior de eventos climáticos extremos.
O que são refugiados ambientais?
Os refugiados ambientais se configuram como um grupo de pessoas ou comunidades que precisam se deslocar devido às causas ambientais. Ou seja, precisam abandonar suas casas e se mudar para outro lugar, às vezes de modo permanente, pelas condições perigosas dos lugares que habitam.
Em sua área de estudo, o especialista Jeovah Meireles foca nos refugiados ambientais que residiam na zona costeira. "Nesse caso, o problema se agrava porque a planície costeira do nosso estado está em processo bastante avançado de especulação imobiliária", afirma.
"Então, tanto aquelas famílias de pescadores, marisqueiros, agricultores, os que vivem a partir da biodiversidade do ecossistema manguezal com a especulação imobiliária e tendo que se retirar desses locais ancestrais, vamos dizer assim, de moradia, estão cada vez mais afastados destes sistemas ambientais que dão suporte aos seus modos de vida".
Quais são as causas?
As causas podem variar a depender do país e da região. Por exemplo, é possível que essa migração ocorra por conta da desertificação, em que uma determinada área registra perda de nutrientes nos solos e famílias de agricultores não conseguem mais viver no local, precisando buscar outra região ou meio de trabalho.
Além disso, pode ser causado por erosão costeira, que destrói casas, roçados, escolas e outros locais coletivas. No litoral do Ceará, por exemplo, "esta erosão já está bem configurada, contínua, progressiva, acumulativa, e já acarreta esse tipo de consequências".
Dentre outras causas a nível global, estão:
- Grandes deslizamentos;
- Furacões;
- Tsunamis;
- Incêndios florestais;
- Subida do nível do mar;
- Erosão do solo;
- Perda de biodiversidade.
Consequências dos refugiados ambientais
O aquecimento global está relacionado com as alterações climáticas intensas, como o aumento da temperatura e a recorrência de desastres naturais. A utilização não sustentável dos recursos naturais e o desmatamento são uma das principais causas desse fenômeno, que não apenas ameaça a biodiversidade, como causa a extinção de espécies.
Para os refugiados, a consequência está diretamente relacionada com a necessidade de se retirar desses locais para se protegerem em outras regiões. Existe uma ruptura com o local de trabalho e de moradia.
No entanto, também ocorrem consequências econômicas e sociais, como a perda de uma economia local pelo esvaziamento das cidades.
Refugiados climáticos no Ceará
No Ceará, um tipo de deslocamento compulsório ocorre no litoral. Em Icapuí, região acompanhada por Jeovah, ele ponta que são identificados alguns problemas, como a perda do solo e a desertificação. Por isso, os moradores passam a migrar para as cidades.
"Antigamente, nós chamávamos de retirantes. Agora com os extremos climáticos, muito provavelmente essa migração vai ser incrementada por conta da baixa pluviosidade", detalha.
O Ceará também registra erosão costeira e aquíferos salinizados. "Os aquíferos são aqueles pequenos poços, as cacimbas", explica Jeovah. Porém, em vários municípios, foi registrado um nível de sal mais elevado na água, que resulta na perda de produtividade dos solos e a necessidade de mais recursos para a produção de alimentos.
Cenário no Rio Grande do Sul
O Rio Grande do Sul se tornou um caso com bastante cobertura midiática, pela rapidez e urgência do cenário. Mais de 520 mil pessoas precisaram se deslocar de suas casas pelo aumento do nível da água. "Muitos deslocados temporariamente e outros impossíveis de retornar a essas áreas por conta do incremento desses extremos climáticos", diz o especialista.
"A crise climática tem como factualmente registrada em vários biomas, deslizamentos de massas, inundações, cheias. Às vezes necessita de menor quantidade de chuva para gerar cada vez mais frequentes e intensas inundações. As precipitações são concentradas em um curto espaço de tempo".
O especialista explica que as inundações podem se tornar cada vez mais frequentes no Rio Grande do Sul, sendo uma característica do que os pesquisadores chamam de "emergência climática".
Soluções para evitar refugiados climáticos
A presença do cenário de refugiados climáticos mobiliza a necessidade de políticas públicas. Porém, como cada região tem sua problemática específica, Jeovah afirma ser necessário que cada município brasileiro tenha seu plano de enfrentamento de emergência climática, como o que foi construído em Icapuí.
Ele ainda explica ser necessário implementar educação ambiental e investir em políticas públicas. "Essas políticas públicas deverão ser relacionadas com a melhoria do micro clima, o que significa arborização com forte investimento em agricultura familiar, em agroecologia, em quintais produtivos, em agroflorestas", afirma.
Já a educação ambiental deve ser realizada com uma pedagogia que pensa as conexões entre os conhecimentos científicos e populares. "Uma pedagogia elaborada com as conexões entre os conhecimentos dessas populações, que tem o histórico e a relação ancestral com os territórios e o conhecimento acadêmico".
*Antônio Jeovah de Andrade Meireles, doutor em Geografia Física pela Universidade de Barcelona.