Com 400 casos por ano, câncer infantil tem tratamento concentrado em apenas 3 cidades do CE

Fortaleza é principal polo, gerando migração de famílias em busca de assistência

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Crianças e adolescentes viajam do interior do Ceará a Fortaleza para buscar tratamento de câncer
Legenda: Crianças e adolescentes viajam do interior do Ceará a Fortaleza para buscar tratamento de câncer
Foto: Helene Santos

Já faz um ano desde que Henrique, 12, e a mãe, Jeane Barbosa, 39, mudaram de Missão Velha a Fortaleza, distantes mais de 500 km, para o menino conseguir viver. Era na capital onde conseguiriam o tratamento para o diagnóstico duro que chegou no mês das crianças de 2022: o câncer de cabeça e pescoço.

Causando sangramentos, dor de cabeça e entupimento do nariz, o carcinoma chegou a ser confundido por pediatras com “uma rinite forte”. “Os medicamentos não faziam efeito. Levei numa otorrino particular, ela pediu tomografia e viu”, relata Jeane, que precisou ir com o filho a Juazeiro do Norte para conseguir o exame.

Henrique integra as 411 crianças e adolescentes que foram diagnosticadas com a doença no Ceará em 2022.

Já em 2023, até o último dia 15, o Estado soma 239 casos de câncer entre pessoas de 0 a 17 anos. Os dados são do Sistema de Informações de Câncer (Siscan), disponibilizados pelo Ministério da Saúde e coletados pelo Diário do Nordeste.

Mais de 90% dos pequenos cearenses com câncer neste ano receberam diagnóstico em Fortaleza. Os municípios de Barbalha e Crato, na Região do Cariri; e Sobral, na Região Norte, completam a lista de localidades às quais os pacientes recorrem para identificar a doença.

A capital concentra não apenas o “pré”, mas o “pós”: dos 239 meninos e meninas em quem o câncer foi identificado em 2023, apenas 122 estão com tratamento em andamento na rede pública. Do total, 116 em Fortaleza, a maioria no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS).

Vindo da cidade de Brejo Santo, na divisa entre Ceará e Pernambuco, Kildary, 11, está entre os pacientes em tratamento no HIAS. O Linfoma Não-Hodgkin só foi identificado após a 3ª ida ao médico, em outubro de 2022, quando foi pedido um raio-x para entender os vômitos frequentes do garoto.

Nas duas primeiras idas, foi receitado apenas medicamento para as náuseas, que vinham acompanhadas de “muito sono e cansaço”, como lembra a mãe de Kildary, Fernanda Ferreira, 28. “Deu uma alteração no exame, aí o hospital encaminhou ele pra Fortaleza. Foi intubado, fez hemodiálise… Mas hoje está bem”, garante. 

Os dois, assim como Henrique e Jeane, estão acolhidos no Lar Amigos de Jesus, instituição da capital que recebe famílias de crianças e adolescentes em tratamento contra o câncer na cidade.

97
leitos são ofertados pela entidade a crianças e adolescentes e tratamento no HIAS e na Associação Peter Pan. A maioria dos acolhidos vem da Região do Cariri, como aponta a presidente do Lar, a Irmã Conceição Dias.

A instituição se sustenta com doações. “Eles têm que vir pra Fortaleza, aqui é o lugar de tratar. O tratamento é muito severo, necessita de um respaldo para continuar a vida. E nós damos todo o apoio”, pontua a religiosa, que conduz o trabalho da casa fundada em 1987.

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Fortaleza é polo de tratamento

A rede estadual possui apenas o HIAS como hospital de referência no diagnóstico e tratamento do câncer infantojuvenil. É lá onde funciona o Centro Pediátrico do Câncer (CPC), como reforça, em nota, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).

No CPC, o atendimento funciona diariamente, pela manhã e à tarde, recebendo pacientes com encaminhamento médico, “sem necessidade de passar pela regulação”. A emergência do HIAS, 24h, é porta aberta, frisa a Sesa.

200
crianças por mês são atendidas no CPC, centro que detecta uma média de 250 novos casos de câncer infantil por ano. Todos eles são tratados lá.

Neste ano, até agosto, 121 novos casos foram diagnosticados na unidade, como pontua a Sesa, a maioria de Leucemia Linfóide Aguda (31) e Leucemia Mielóide Aguda (14). “Atualmente, são 635 pacientes em tratamento ativo, é o único equipamento do país que possui UTI exclusiva para pacientes onco-hematológicos pediátricos”, destaca a Pasta.

Viviany Viana, oncohematologista pediátrica e coordenadora do Hospital-Dia do CPC, alerta que o câncer infantojuvenil é raro, mas já é a primeira causa de morte por doença na população de 0 a 18 anos.

Normalmente, esse tipo de doença não pode ser prevenido, e como os sinais e sintomas são inespecíficos, é necessário que haja um treinamento das equipes de saúde para suspeitar e reconhecer precocemente. Isso tem sido feito no nosso Estado.
Viviany Viana
Oncohematologista pediátrica

A médica alerta que, diante de sintomas confundíveis com outras doenças, “o que deve chamar a atenção da família é a persistência de quadros clínicos não explicáveis, e procurar o pediatra para um diagnóstico mais acurado”.

“O diagnóstico precoce é fundamental. Normalmente, os cânceres pediátricos são de rápida evolução, de modo que quanto mais cedo o tratamento seja instituído – e eles têm tendência alta de resposta ao tratamento –, maior a chance de sucesso”, pontua Viviany.

Barreiras ao diagnóstico

Viviany destaca que a centralização das redes de atendimento em oncologia tendem a ser, como no Ceará, centralizadas. “Isso é estratégico para o tratamento dessas doenças raras, que necessitam de centros de alta complexidade, com toda a estrutura necessária ao tratamento”, diz.

Ela lembra, porém, que “pra que isso aconteça, as redes de referência têm de funcionar muito bem”. 

Mas além da falta de estrutura em cidades do interior do Estado para lidar com a demanda oncológica, principalmente entre crianças e adolescentes, um dos desafios para identificar a doença de forma rápida e antecipada é o preparo dos profissionais.

Crianças muito distantes do centro de referência tendem a chegar com doenças mais avançadas. O que precisamos fazer é intensificar o treinamento das equipes de saúde da família, pra que as crianças cheguem à referência o mais precocemente possível.
Viviany Viana
Oncohematologista pediátrica

Manter o tratamento concentrado no “centro de expertise”, como o HIAS, também é crucial para garantir que as melhores soluções chegarão aos pequenos, como pontua a médica. 

“Quando a equipe de saúde que está avaliando a criança, em qualquer lugar do Estado, suspeita de um tipo de câncer infantil, ela pode encaminhar e a criança ser vista no mesmo dia ou até no seguinte. Não existe demanda reprimida”, finaliza.

O HIAS, localizado no bairro Vila União, dispõe de ambulatório de diagnóstico precoce, que funciona de segunda a sexta-feira, e não precisa de agendamento. De acordo com a Sesa, não há fila de espera para o CPC, que conta com leitos de enfermaria, UTI e centro cirúrgico distribuídos em três andares.

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