Cirurgias, vacinas, câncer: quais demandas da saúde Elmano de Freitas precisa priorizar no Ceará?

Rede pública tem diversos pontos que ainda carecem de atenção e aprimoramento, apontam especialistas

Eleito o próximo governador do Ceará no último domingo (2), com 54% dos votos válidos, Elmano de Freitas (PT) tem uma série de desafios na condução da saúde pública estadual ao longo dos próximos quatro anos de mandato.

Com a saída do período crítico da pandemia da Covid-19, a rede precisa lidar com deficiências que se acentuaram a partir das restrições impostas para evitar a disseminação do vírus, que provocou mais de 27 mil mortes no Estado.

Das dificuldades na alimentação ao agravamento de doenças de base, passando por problemas históricos no acesso aos serviços, todas as faixas etárias da população tiveram a saúde afetada de alguma forma nesse período. 

O epidemiologista Luciano Pamplona, docente da Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), considera importante recuperar o "prestígio da imunização" a partir da atualização do calendário vacinal, bem como preparar a rede para uma possível epidemia de arboviroses no início de 2023 (dengue e/ou chikungunya).

Médicos e médicas que integram o Coletivo Rebento defendem um diagnóstico situacional da rede materno-infantil no Ceará, construindo fluxos de gestantes e puérperas de modo articulado nas regiões de saúde e promovendo as pactuações necessárias, além da capacitação de profissionais para inserção de métodos contraceptivos de longa duração e a inserção de doulas na assistência ao parto e nascimento.

Em relação às pessoas com deficiência, sugere ampliar a habilitação de Centros Especializados em Reabilitação (CER) no Estado, com base em diagnósticos situacionais das Regiões de saúde, e sua integração a Centros de Inserção Social (como centros desportivos, areninhas, centros culturais e escolas de arte).

O Coletivo recomenda ainda a elaboração de uma política de atenção à saúde da população LGBT+ com atenção às especificidades e acesso integral ao cuidado em saúde, com atenção às modalidades de afirmação de gênero para pessoas trans.

Nas palavras do próprio governador eleito, em entrevista ao Sistema Verdes Mares, a priorização da área deve ser a qualificação de hospitais-polo e o incremento ao tratamento do câncer na rede estadual.

“Na área da saúde, temos 3 hospitais-polo regionais para implantar. Temos que terminar os quatro anos com eles funcionando; levar o tratamento de câncer para os hospitais regionais e ampliar os serviços dos hospitais regionais [que já existem]”, garantiu.

Além dos temas mais relevantes tratados em reportagens nos últimos dois anos, o Diário do Nordeste conversou com especialistas para elencar as prioridades do novo Governo. Veja:

1. Dar vazão às cirurgias eletivas

Com o sistema de saúde voltado para atender aos casos de Covid-19, o Ceará teve, só em 2020, queda de mais de 500 mil procedimentos como exames e consultas. Além disso, cirurgias eletivas (que podem ser marcadas com antecedência) também foram paralisadas.

Nesse contexto, o isolamento prolongado sem assistência médica piorou a condição de saúde de muitos pacientes, agravando enfermidades que, inicialmente, eram consideradas simples.

Em outubro de 2021, o então governador Camilo Santana lançou um programa para efetivar cirurgias eletivas para cerca de 30 mil pessoas na fila, iniciando por traumas e acidentes vasculares, usando equipamentos tanto públicos quanto privados.

2. Ampliar a rede de saúde mental

A saúde mental também se tornou tema ainda mais relevante com a pandemia, a partir do crescimento de casos de depressão e ansiedade gerados pelo isolamento social. Assim, tornou-se importante discutir serviços regionais de atendimento de urgência psiquiátrica e o atendimento psiquiátrico e psicológico da rede pública.

Desde a campanha eleitoral, Elmano de Freitas afirmou que o assunto será prioridade, propondo a implementação de setores especializados em psiquiatria em todos os hospitais regionais do Estado, além de dar apoio aos municípios cearenses na montagem de Centros de Atenção Psicossocial (Caps). 

3. Tratamento do câncer

O Ceará pode diagnosticar cerca de 27 mil novos casos de câncer por ano, no triênio 2020-2022, de acordo com estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O termo abrange mais de 100 tipos de doenças malignas em que ocorre o crescimento desordenado de células, gerando tumores capazes de se espalhar para outras regiões do corpo.

Assim, a vigilância de câncer pode ajudar gestores a monitorar e organizar ações de prevenção e controle. Segundo Elmano de Freitas, a área também deve ser contemplada em seu mandato.

4. Retomar a cobertura vacinal

Nos últimos 5 anos, a cobertura vacinal perdeu engajamento da população cearense, sobretudo no público infantil. A proporção adequada varia de 90% a 95% de abrangência, dependendo do imunizante, mas na prática ela tem se mantido em torno de 70%.

Isso abre margem para o avanço de casos de tuberculose, pneumonia, sarampo, meningite, doença diarreica, paralisia infantil e hepatite. Com cada vez menos vacinas nos braços das crianças cearenses, o risco de transmissão preocupa.

Fortalecer campanhas de vacinação para a retomada da imunização, inclusive com o apoio das escolas, deve ser um tema em discussão. 

5. Vulnerabilidades socioeconômicas

A desigualdade social grave em saúde afeta 136 das 184 cidades do Ceará, de acordo com pesquisa do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia.

Falta de médicos à disposição, condições financeiras insuficientes e longas distâncias até hospitais ampliam vulnerabilidades de acesso à saúde da população cearense mais pobre.

Assim, doenças de base como hipertensão, diabetes e colesterol alto podem ser agravadas, gerando quadros de saúde ainda mais complicados de serem tratados localmente.

6. Informatização e conectividade

A integração de informações virtualizadas de saúde é uma promessa antiga. A medida permitiria a redução do tempo de acesso a laudos de exames e a prontuários eletrônicos dos pacientes, conectando a rede estadual de saúde e facilitando o atendimento entre as regiões.

Outro ponto de atenção seria o desenvolvimento da telemedicina, reduzindo o tempo da fila de espera por consultas com especialistas e retorno de exames.

7. Atendimento odontológico

A última Pesquisa Nacional de Saúde 2019 mostrou que 13% dos cearenses de 18 anos ou mais perderam todos os dentes; entre as pessoas com mais de 60 anos, a perda completa chega a 45,9%.

O acesso a tratamento dentário preventivo e tratamento odontológico adequado ainda não chega com facilidade a pessoas de menor condição socioeconômica. Até 2020, a cobertura de saúde bucal na atenção primária era de 69% no Ceará, embora o objetivo seja chegar aos 100%. 

8. Atenção à primeira infância

A pandemia também gerou forte impacto na primeira infância, período que vai da gestação aos 6 primeiros anos de vida, quando as crianças têm o primeiro contato com o mundo e outras pessoas e são essenciais para seu crescimento integral.

Porém, pesquisas conduzidas ao redor do mundo, no Brasil e no Ceará vêm apontando que, confinados às residências e convivendo basicamente com os pais, os bebês deixaram de conhecer outras crianças e de interagir com o meio ambiente, atrasando seu desenvolvimento.

Além disso, como muitas crianças pararam de consumir a merenda escolar, com as unidades de ensino fechadas, podem ter sofrido com a piora nutricional no período, dividida em dois extremos: a desnutrição ou a obesidade derivada de alimentos mais baratos e industrializados.