Caminhos da Saúde: Com recursos, Governo quer reduzir tempo de espera para cirurgias eletivas

Desafio da gestão também é manter atualizadas as informações cadastrais dos pacientes, para que não haja demora no chamamento para a realização dos procedimentos considerados não urgentes

Retirar as amígdalas, o útero, catarata, pedras nos rins. Colocar prótese no quadril, reconstruir o ligamento do joelho, secar varizes, corrigir desvios de septo. Todos os dias, centenas de pessoas descobrem, em consultórios médicos, que precisam ser operadas para resolver algum problema de saúde — seja de baixa, média ou alta complexidade.

As cirurgias eletivas, como são chamados esses procedimentos não tão urgentes, correspondem a uma das maiores demandas do sistema público de saúde no Ceará atualmente, com uma fila de espera congelada, hoje, em torno de 55 mil pessoas, conforme dados do IntegraSUS, o sistema de informações da Secretaria da Saúde (Sesa).

Mas, o que é essa fila? Ela é única? Por que, às vezes, parece não andar — ou andar devagar?

É preciso compreender que existem diversas filas de espera e que elas sempre existirão, mas que é possível controlar e dar vazão a essa demanda para que nem as pessoas sejam prejudicadas, nem o sistema de saúde fique sobrecarregado com o acúmulo de cirurgias represadas.

No ano passado, o Governo Federal tomou a decisão de encarar as cirurgias eletivas como demanda rotineira dos estados e municípios, necessitada de políticas públicas permanentes, para que não mais dependesse de recursos instáveis e iniciativas governamentais isoladas.

“Desde 2017, existem os programas de mutirão de cirurgias eletivas. Elas funcionavam como mutirão mesmo, com verba que vinha do Governo [Federal] para a gente [Governo Estadual] executar as cirurgias que estavam represadas”, lembra Melissa Medeiros, coordenadora do programa de cirurgias eletivas do Ceará.

Uma portaria publicada pelo Governo Federal em dezembro de 2023 estabeleceu que, a partir dali, seriam disponibilizados sistematicamente recursos aos estados e ao Distrito Federal destinados ao Programa Nacional de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas, Exames Complementares e Consultas Especializadas. Essa mesma portaria, assinada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, autorizou o envio de cerca de R$ 51 milhões para o Ceará neste ano.

Plantão Cirurgia

Justamente para dar vazão às filas, diminuindo o tempo de espera dos pacientes para operar —, o Governo do Ceará criou um programa permanente chamado Plantão Cirurgias, destinado a sistematizar e tornar política pública o que costumava ser “resolvido” sem tanta eficiência com mutirões.

Só em 2023, para tentar atender à demanda reprimida de cirurgias eletivas no Estado, o Ceará recebeu R$ 26 milhões do Governo Federal e suplementou outros R$ 7,9 milhões do tesouro estadual. Isso acelerou bastante a fila, tanto que iniciou uma inversão de movimentos e chegou a ter mais saída do que entrada de pacientes na lista.

Em 2024, até a publicação desta reportagem, foram operadas 21,2 mil pessoas. "É uma coisa boa. Passamos a ter balanço positivo. No início do programa [Plantão Cirurgias], a gente tinha balanço negativo. Mas, desde setembro do ano passado, a gente passou a perceber uma inversão: mais saída do que entrada [de pacientes]. E a tendência é que estabilize essas entradas”, entende Melissa Medeiros.

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É o número de pacientes que deram entrada no sistema de cirurgias eletivas do Estado entre janeiro e março deste ano.

Papel dos municípios

As gestões municipais têm papel fundamental nesse processo. Isso porque, agora, tanto os governos estaduais como as prefeituras recebem recursos anualmente da União, de acordo com suas populações locais, para ou realizar eles mesmos os procedimentos ou custear as cirurgias em municípios próximos.

“Todos os estados receberam recursos [do Governo Federal] de acordo com a quantidade da população. O Ceará recebeu R$ 51.982.086,68 para 2024. Os municípios, independentemente de serem executores ou não, recebem de acordo com a população, para alocar a realização dos procedimentos ou em municípios próximos. [...] O município é quem vai definir, de acordo com suas filas”, continua a gestora do programa estadual.

As operações podem ser feitas em hospitais públicos ou filantrópicos e privados, contratados pelo poder público. No momento, segundo Medeiros, há pelo menos 59 contratos de cirurgias eletivas vigentes no Estado, em todas as especialidades cirúrgicas.

Veja lista das cinco cirurgias mais executadas em 2023

  1. Colecistectomia (5.102) 
  2. Hernioplastia inguinal/crural unilateral (4.287) 
  3. Colecistectomia videolaparoscópica (3.543) 
  4. Histerectomia total (2.953) 
  5. Hernioplastia umbilical (2.526)

Fonte: Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa)

De acordo com o DataSUS, o sistema de informações do Governo Federal, e do Fast Medic, sistema utilizado pelo Governo Estadual, do início do Plantão Cirurgias até o momento, o Ceará realizou 150,2 mil cirurgias eletivas de baixa, média e alta complexidade.

O que muda para o paciente com o Plantão Cirurgia?

Na prática, os que precisam de cirurgias eletivas contam, agora, com a certeza do dinheiro em caixa para as operações e com a existência de uma gestão sistematizada.

O tempo de espera na fila passa a depender basicamente da programação de cada hospital, dos perfis dos pacientes, do tipo de cirurgia e dos procedimentos pré-operatórios para cada uma, que variam de acordo com uma série de fatores clínicos.

Além disso, com a expansão da rede de assistência hospitalar no Interior do Estado e a possibilidade de as próprias prefeituras gerirem os recursos das cirurgias, passa a ser mais fácil para o poder público marcar os procedimentos próximo às residências dos pacientes, sem precisar sobrecarregar a Capital para atender à toda a demanda e sem que eles precisem peregrinar muito — como acontecia anteriormente — para resolver o seu problema.

Há, inclusive, uma possibilidade em estudo de enviar pacientes de Fortaleza para o Interior para dar celeridade à fila, o que iria na contramão do fluxo histórico em que a Capital concentrava as operações no Estado.

Mas, o que são cirurgias eletivas?

Compreendida a conjuntura das cirurgias eletivas no Ceará, vamos discutir agora o que, na prática, são esses procedimentos.

Cirurgias eletivas são aquelas consideradas não urgentes.

Para saber se terá de se submeter a uma, é assim: o paciente vai a uma consulta e recebe do médico a indicação de cirurgia. Depois, ele é encaminhado a um médico especialista, que vai avaliar se aquela operação é mesmo necessária ou se é possível tratar a enfermidade de outra forma.

Não sendo possível tratar clinicamente, o paciente é encaminhado para um hospital, para ser visto pelo médico cirurgião, que é quem vai dar a palavra final sobre a necessidade ou não de cirurgia. Sendo necessário, o paciente fará exames pré-operatórios e, só depois, será operado.

Exemplos básicos de cirurgias eletivas são as de retirada de catarata, de vesícula, de útero e de hérnia.

Como é feita a regulação das cirurgias eletivas no Ceará?

Quando o paciente busca um posto de saúde ou uma policlínica se queixando de um problema, ele é atendido pelo médico e, depois, havendo necessidade, encaminhado para um especialista que dará um segundo parecer sobre a necessidade ou não de intervenção cirúrgica para tratar a enfermidade.

Sendo necessária a cirurgia, o município no qual aquele paciente reside o insere na fila ambulatorial e, assim, ele passa a “existir” para a central de regulação do Estado.

“O médico regulador [profissional vinculado à Sesa, pertencente à Central de Regulação] visualiza esse paciente, encaminha para uma unidade que tem o suporte adequado para resolver [o problema de saúde dele] e é gerado o boleto de atendimento, com data e local da consulta, e o médico [cirurgião]”, detalha o médico regulador da Sesa Wladimir Roriz, que também é diretor clínico do Hospital Estadual Leonardo da Vinci (HELV), em Fortaleza.

“No dia da consulta, ele [paciente] comparece ao hospital com o boleto da consulta, nós inserimos esse paciente no sistema e ele passa a ser nosso [do hospital]. O hospital é que fica responsável pelo [processo] pré-operatório”, continua Roriz.

Somente após os exames pré-operatórios e indicada a cirurgia é que o paciente é inserido na lista de espera e aguarda ser chamado para a realização do procedimento.

A experiência do Leonardo da Vinci

O Hospital Estadual Leonardo da Vinci (HELV) foi adquirido pelo Governo do Ceará em 2020 para absorver a demanda de pacientes com Covid-19 no início da pandemia. No entanto, após arrefecido o número de casos da doença, a unidade de saúde passou a ser utilizada para atender à alta demanda represada de cirurgias eletivas devido à suspensão dos procedimentos na pandemia. 

Hoje, entre as especialidades cirúrgicas mais operadas no hospital, estão as que ainda têm maior fila, como as ortopédicas, a exemplo das de quadril, ombro, mão, pé e tornozelo. Além disso, de acordo com Wladimir Roriz, o Da Vinci opera com frequência casos urológicos, otorrinolaringológicos, de cabeça e pescoço e de cirurgia-geral.

“O nosso perfil, no Da Vinci, é muito mais de pacientes de meia idade e idosos. E atendemos perfil pediátrico no otorrino, mas a maioria é de meia idade e idosos, que são procedimentos mais complexos”, explica o diretor clínico da unidade.

Desde que foi criado o Plantão Cirurgias, o HELV foi responsável por realizar 581 cirurgias eletivas. Uma dessas foi para tratar Valdomiro Soares da Silva, 58, que sofria de hiperplasia prostática. Morador de Novo Oriente, a quase 400 quilômetros de Fortaleza, ele esperou em torno de cinco meses para ser chamado para fazer o procedimento.

"Comecei [o tratamento em clínica] particular. Fiz um PSA [exame de check-up para diagnosticar o câncer de próstata em homens], deu alterado, procurei um urologista e fiquei em tratamento por dois anos. Aí, ele [médico especialista particular] disse que era preciso operar e me encaminhou para a secretaria municipal [de saúde de Novo Oriente]. Botaram meu nome no sistema e, com cinco meses, fui chamado para o Hospital Leonardo da Vinci", lembrou o paciente.

No HELV, Valdomiro foi atendido por um médico cirurgião, fez os exames pré-operatórios e foi operado em dezembro do ano passado. "Fiz os exames e fiquei aguardando o hospital chamar. Entre os exames e a chamada, foi uma média de três meses", disse ele. No entanto, a demora, neste caso, não foi problema para ele, porque estava sendo tratado com medicamentos, em casa, para reduzir os sintomas. "Eu urinava muito à noite, mas, tomando remédio, diminuiu", garantiu.

"O atendimento [no Da Vinci] foi perfeito. A demora, de chamar, é natural. Se fosse uma doença grave, acredito que eles teriam chamado mais ligeiro", acredita Valdomiro. Ele, hoje, segue sendo atendido na Capital, mesmo após a cirurgia — as viagens são custeadas pela secretaria da saúde de Novo Oriente. "Só é ruim ficar longe de casa, a gente viaja a noite todinha, chega e vai para o hospital. É cansado. Mas, aqui, na nossa região, é assim. Tudo é mandado para Fortaleza ou Sobral", desabafa.

O que ainda atrapalha a fila de cirurgias eletivas no Ceará?

Um dos principais gargalos que ainda embarreiram o fluxo da fila de espera por cirurgias eletivas no Estado é a dificuldade de contatar os pacientes.

Tanto que, em 2023, antes de lançar o Plantão Cirurgia para melhorar a gestão da fila, o Estado fez uma força-tarefa para atualizar o cadastro dos mais de 68 mil pacientes que estavam, àquela época, à espera dos procedimentos. E, para se ter uma ideia, desses 68 mil, 26,3 mil tiveram seus cadastros “inativados” justamente porque as equipes não conseguiram falar com nenhum deles pelas vias de contato indicadas quando se cadastraram no sistema.

Além disso, os dados têm de estar atualizados devido à possibilidade de surgirem vagas de última hora em hospitais diferentes daqueles nos quais os pacientes estão na fila.

“A equipe faz três ligações para o paciente e, quando a gente contata, oferece uma unidade executora [da operação]”, exemplifica Evelinny Mayara, coordenadora da sala do Plantão Cirurgia. Ela continua: “Ele está esperando [cirurgia] no Hospital Geral de Fortaleza [HGF], mas a gente tem contrato em outro hospital e oferece a consulta. A consulta é agendada com antecedência e é avisado ao paciente para ele procurar a secretaria da saúde do município. A secretaria é que agenda o transporte para ele”.

“Hoje, a gente também trabalha com hospitais secundários. Então, a gente tenta manter o paciente o mais próximo possível da residência dele”, acrescenta a coordenadora.

O contato entre a equipe e o paciente é feito prioritariamente por telefone, mas há, também, a possibilidade de o diálogo ser via WhatsApp. É possível, ainda, acompanhar a lista de espera e a posição na fila por meio da ferramenta Plantão Cirurgia 24h, disponível na plataforma Saúde Digital e no Ceará APP. O acesso exige telefone e e-mail.

Como atualizar o cadastro no sistema de cirurgias eletivas?

Por WhatsApp:

(85) 3219-6073
(85) 3219-9366
(85) 3101-2610

Por telefone:

0800 280 5110

O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 7h às 18h.

Minha posição na fila de espera aumentou, por quê?

Em alguns casos, o paciente pode se espantar com a informação de que a posição dele na fila de espera aumentou.

Isso pode acontecer em duas situações, basicamente: quando alguém com estado clínico mais grave é avaliado como prioritário ou quando alguém tem uma determinação judicial para avançar na fila — no entanto, esse meio costuma ser desencorajado pelo Governo. "A judicialização não é critério, mas a gente obedece", explica Ítalo Lennon, responsável pela coordenadoria de Monitoramento, Avaliação e Controle do Sistema de Cirurgias Eletivas do Estado.

Lennon diz ainda que os critérios mais comumente utilizados pelo Governo para qualificar a fila são tempo de espera e deterioração do paciente, como risco de incapacidade, disfunção, dor e limitação de atividades diárias. "Funciona para direcionar a nossa fila", reforça.

Meu nome não aparece na fila de espera, o que fazer?

Caso o nome do paciente não seja localizado no sistema, ele pode estar “inativado”, ou seja, pode não estar na fila dos procedimentos eletivos.

No entanto, há a possibilidade de o nome dele não estar à mostra por ainda estar na lista de consultas ambulatoriais ou devido ao município de origem não ter incluído o nome do paciente no sistema. Nesses casos, após criado ou atualizado o cadastro, o setor técnico da Sesa rastreia os dados e faz a regularização.