Uma votação expressiva para a reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC). Esse é o saldo da chapa cujo candidato a reitor é o professor Custódio Almeida e a vice é a professora Diana Azevedo. Eles obtiveram 17.476 votos, ou seja, 83,11% da votação válida e agora o Conselho Universitário (Consuni) enviará a lista tríplice para o Governo Federal, com o nome deles em 1º lugar. A expectativa é que o presidente Lula oficialize esse resultado.
A vitória e agora a possibilidade mais concreta de nomeação para os cargos de reitor e vice-reitora, ocorre 4 anos após Custódio ter sido preterido na escolha feita pelo ex-presidente Bolsonaro.
Na época, contrariando práticas de governos anteriores, ele nomeou o candidato que ficou em 3º lugar na consulta, Cândido Albuquerque - atual reitor - deixando de fora Custódio que em 2019, tal qual agora, foi o escolhido pela comunidade universitária.
O resultado da consulta à comunidade acadêmica em 2023 evidenciou um dos maiores engajamento dos membros da UFC em votação do tipo nas últimas décadas. “Mostrou uma universidade unida”, ressalta Custódio e acrescenta “está apontando claramente para uma direção”.
No percurso, os desafios e as expectativas da dupla são muitas, proporcionais à dimensão da própria UFC.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Custódio Almeida e Diana Azevedo, na última sexta-feira (28) falaram sobre os resultados da votação, as prioridades, o orçamento, as possibilidades de melhoria da instituição, as obras paradas e a cobrança por atenção à assistência estudantil. Uma universidade, que dizem ele, que “tem clamado para ser ouvida”.
O atual Governo, na gestão do Ministério da Educação (MEC), tem prometido respeitar a vontade da comunidade acadêmica. Mas, isso só se confirmará com a publicação da nomeação, que deve ocorrer ainda em maio. A nova gestão tem início em agosto.
1. Em 2019, Custódio foi o escolhido pela comunidade universitária. Era outro contexto, também com muitos desafios e ele acabou não sendo nomeado. Para quem estava concorrendo ali e quem concorreu agora, quais as grandes diferenças da UFC? Quais eram as prioridades e quais são agora?
Custódio: A gente pode dizer que as universidades federais estavam descendo a ladeira naquele momento porque Bolsonaro tinha assumido o governo em janeiro e a nossa eleição aconteceu em maio. Então, nossa expectativa já era de um tempo muito difícil para as universidades, olhando tudo o que já tinha sido dito pelo governo. Isso se confirmou.
As universidades sofreram muito nesses últimos 4 anos. Elas ficaram desabastecidas ao ponto de as manutenções mínimas não terem sido feitas e a falta disso gera desgastes e sucateamento das suas instalações e equipamentos.
A grande diferença hoje é que foi superado aquele momento de desabastecimento da universidade, porque o (atual) Governo fez campanha colocando as universidades na pauta e os institutos federais.
O Governo que ganhou já deu sinais claros. Já reuniu os reitores ainda em janeiro. Já deu um aporte de recursos extraorçamentários há 2 semanas atrás. Um aporte que a própria associação nacional dos dirigentes achava que seria menos e foi mais.
A sinalização é que saímos da descida da ladeira e estamos subindo a ladeira. É claro que o tempo que a gente vai demorar para subir a ladeira deve ser maior do que o tempo de descida. Recuperar vai ser muito mais difícil. A diferença é o cenário político nacional. Agora, o Governo Federal olha e vê as instituições de ensino superior no Brasil.
2. Em relação à votação, o que ela expressou? E o que vocês destacam?
Custódio: Em relação à votação, ela mostra uma universidade unida. Ao contrário do que a gente vê no cenário nacional, foi um número de votos próximos e isso reflete que não há uma divisão na UFC. Nos alegrou porque a universidade está unida. A votação que não foi em nós é natural (a chapa concorrente obteve 2.213 votos).
Achamos saudável ter oposição, ter interlocução nesse sentido. Mas não foi uma votação que disse que a universidade está tensa internamente. Ela está apontando claramente para uma direção que é "vida e democracia".
Diana: Em nossa campanha, na logo da camisa, tinha gente de todos os tipos. Pessoas cadeirantes, de óculos, de cabelo duro, de cabelo liso. A valorização da nossa pluralidade, da nossa diversidade.
Durante muito tempo, vimos a universidade federal como um lugar do homem branco, de classe social alta, que tinha tido acesso a uma boa escola, um bom ensino médio. A Lei das Cotas veio mexer com tudo isso e agora a gente tá vendo essa pluralidade chegar também nas pós-graduações e, eventualmente, aquelas (pessoas) que estavam invisibilizadas chegarem aos espaços de poder.
Falo isso como a primeira mulher que chegou à vice-diretoria de um Centro de Engenharia. Essas coisas precisam ser mostradas para que elas sejam normalizadas. Não só a questão de gênero, mas a questão racial, social, das pessoas com deficiência. Tudo isso foi muito abraçado durante a campanha por toda a comunidade.
3. Na campanha vocês falaram em aspectos fundamentais para a universidade, como a democratização da instituição e as questões operacionais? Em uma possível gestão, o que isso vai significar para professores, alunos e técnicos?
Diana: A palavra vida, quando a gente começou a plasmar a campanha, veio muito forte. Porque nós passamos, não só a UFC mas o mundo de uma maneira geral, pela hecatombe que foram, pelo menos, 2 anos de restrições muito grande devido à pandemia.
Nós tivemos no cenário nacional o advento do bolsonarismo e o empoderamento de vários movimentos que a gente acreditava não existirem mais. Em nível local, tivemos a nomeação do menos votado na consulta anterior.
Isso deixou as pessoas em um estado de latência muito grande. Agora temos que resgatar aquilo que a universidade tem de mais caro que é o amor das pessoas em se dedicar a servir. Isso ficou muito claro.
Custódio: A comunicação com a universidade foi muito fácil e ela foi fácil porque as pessoas estavam sedentas. Então, a gente chegou nos lugares e a capacidade de escuta era muito grande porque as pessoas estavam sentindo falta. Apesar do tempo curto, a comunicação foi muito forte. O resultado disso é o comparecimento forte na votação.
A universidade sentiu a necessidade de sustentar essa comunicação para que ela não fosse apenas a comunicação da época da campanha. Que as discussões sejam pautadas na Capital e no interior. O interior gritou isso, que se sentiu mais excluído.
Se houve recrudescimento entre nós em Fortaleza, imagine o que aconteceu em Sobral, Quixadá, Russas, Itapajé que já tem uma dificuldade geográfica de comunicação.
4. Na campanha, em eventos, as pessoas falaram com vocês sobre as próprias realidades. No dia a dia, a UFC tem os espaços formais de participação. Mas, tendo em vista as demandas por escuta, em uma eventual gestão, há algo pensado para assegurar maior inclusão da comunidade acadêmica na definição dos rumos da UFC?
Custódio: Nesse primeiro momento, já tem algo bem definido e dito na campanha: assumindo em agosto, temos até dezembro para elaborar os grandes projetos da universidade em todas as suas unidades acadêmicas, que são 18.
Vamos fazer um processo intenso de escuta de agosto a dezembro dando suporte para que as unidades acadêmicas encontrem as suas prioridades e elaborem seus projetos.
De nossa parte, o desejo de presença é muito grande. Sempre gostei de entender as pessoas na base. Por exemplo, eu tenho uma vontade muito grande de não deixar de dar aula sendo reitor. Não sei se vou conseguir.
E o planejamento é para a gente, de fato, ir atrás de recursos sabendo o quanto a gente precisa.
Diana: É uma coisa que é óbvia é restabelecer a importância dos colegiados dentro da universidade. Parece óbvio, mas os diretores das 18 unidades raramente tinham oportunidade de se sentar com a gestão superior, a não ser quando havia algum interesse da própria gestão.
5. Outro ponto é a questão orçamentária. Estamos vindo de anos em que houve sucessivos contingenciamentos nas instituições federais. Já há uma noção de como está essa questão orçamentária na UFC?
Custódio: A preocupação número 1 é com o custeio que é uma despesa que não pode ser adiada. A manutenção, não deveria poder, mas tem como segurar um pouquinho. Pagar contas de contratos, segurança, limpeza, energia, restaurante universitário são despesas que precisam ser honradas.
Falei com o atual pró-reitor de planejamento e administração e, apesar de ter dito um aporte recente (do Governo Federal), se você projeta até dezembro, ainda não dá para fechar o ano. Então, a gente aguarda mais aporte de recurso no segundo semestre, para que a gente feche o ano com as contas saneadas do ponto de vista de custeio.
Agora o vulto do que a universidade precisa para a manutenção e para a conclusão de obras paradas é muito alto. Obras superimportantes, como um prédio de 10 andares em Sobral, que falta 10% para ser concluído e 4 cursos estão desabrigados por falta desse prédio. Ele está em construção há 6 anos.
A gente espera que essas emergências de infraestrutura sejam resolvidas já no início do próximo ano.
6. Em relação às obras, há um indicativo de que a UFC ainda tem obras paradas. Hoje, já se sabe onde estão as obras mais urgentes e com maior necessidade de conclusão?
Custódio: Sabemos porque essas obras não começaram nesta gestão. Como eu estava na gestão anterior, consigo identificar, por exemplo, que o Instituto de Educação Física e Esportes tem muita coisa parada, inclusive um grande ginásio poliesportivo importante para o curso e para a universidade.
Tem também esse grande prédio em Sobral e tem outras obras menores. Crateús também está sofrendo fortemente. Inclusive a avaliação do MEC tem detectado gravemente essas fragilidades.
Faltam prédios importantíssimos para a engenharia instalada lá, especialmente a Engenharia de Minas, que no Ceará é a primeira. No Centro de Humanidades da UFC tem um prédio grande de Letras-Libra que também precisa ser concluído.
Para além disso, a manutenção predial geral precisa ser feita. Temos que fazer uma manutenção preventiva, mas mais ainda uma manutenção corretiva.
7. Hoje, há um maior acesso à universidade, mas, em paralelo, internamente há uma discussão permanente sobre as dificuldades para se manter na universidade. Qual a proposta em relação à política de assistência estudantil?
Custódio: Temos clareza que a assistência estudantil é um dos grandes gargalos da universidade. Muita gente boa chegando e indo embora porque não tem condições de ficar. Entrar na universidade é mais fácil do que permanecer. Então, além de a gente ter clareza que esse apoio a comunidade estudantil deve ser diferenciado, é preciso manter uma escuta permanente.
Na campanha fizemos reuniões com quase todos os coletivos do movimento estudantil. É muito importante para a gente saber para onde os estudantes estão apontando.
A assistência estudantil virou eixo fundamental. O tripé não é mais tripé (ensino, pesquisa e extensão). Agora, essa estrutura tem que ter cinco pernas: ensino, pesquisa, extensão, a assistência estudantil e a gestão.
A assistência estudantil não é só mais restaurante, não é mais só residência ou bolsa residência, mas é também assistência médica, odontológica, saúde mental. A assistência psicológica é muito exigida hoje.
A gente precisa aumentar a bolsa permanência. É uma bolsa destinada especialmente para aqueles estudantes que só conseguem ficar se tiver essa bolsa, que está com o valor defasado na UFC. O MEC fez o ajuste e a gente precisa, no mínimo, chegar ao mesmo valor que o MEC está praticando, passou de R$ 400,00 para R$ 700,00. Precisamos fazer isso na UFC.
Tem uma questão pedagógica que vou sugerir porque mexe com os colegiados e a gente precisa que os colegiados compreendam, principalmente na área da tecnologia. Nessa área, os cursos têm 5 anos de duração. Uma carga horária muito alta e dificilmente eles conseguem ser concentrados em um turno.
Conseguir que o estudante tenha aula obrigatória em um turno é também uma forma para garantir que ele consiga continuar estudando. Quando você ocupa o dia inteiro, você não segura o estudante que precisa trabalhar. Essa é uma questão de organização curricular interessante para se tratar também.
VEJA OS CURRÍCULOS
- Custódio Almeida
Graduado em Computação pela Universidade Federal do Ceará - UFC (1988), graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (1991), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000).
É professor da UFC desde 9 de fevereiro de 1993. Na UFC já assumiu alguns cargos de gestão administrativa, como Chefe do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia; coordenador do Curso de Graduação em Filosofia; coordenador de Área da Pró-Reitoria de Graduação; e pró-reitor de Graduação. Foi vice-reitor da UFC de agosto de 2015 a agosto de 2019.
- Diana Azevedo
Graduada em Engenharia Química pela Universidade Federal do Ceará- UFC (1990), mestrado em Engenharia Química pela Universidade Federal de São Carlos (1993) e doutorado em Engenharia Química pela Universidade do Porto (2001).
É professora titular da UFC e já foi chefe de departamento, coordenadora do curso de Graduação e do programa de Pós-Graduação em Engenharia Química na UFC. Atualmente exerce o cargo de vice-diretora do Centro de Tecnologia (2015-2023).