Turistas baleados em Fortaleza em ação desastrosa de PMs: 15 anos depois, caso segue sem desfecho

Italiano alvejado durante a ação na Avenida Raul Barbosa diz que não recebeu apoio do Governo. Leia entrevista exclusiva com a vítima

Uma ação desastrosa de policiais militares no Ceará, com repercussão internacional, completou 15 anos no último dia 26 de setembro. Uma década e meia depois, o caso segue sem desfecho na Justiça Estadual. Parte dos acusados, sequer tem data do julgamento agendada.

Os PMs que foram submetidos a júri por dispararem contra três turistas estrangeiros e uma brasileira, recorreram e, há quase quatro anos aguardam nova sentença do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Desde 2013, data da decisão na esfera cível, há ainda expectativa das vítimas receberem do Estado indenizações por danos morais e materiais.

A reportagem conversou com o italiano Innocenzo Brancatti, atingido pelos disparos na noite de 26 de setembro de 2007. Ele lembra que havia buscado os amigos no aeroporto, minutos antes, e diz que em nenhum momento existiu pedido de parada, por parte dos policiais militares.

A abordagem aconteceu na Avenida Raul Barbosa, em Fortaleza, por volta das 20h40. As vítimas estavam em uma Hilux. Além do italiano e da esposa dele, uma brasileira, dois espanhóis estavam na caminhonete. O espanhol Marcelino Ruiz Campelo teve a pior lesão: ele ficou paraplégico de forma irreversível.

R$ 6 milhões
Somadas, as indenizações ultrapassam, atualmente, o valor de R$ 6 milhões

Os advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo informaram que os processos indenizatórios já transitaram em julgado, e há mais de um ano foi requerido ao Judiciário o cumprimento das sentenças. Paulo Quezado, também advogado na esfera cível, acrescenta que os juros seguem sendo somados ao montante.

A reportagem procurou o TJCE para que o órgão se posicionasse sobre o andamento do processo. Até a edição desta matéria, o Tribunal não havia respondido.

Leandro Vasques e Holanda Segundo consideram ainda que: "a tramitação das ações penais tem demorado para além do que poderia ser considerado razoável, o que acaba contribuindo para a sensação de impunidade e de descrédito no Judiciário".

LEIA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA COM O ITALIANO BALEADO PELOS PMS, EM FORTALEZA:

"15 anos depois e ainda não terminou, infelizmente. Eu morei no Brasil, em Fortaleza, mas decidi voltar para Roma. Ainda penso em visitar Fortaleza. O dia que aconteceu tudo isso foi um dia bonito, eu ia receber um casal de amigos, de espanhóis. Fui buscar eles no aeroporto, era um momento de felicidade. De repente aconteceu um fato dramático. Ninguém falou nada para parar o carro. Eu estava parado no sinal, sem demonstração de querer fugir. Começamos a ouvir tiros, barulho das balas no carro. Os tiros passaram em cima da cabeça das pessoas que estavam do meu lado

Recebi duas balas, uma no braço e outra no pé. A pior parte foi 500 metros depois. Um carro da Polícia veio atrás, eu estava ferido, mas policiais começaram a atirar. Eu me abaixei no piso do carro, fiquei com o rosto nos pedais. Colocava minhas mãos na cabeça, um gesto de desespero. Meu amigo disse, em espanhol: 'eles não param'. Foram 25 balas que atingiram meu carro. Um momento de enorme desespero.

Minha esposa, na época, saiu do carro. Eu saí também e eles deixaram de atirar. Eles gritavam: mãos na cabeça. Marcelino tentou descer, mas caiu. Não conseguia ficar em pé. A atitude dos policiais mudou. Ficaram com cara de pessoa que tinha entendido, que tinha feito uma enorme besteira. Perguntei porque estavam atirando, mas não me deram a menor resposta. Eram mais de 30, de 40 policiais juntos ali. Uma semana antes um policial tinha sido morto naquele local. Depois eu descobri isso. Foi parecido como um gesto de vingança.

Meu amigo continua até hoje em uma cadeira de rodas, profundamente revoltado com a vida que ele está tendo. Eu tinha 39 anos, Marcelino tinha 38 anos. Imagine, um homem de 38 anos, como Marcelino, piloto de avião, com uma carreira fechada. Teve que se aposentar. Sem movimento das pernas. Não tem sensibilidade nas pernas. Não pode fazer esporte, não pode ter uma vida normal. 

Até hoje recebemos zero dinheiro. Até agora só custos. Eu fiquei no hospital alguns dias, Marcelino mudou toda a vida. Disseram, na época, que nossos pedidos seriam aceitos, disseram que a gente era vítima. Mas isso ficou só nas manchetes dos jornais, não se traduziu em realidade. Não temos sentimento de vingança contra os policiais. Queremos o que é de direito. Depois de 15 anos, é importante falar sobre a trágica noite"

ATUAL SITUAÇÃO DOS PROCESSOS

Os policiais envolvidos na ação foram exonerados pelo governador Cid Gomes (PSB), que pediu desculpas às famílias pelo crime. Um dos PMs morreu, ao longo da instrução processual.

Os militares Luiz Ary da Silva Barbosa Júnior e Antônio Eduardo Martins Maia foram condenados a 24 anos de prisão, cada. 

Eles recorreram da sentença e o recurso aguarda julgamento pelo Tribunal de Justiça desde 2018.

Rinaldo do Carmo Souza e Francisco Edemildo de Lima foram absolvidos, e Francisco Emanuel Rodrigues Felipe condenado a 3 anos e 6 meses de prisão. O MP recorreu dos resultados e o recurso também aguarda julgamento há quatro anos.

Sobre Marcelo Lima Alves e Francisco Eloy da Silva Neto, a Justiça pronunciou a dupla. Há dois anos se aguarda designação de data para a sessão do Júri. Já Marcos Antonio da Silva e Antonio Liberato Dias Neto foram impronunciados.

O Ministério Público recorreu da impronúncia de Marcos e Antônio Liberato e teve o recurso acolhido para submeter os acusados a julgamento pelo júri popular. É esperada a intimação das defesas dos acusados para indicarem se há diligências para a sessão do Júri, que também ainda não tem nada para ocorrer.