Representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) colhem depoimentos de familiares de vítimas da violência policial no Ceará, neste sábado (2). A Missão passará por Fortaleza e mais quatro capitais brasileiras para formular um relatório sobre justiça racial e a aplicação da lei no País.
A ONU explicou, em publicação, que os especialistas analisarão as leis, políticas e práticas que regulam o uso da força por agentes da lei, incluindo o seu alinhamento com as normas internacionais dos direitos humanos, bem como as medidas concretas necessárias para garantir o acesso à justiça, a responsabilização e a reparação por uso excessivo da força e de outras violações dos direitos humanos por agentes da lei contra africanos e afrodescendentes no Brasil.
No Ceará, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA) repassou à ONU uma lista de 20 casos marcantes de violência policial, ocorridos nos últimos anos. Entre eles, os assassinatos de Ingrid Mayara Oliveira Lima e Igor de Andrade Lima, em uma festa de Pré-Carnaval, em Fortaleza, em 2013; e a Chacina do Curió, que deixou 11 mortos em 2015.
No primeiro caso, dois PMs foram expulsos da Corporação, ainda em 2013, mas foram absolvidos das acusações de homicídios na Justiça Estadual, em 2017. No caso da Chacina, 20 policiais militares foram julgados por participação nos crimes, neste ano: 6 deles foram condenados à prisão e 14, absolvidos.
"Esse relatório acabou evidenciando o grave contexto de violência policial que o Ceará tem atravessado. E também mostra a falta de casos de responsabilização, quando nós temos agentes da Segurança Pública envolvidos", apontou a coordenadora do Núcleo de Monitoramento do CEDECA, Ingrid Leite.
Uma das familiares ouvidas pelos especialistas da ONU é Sandra Salles, mãe de Ingrid Mayara. "Perder a filha em uma ação policial é algo que ninguém espera. A Polícia é para defender cada um de nós. Espero que a ONU veja as falhas de investigação desses processos", afirma Sandra à reportagem.
Os integrantes do Mecanismo Internacional Independente de Especialistas para Promover a Justiça Racial e a Igualdade no Contexto da Aplicação da Lei, ligado à ONU, chegaram ao Brasil no último dia 27 de novembro e já passaram por Brasília e Salvador. Depois da capital cearense, irão para São Paulo e Rio de Janeiro.
A Missão está prevista para terminar no dia 8 de dezembro. Ao final, os especialistas compartilharão descobertas preliminares e recomendações em uma coletiva de imprensa virtual, que será realizada no Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro.
O Mecanismo apresentará um relatório formal da visita ao país na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, em setembro de 2024.
Mortes por intervenção policial no Ceará
O Ceará somou pelo menos 126 pessoas mortas em intervenções policiais, em 2023. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) contabilizou 122 mortes, até o fim de outubro, segundo o último boletim mensal.
Enquanto o último mês de novembro teve pelo menos quatro mortes: um adolescente morto em uma operação policial em São Gonçalo do Amarante; o assassinato de dois assaltantes, no bairro Passaré, em Fortaleza; e a morte de outro adolescente, em uma ação policial na Barra do Ceará, também na Capital.
O ano inteiro de 2022 teve 152 mortes por intervenção policial no Estado; e até o fim de outubro, foram 129. Já o ano de 2021 terminou com 125 mortes; e nos dez primeiros meses, foram 108.