No dia seguinte ao término do primeiro julgamento da Chacina do Curió (também conhecido como Chacina da Messejana), o governador Elmano de Freitas revelou, nesta segunda-feira (26), que o Estado irá procurar as famílias das vítimas para entrar em um acordo de indenização.
Quatro policiais militares estaduais foram condenados a uma soma de mais de 1.100 anos de prisão, pelo Tribunal do Júri, por participação nas mortes de 11 pessoas, três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura, ocorridos na madrugada de 12 de novembro de 2015, na Grande Messejana, em Fortaleza.
Os réus também perderam o cargo público. Três deles - com exceção de um acusado que está nos Estados Unidos - foram imediatamente presos e recolhidos ao Presídio Militar, para começar a cumprir a pena.
"Tenho maior respeito à decisão plena do Tribunal do Júri, do nosso Poder Judiciário, e vamos efetivamente cumprir a decisão. Mas vou determinar ao procurador Geral do Estado, temos ações de indenização, e com a condenação ocorrida, o Estado deve buscar as famílias para buscar um acordo na indenização", afirmou Elmano.
Evidentemente que nada vai superar o sofrimento dessas famílias, mas nós temos o dever de cumprir a decisão e buscar um acordo na decisão judicial que existe."
Edna Carla, mãe de Álef (uma das vítimas da Chacina), comentou a fala do governador: "O dinheiro não é nossa prioridade. A prioridade era a justiça, mas já está havendo a justiça. E a gente pretende, sim (ter a indenização). Não que a gente vá trocar o filho pelo dinheiro. Mas quando se mexe no bolso público, o Estado vai ter mais segurança com os seus agentes de segurança, para não deixar mais que saiam balas 'aleatórias', 'perdidas', na favela".
A gente sabe que essas 'balas perdidas' encontram um corpo pobre, preto, periférico, nas favelas. Isso também é uma parte do trabalho que o Estado tem que fazer."
A indenização financeira às famílias das vítimas é um pleito da Defensoria Pública do Ceará, na Justiça Estadual. "A Defensoria tem algumas ações individuais e tem também uma Ação Civil Pública, que vem pedindo um memorial, o apoio psicológico e de medicamentos, esse acompanhamento às vítimas e uma reparação também. E temos ações individuais, solicitando indenização às famílias", lembrou a defensora pública geral do Ceará, Elizabeth Chagas, logo após o término do julgamento, na madrugada do último domingo (25).
Em vídeo divulgado nesta segunda (26), o procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, classificou o Júri Popular que condenou os policiais militares como "uma resposta civilizada à barbárie que foi a Chacina do Curió".
"E olhando para o futuro, também passa uma mensagem importante. De que o sistema de Justiça é capaz de punir com efetividade os agentes públicos que se envolvem em crimes dessa natureza. Nós temos que saber separar muito bem, entender que as corporações policiais são formadas por pessoas sérias, dedicadas, arriscam sua vida para nos proteger. Mas esses desvios, quando acontecem, devem ser punidos de forma exemplar, como foram na Chacina do Curió", completou.
Como foi o julgamento
Após seis dias de julgamento, o Tribunal do Júri condenou os primeiros quatro policias militares (PMs) réus pelas mortes de 11 pessoas na Chacina do Curió. A decisão dos jurados foi tomada no fim da noite desse sábado (24), após os debates entre a acusação e defesa, leitura de quesitos e votação, que durou 13 horas. Depois do veredito do júri, já na madrugada deste domingo (25), o Colegiado de juízes confeccionou a sentença estipulando as penas, que foram de mais de 1.100 anos no total, e o regime de cumprimento. Cabe recurso da decisão.
Veja as penas dos réus:
- Wellington Veras Chaves: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
- Ideraldo Amâncio: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
- Antônio José de Abreu Vidal Filho: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar. Caso tenha desertado, fica prejudicada essa decisão. Como está nos Estados Unidos com a esposa, os juízes determinaram que ele seja incluído na lista de difusão vermelha da Interpol.
- Marcus Vinícius Sousa da Costa: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: inicialmente fechado. Prisão decretada: não poderá recorrer da decisão em liberdade. Condenado também a perda do cargo de policial militar
Os três foram levados para o Quartel da Polícia Militar no Centro de Fortaleza, onde aguardarão o recurso da decisão. Já Antônio Abreu está nos EUA e permanece solto.
O veredito começou a ser dado após os jurados passarem parte da manhã, tarde e noite reunidos em uma sala secreta na qual responderam aos quesitos, que são as perguntas feitas sobre os fatos julgados. Ao todo, eram mais de 300 quesitos, já que havia perguntas sobre todos os réus, com questionamentos sobre a participação ou não de cada um. A votação terminou 23h55.
Após a votação, que durou 13 horas e as respostas a todos os quesitos, levou ao veredito de culpado que foi dado aos quatro militares pelos 11 homicídios, as três tentativas de homicídios e as quatro acusações de tortura. O Colegiado de juízes, formado pelos magistrados Marcos Aurélio Marques Nogueira, presidente do colegiado e titular da 1ª Vara Júri; Adriana da Cruz Dantas (da 17ª Vara Criminal) e Juliana Bragança Fernandes Lopes (Vara Única da Comarca de Guaraciaba do Norte) se reuniu para confeccionar a sentença e estipular as penas e o regime de cumprimento. Eles reabriram a sessão 1h10 do domingo.
Os juízes também informaram que o vizinho de um dos PMs, que prestou depoimento durante o júri, seja denunciado pelo Ministério Público do Ceará pelo crime de falso testemunho.
Com a condenação, fica acolhida a tese de que os agentes de segurança estiveram na região da Grande Messejana e participaram da matança. Para acusação, provas "os colocaram no local dos fatos", apesar da negativa dos réus e da defesa.
Defesa dos PMs irá recorrer
A defesa dos quatro policiais militares informou ainda no plenário que recorrerá da decisão. Os advogados pediram mais tempo para apelar por conta da extensão do processo.
No encerramento do julgamento, acusação e defesa elogiaram à atuação do Poder Judiciário na condução e organização do julgamento, em especial aos servidores e magistrados que integraram o colegiado de juízes que presidiu o júri.
O colegiado de juízes agradeceu à diretoria do Fórum Clóvis Beviláqua e Presidência do Tribunal de Justiça do Ceará pela estrutura e logística disponibilizada para a realização do julgamento, além dos demais setores e servidores que atuaram. Também agradeceu aos integrantes da acusação e defesas pelo trabalho realizado.