Quase oito anos depois, era chegado o momento do primeiro desfecho final da responsabilização dos acusados pela ‘Chacina do Curió’. Enquanto o Tribunal de Justiça (TJCE) se mobilizava para acolher espectadores das sessões, manter os jurados incomunicáveis, as defesas montavam estratégias junto aos réus e a imprensa trazia reportagens anunciando a cobertura do júri, o Ministério Público do Ceará (MPCE) precisava “fazer algo acontecer”: levar ao salão da 1ª Vara do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua quem precisava ser ouvido naquele momento.
Não seria o mesmo acusar se baseando em provas, sem que falassem os próprios sobreviventes o que passaram nas madrugadas de 11 e 12 de novembro de 2015. A tarefa ficou a cargo do Núcleo de Atendimento às Vítimas da Violência (NUAVV), e só foi possível de acontecer devido a um acompanhamento iniciado ainda nas horas após a chacina.
Para um grande júri, a promotora e coordenadora do NUAVV, Joseana França, sabia que seria necessário contar com mais mãos: Defensoria Pública e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente auxiliaram na logística de amparar as testemunhas da acusação.
“A responsabilização é importante, mas o cuidado dessa vítima é muito importante. A repercussão da violência nessa pessoa também tem que ser vista, porque se não pode ser extremamente negativa na vida daquela pessoa”, destaca a promotora.
ATUAÇÃO JUNTO ÀS ‘MÃES DO CURIÓ’
Joseana conta que quando saiu o documento com a lista das testemunhas a serem ouvidas em plenário, o MP teve dificuldade de encontrar uma das vítimas de tortura.
Novamente, as idas presenciais até a comunidade e o trabalho junto às ‘Mães do Curió’ possibilitaram o encaminhamento.
“Foram muitos recursos e o processo demorou durante esses quase oito anos. Mas nós nunca perdemos o contato com as vítimas. Essas mulheres são extremamente voltadas para essa causa, como elas dizem: transformaram o luto em luta, se organizaram e outros coletivos surgiram a partir do caso do Curió”, conta Joseana.
ACOLHIMENTO
Edna Carla Souza Cavalcante, mãe do jovem Álef Souza, uma das vítimas morta na chacina, também destaca o apoio do Núcleo e recorda ter recebido abraços acolhedores dos promotores: “nós formamos mesmo uma parceria. Recebemos um abraço acolhedor do dr Luís, da dra Alice, do próprio Manuel Pinheiro, procurador-geral da Justiça”.
Antes do primeiro julgamento, de acordo com a assistente social do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV), Ana Beatriz Nobre, houve reuniões com as mães e com as demais vítimas para anteceder o que elas podiam esperar do júri: “orientações para elas se prepararem mesmo para a logística, as fases, como tudo iria acontecer”.
Ficou a cargo do MP viabilizar transporte para buscar e deixar as mães, atualmente incluídas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
“Toda essa dinâmica para que essas pessoas arroladas pelo Ministério Público chegassem ao Fórum foi providenciada pelo MP. Foi o Ministério Público que providenciou o deslocamento das testemunhas a depor em juízo, foi acompanhado de perto mesmo.
A aproximação era no sentido de acolher e cuidar dessas vítimas que estavam extremamente fragilizadas”, conforme a coordenadora do NUAVV.
‘SEGURANÇA EMOCIONAL’
Mellyne Nascimento, psicóloga do Núcleo, recorda que dentro e fora do salão do júri, existia ‘papel definido’ de proporcionar segurança emocional às mães: “até mesmo o caminhar dentro do fórum”.
“Naquele momento de perguntas viriam coisas à tona, tocado nos nomes dos filhos, dos companheiros. Nós precisávamos trazer tranquilidade, uma escuta qualificada”.
A psicóloga ressalta que para estar diante a todo o caso, mesmo oito anos depois dos fatos, as mulheres precisariam de suporte “independente de qual fosse o resultado”.