Muito antes da campanha eleitoral começar em agosto, o festival de música Lollapalooza foi alvo de decisão da Justiça Eleitoral, que proibia manifestações políticas dos artistas que iam se apresentar durante o último final de semana de março em São Paulo.
A decisão derrubada poucos dias depois ocorreu após as cantoras Pabllo Vittar e Marina Sena se manifestarem a favor do então pré-candidato à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ação do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, alegava propaganda eleitoral antecipada, mas acabou sendo retirada pela própria legenda.
A decisão monocrática do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indicava inclusive multa caso os músicos se manifestassem durante as apresentações no festival. O que foi descumprido por diferentes artistas e criticado mesmo por músicos que não estavam entre as atrações do festival.
O episódio ganhou repercussão, mas não foi o primeiro nem o último momento em que músicos brasileiros ganharam destaque dentro da disputa presidencial entre Lula e Bolsonaro.
Nesta semana, artistas do sertanejo tiveram encontro com o atual presidente em Brasília na qual declararam ou reforçaram voto para a reeleição do mandatário. O encontro reuniu nomes de diferentes gerações da música sertaneja, como Gusttavo Lima, Fernando (da dupla com Sorocaba), Zezé di Camargo, Chitãozinho e Leonardo.
Este último acabou sofrendo críticas do próprio filho, o também cantor João Guilherme, que já havia declarado apoio a Lula. Junto com ele, nomes como Anitta, Zeca Pagodinho, Caetano Veloso e Mano Brown também manifestaram apoio ao petista.
Um dos que ganhou repercussão no último final de semana foi o de Ivete Sangalo, que costuma se manter neutra em assuntos políticos, mas, durante show em Salvador, mostrou apoio ao ex-presidente Lula.
A participação dos músicos na campanha, contudo, não se restringe à declaração de voto. Além da participação em peças publicitárias, como jingles, os artistas mobilizam os fãs que acompanham a carreira e possuem, por vezes, o status de influenciadores digitais, o que traz impacto para as campanhas presidenciais.
Participação de artistas não é novidade
O envolvimento de artistas na campanha eleitoral e na política, de forma mais geral não é novidade. Desde a redemocratização, essa participação ocorre de forma intensa.
Um dos exemplos remonta à eleição de 1989, quando o agora senador Fernando Collor de Mello e Lula concorreram no segundo turno da eleição presidencial. Além da declaração de votos, músicos que apoiavam os então candidatos também gravaram jingles para as campanhas.
De um lado, cantores como Gilberto Gil e Chico Buarque cantaram o jingle "Lula-lá" – que teve reedição em 2022, na voz de diversos músicos brasileiros. Do outro, músicos sertanejos participaram da peça publicitária de Collor, que, em 1989, ganhou a eleição presidencial.
Professor do MBA de Marketing da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sérgio Aragão ressalta que o apoio de um músico a uma candidatura na atual disputa eleitoral é diferente do que ocorria há três décadas. "Pelo papel que (esses artistas) desempenham na nossa vida, principalmente por conta das redes sociais", ressalta.
Apesar disso, ele afirma que a importância desses apoios ocorrem menos por uma eventual "influência no voto" e mais para passar uma "sensação de crescimento, uma sensação de vitória".
"É necessário passar essa imagem para motivar a militância e motivar quem está indeciso. Apoiamentos como esse, com um grupo focado no sertanejo, dá uma sensação de crescimento (da candidatura). Agora a influência direta no voto do eleitor, é cada vez menor".
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Maria do Socorro Sousa ressalta que os artistas também funcionam como estratégia para os dois candidatos conseguirem "entrar no eleitorado do outro".
A cientista política aponta que esse é um ponto essencial, principalmente pelo nível de competitividade entre os dois adversários. "Os artistas, cantores especialmente, acabam sendo motores transversais a essas classes", afirma.
Influência de lideranças políticas é maior
Pesquisa do Datafolha divulgada no último sábado (15) aponta que a influência de lideranças políticas sobre o voto é maior do que a de figuras ligadas a outros campos, como artistas e celebridades.
Segundo o levantamento, 31% dos entrevistados apontou que o apoio do candidato a governador à candidatura presidencial influencia na decisão. Familiares e amigos, por sua vez, influenciam na decisão de 26%.
Por outro lado, influenciadores digitais – categoria que muitos cantores se encaixam – são decisivos para definição de voto de apenas 14% dos entrevistados. A pesquisa não fez nenhuma pergunta específica sobre o peso da participação dos músicos nessa decisão dos eleitores.
Maria do Socorro ressalta que muitos dos cantores que manifestam apoio a uma candidatura já o fizeram antes do primeiro turno, o que acaba tornando a influência agora menor, mesmo entre eleitores indecisos.
"Porque esse indeciso ou quem vota nulo ou branco tem razões outras para não votar nem um nem outro. Razões (como) protesto, ter mais informação e não se identificar", exemplifica. "Então, não é qualquer cantor, mesmo que seja popular, que vai fazer diferença", ressalta.
Para Aragão, apesar de não ser definidor, o apoio do artista ganha importância na medida que consolida o voto, algo importante durante a campanha para o segundo turno.
O professor acrescenta que, para além do anúncio de apoio que gera "mídia, vai para a rede social" a ação efetiva destes artistas é importante, principalmente em relação ao público que os segue, por exemplo, nas redes sociais.
"Para fazer com que a mensagem do candidato chegue lá na ponta, nas pessoas, fazendo uso dessas redes sociais. É importante que esses artistas, para além de um evento que tende a mostrar a força e a sensação de crescimento, façam uso de argumentação pró-candidato A, B ou C. Usando seu palanque, sua rede social, sua voz e a credibilidade com o público para passar coisas concretas dos candidatos", reforça.
Maria do Socorro ressalta, no entanto, que esse apoio também pode fazer diferença a quem deixar para decidir "de última hora" o voto para presidente no próximo dia 30 de outubro. "Se na última semana, um cantor resolve declarar apoio e fazer discurso, em uma situação de competitividade, pode ser que esse eleitor seja influenciado para se decidir, em cima da hora, pelo candidato que rejeita menos", pondera.
O impacto negativo do envolvimento eleitoral
Sérgio Aragão ressalta as consequências da manifestação de apoio de músicos às candidaturas em um contexto eleitoral polarizado. "Tem que ter muita convicção e confiança ao manifestar apoio a um político", ressalta o professor.
Ele acrescenta que o clima "odiento" que perdura nesta campanha, na avaliação dele, acaba fazendo com que essa manifestação tenha um impacto direto para esses artistas.
A visita de sertanejos a Jair Bolsonaro, por exemplo, foi alvo de muitas críticas. Os músicos citaram, ao justificar o voto no atual presidente, argumentos ligados à família, religião ou aversão ao "socialismo".
Em contrapartida, nas redes sociais, muitos citaram casos de traição de alguns desses artistas, como Leonardo, para criticá-lo pela manifestação política. O filho do cantor, João Guilherme, chegou a dizer que o pai "joga no time errado" e "está cego" e que o anúncio de apoio de Leonardo a Bolsonaro o "enoja".
Cantores e músicos que demonstraram apoio a Lula também foram alvos de críticas por parte de apoiadores de Bolsonaro.
Anitta, por exemplo, chegou a ser alvo do filho do presidente, Carlos Bolsonaro, quando anunciou apoio ao petista, em julho. Ele resgatou um vídeo antigo da cantora na qual ela questionava à advogada Gabriela Prioli sobre o funcionamento dos três poderes no Brasil. A deputada federal Carla Zambeli, aliada do presidente, chegou a dizer que Anitta deveria "arrumar um psiquiatra".
A cientista política Maria do Socorro acrescenta que o aumento dos casos de violência política podem, inclusive, inibir artistas a fazer qualquer manifestação política. "Essa é outra marca desse pleito: o nível de violência contra a classe artística que publiciza sua preferência política", reprova a professora.
"A violência política afeta todos os setores. Imagina isso com a classe artística, com a diversidade de pessoas que apoiam o artista, mas que em uma situação dessa não pode se manifestar politicamente, porque sabe que pode sofrer uma represália ou até um ato mais grave".