Um ano de eleições municipais, por si só, já mexe com o cenário político local e redesenha o equilíbrio de forças. Em 2024, no caso do Ceará, o impacto das urnas foi ainda maior, consolidando novas lideranças políticas governistas e fazendo ascender novos oposicionistas.
O PontoPoder listou cinco fatos políticos marcantes deste ano. Confira:
Migração do Cid e de seu grupo político para o PSB
Responsável pela articulação local de um dos grupos políticos mais longevos no Estado, o senador Cid Gomes oficializou a filiação ao PSB em fevereiro deste ano. A saída da legenda anterior, o PDT, e o embarque no PSB, junto com dezenas de prefeitos aliados e centenas de vereadores, representou mais um capítulo da crise interna pedetista deflagrada em 2022 e o rompimento do PDT com o PT a nível estadual.
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Ao lado do irmão, o ex-ministro Ciro Gomes, Cid construiu um amplo arco de aliados desde que foi eleito prefeito de Sobral, em 1996. Essa articulação também rendeu a ele eleição e a reeleição para governador do Ceará, em 2006 e 2010. Foi esse grupo político que comandou a Prefeitura de Fortaleza nas gestões de Roberto Cláudio (PDT) e José Sarto (PDT), além do Governo do Ceará com Camilo Santana (PT).
Contudo, diante do impasse sobre a candidatura de Roberto Cláudio ou de Izolda Cela como nome governista em 2022, Ciro e Cid romperam, com correligionários pedetistas se dividindo em duas alas. A queda de braço para comandar o partido acumulou reviravoltas, disputas judiciais e, terminou, com o senador deixando o partido.
Na prática, a chegada do parlamentar e parte do seu grupo político no PSB redesenhou o cenário político cearense, com o partido se tornando o maior em quantidade de prefeitos. Atualmente, após o pleito eleitoral deste ano, a sigla chegou a 65 prefeituras. A legenda que mais se aproxima em quantidade de prefeituras é o PT, com 47.
Já em novembro, em nova demonstração de força, Cid Gomes reclamou, segundo aliados, sobre a concentração de poder em torno do PT com a indicação de Fernando Santana (PT) como próximo presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Diante da possibilidade de perder o PSB e o senador, o governador Elmano de Freitas (PT) recuou da escolha e indicou Romeu Aldigueri (PDT) como novo comandante da Alece.
Eleição do Evandro
Com 715,7 mil votos, Evandro Leitão foi eleito no segundo turno o novo prefeito de Fortaleza. Ele derrotou o candidato adversário André Fernandes (PL). Em termos percentuais, o petista obteve 50,38% dos votos válidos, já o candidato do PL somou 49,62% de apoio. A vitória de Evandro representou o retorno do PT ao comando da Capital desde janeiro de 2013, quando Luizianne Lins (PT) passou o comando da Cidade para Roberto Cláudio (PDT).
Evandro foi o nome indicado pelo ex-governador e ministro da Educação, Camilo Santana (PT), que passou a comandar o grupo governista no Ceará desde 2022 — após indicar Elmano de Freitas (PT) ao Governo do Ceará. Com a vitória de Evandro, Camilo somou ao seu rol de influência a Prefeitura da Capital.
A campanha de Evandro também usou intensamente a imagem do presidente Lula, que chegou a visitar o Ceará duas vezes: uma no lançamento da chapa encabeçada por Evandro e outra no segundo turno. Filiado ao PT no fim do ano passado, Evandro Leitão já chegou à legenda com status de pré-candidato. O político, no entanto, precisou enfrentar uma disputa interna na sigla contra a ex-prefeita Luizianne Lins (PT), que também tinha planos de se lançar ao cargo no Executivo.
Outras três chapas chegaram a ser anunciadas: a do deputado estadual Guilherme Sampaio, a da deputada estadual Larissa Gaspar e a do ex-deputado federal e assessor do Governo do Estado, Artur Bruno. Bruno e Sampaio optaram por retirar os nomes. Gaspar, por não reunir o número mínimo de delegados, que é de 10% do quantitativo total, disse não ter conseguido oficializar a chapa.
Escolhido pelo partido, Evandro Leitão passou a alinhavar uma ampla base de apoio que contou com lideranças do PP, do PSB, do PSD, do Republicanos e do MDB, além do PV e do PCdoB, federados ao PT.
Crise no fim da gestão Sarto
Eleito em 2020 com apoio de uma frente ampla de partidos e 51,69% do eleitorado da Capital, o prefeito José Sarto (PDT) acumulou uma série de obstáculos nos quatros anos de gestão. Os percalços renderam uma marca negativa inédita, tornando-se o primeiro prefeito de Fortaleza que disputou e não foi reeleito. A mancha é ainda mais negativa, já que Sarto amargou apenas o terceiro lugar na disputa para se manter no Executivo municipal.
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Após a derrota do prefeito José Sarto nas eleições deste ano, a saúde pública de Fortaleza mergulhou em uma crise histórica. O Instituto Doutor José Frota (IJF) enfrentou a falta de medicamentos e de insumos básicos, a suspensão de cirurgias e até a demora na distribuição de comida.
Outras unidades, como o Hospital e Maternidade Dra. Zilda Arns Neumann, no bairro Demócrito Rocha, mais conhecido como Hospital da Mulher de Fortaleza, também foi atingido pela crise. No local, pacientes e profissionais de saúde relataram falta de medicamentos e insumos básicos, além de atraso nos pagamentos de profissionais.
No início de dezembro, o Diário do Nordeste mostrou ainda que a assistência de cinco hospitais municipais de Fortaleza e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da Capital estava prejudicada pela falta de profissionais. O problema ocorria em meio à substituição dos trabalhadores com vínculo temporário pelos aprovados no concurso da Fundação de Apoio à Gestão Integrada em Saúde de Fortaleza (Fagifor).
Ainda em novembro, o prefeito chegou a criar uma força-tarefa para garantir medicamentos e insumos que faltam no IJF. A gestão municipal passou a ser alvo de um cerco feito pelo Ministério Público Estadual (MPCE) e pelo Tribunal de Contas do Ceará (TCE).
No último dia 18, no entanto, o Ministério Público se manifestou de forma contrária ao plano de ação apresentado pela Prefeitura de Fortaleza para resolver os problemas de abastecimento de medicamentos e insumos no Instituto Dr. José Frota (IJF).
Fortalecimento da direita
Além da vitória de Evandro Leitão e a derrota de José Sarto, a eleição para a Prefeitura de Fortaleza revelou um novo nome competitivo da direita em eleições majoritárias: o deputado federal André Fernandes. O político foi derrotado no segundo turno para o candidato petista, mas a diferença entre eles foi a menor em 24 anos, totalizando 10,8 mil votos.
Ao longo da disputa, André, que até então era um parlamentar alçado na esteira do bolsonarismo, com discurso de extrema direita, conseguiu aglutinar apoiadores para além do bolsonarismo. Prova disso foi no segundo turno, quando nomes como o ex-deputado federal Capitão Wagner (União) e o ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT) passaram a integrar o arco de aliança do candidato do PL.
Logo após o anúncio oficial das urnas, o ex-candidato prometeu aos apoiadores, ainda no comitê central da campanha, que seguirá ecoando o discurso de oposição ao atual grupo político que comanda o Estado do Ceará e que passará a controlar a gestão da Capital a partir de janeiro de 2025. "Eu não desistirei de vocês, contem comigo. Eu tenho apenas 26 anos de idade, é verdade, e é por isso que a minha trajetória ainda é longa, eu ainda tenho muito o que fazer, não só Fortaleza, mas pelo Estado do Ceará", discursou.
A experiência oposicionista no segundo turno, sob representação de André Fernandes, aproximou antigos adversários, que já têm planos de reeditar a parceria em outros pleitos. Nomes da direita também venceram a disputa em municípios estratégicos, como Juazeiro do Norte, onde Glêdson Bezerra derrotou o candidato petista e deputado estadual Fernando Santana (PT); e Sobral, onde Oscar Rodrigues (União) venceu a disputa contra Izolda Cela (PSB), indicada por Ivo Gomes (PSB) para a sucessão.
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Derrota em Sobral
Após um ciclo de poder de quase 30 anos em Sobral, os Ferreira Gomes sofreram uma derrota nas urnas e amargaram a ascensão da oposição no município. O sucessor de Ivo Gomes no mandato de 2025 a 2028 será Oscar Rodrigues, adversário direto nas eleições de 2020. Ele derrotou a ex-governadora Izolda Cela no pleito por uma diferença de quase 5 pontos percentuais.
A hegemonia na cidade foi retomada por Cid Gomes em 1996, na eleição para prefeito – hoje, ele é senador pelo PSB. Nos anos seguintes, ele se reelegeu ao governo municipal e emplacou, em sequência, três aliados no cargo, como o próprio Ivo. Mas antes disso, teve tio-bisavô, bisavô, tio-avô e o pai, José Euclides Ferreira Gomes, como prefeitos de Sobral.
Por esses e outros motivos, uma derrota como a que se observou no último mês de outubro impactou o grupo político baseado na região, que já havia se beneficiado da adesão do eleitorado em voos maiores nos Poderes. Além disso, o revés vem em um momento de rompimento entre os principais expoentes da família, Cid e o ex-ministro Ciro Gomes.
Mas para Cid, a derrota é natural. “Às vezes, o poder cansa. [...] Faz parte da democracia. Eu não vou reclamar das urnas, não vou reclamar do sistema eletrônico, não vou dizer que houve fraude, eu tenho que ter humildade de reconhecer, aceitar e agradecer a todos que estiveram conosco, que não foram poucos”, comentou o senador, no fim de outubro.