“Existe diferença entre resíduo e rejeito”: só com esse entendimento, a geóloga Sara Ferreira, 25, descontrói o que o senso comum entende por “lixo” e joga luz sobre um dos problemas mais invisibilizados e negligenciados do Brasil, ainda que esteja tão entranhado à rotina.
A maioria das pessoas não se dá conta, mas a literatura indica que, da nossa produção diária de lixo, 50% são resíduos orgânicos e 30% são recicláveis. Ou seja, 80% do que costumamos descartar aleatoriamente pode ser recuperado, reaproveitado e gerar emprego e renda.
Só há alguns anos, com as discussões sobre as consequências dos lixões a céu aberto e o apelo da Organização das Nações Unidas (ONU) a líderes mundiais para o cumprimento de objetivos de desenvolvimento sustentável até 2030, incluindo a diminuição da produção de resíduos e o fomento à reciclagem, é que a gestão dos resíduos sólidos ganhou mais espaço no debate político e pressionou a ação de gestores, legisladores e fiscalizadores públicos.
Foi então que o lixo se tornou uma moeda de troca valorosa e passou a protagonizar diversas disputas políticas. Como a que atualmente balança Fortaleza, que é a possibilidade de criação de uma nova taxa pública para arcar com os serviços de limpeza urbana e inovações na área.
Nesta reportagem, que é a primeira de uma série do Diário do Nordeste sobre gestão de resíduos sólidos, vamos mostrar os caminhos do lixo na Capital, explicar os custos envolvidos nesse processo, destacar o que ainda impede que Fortaleza seja uma cidade limpa e contar os bastidores políticos do projeto municipal que cria a ‘taxa do lixo’. Na terça-feira (25), vamos ampliar essa discussão para o Ceará.
Caminhos do lixo
Por dia, de acordo uma estimativa da Prefeitura, cada fortalezense produz, em média, 1,6 quilos (kg) de lixo, entre recicláveis, orgânicos e rejeitos — que não é mais possível reaproveitar.
Essa média é maior que a nacional. Segundo a última pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), cada brasileiro produz diariamente 1,07 kg de lixo. Além disso, o estudo demonstra que essa quantidade aumentou significativamente depois da pandemia de Covid-19, quando as pessoas tiveram de passar mais tempo em casa devido às medidas preventivas de isolamento e distanciamento social.
Na Capital, os resíduos domésticos são recolhidos três vezes por semana por trabalhadores terceirizados em rotas de caminhão. Há, ainda, os catadores, que passam de porta em porta em busca de materiais possíveis de vender e reciclar, como papéis, papelões e jornais.
Os 90 ecopontos distribuídos nas 12 regionais da Cidade também recebem materiais como pequenas proporções de entulho, restos de poda, móveis e estofados velhos, além de óleo de cozinha, papelão, plásticos, vidros e metais.
Só em 2021, as estruturas recolheram 143 mil toneladas de resíduos, uma média de 11,9 mil toneladas por mês e de quase 400 toneladas por dia, segundo a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP).
Já o lixo considerado “público”, ou seja, as podas, os entulhos e os resíduos despejados irregularmente em terrenos baldios, canteiros centrais, canais, rios e lagoas, é recolhido pela coleta especial urbana, executada pela Secretaria da Gestão Regional (Seger). Esse serviço também é o que deve manter limpos bueiros e bocas de lobo.
Uma vez recolhido o lixo, cabe também à Prefeitura direcionar os resíduos para as destinações adequadas: entulhos e restos de obra são reutilizados na manutenção e pavimentação de vias do Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia (Asmoc); recicláveis, restos de móveis velhos e podas são reutilizados no Mercado de Recicláveis e o lixo hospitalar é incinerado no Centro de Tratamento de Resíduos Perigosos (CTRP).
No entanto, por ainda não haver uma cultura consolidada de separação do lixo, muitos dos resíduos que poderiam ir para reciclagem ou mesmo para projetos de compostagem — processo biológico que recicla matéria orgânica — e de biogás — biocombustível também produzido a partir da decomposição de resíduos — acabam sendo levados indevidamente para o aterro sanitário, provocando graves prejuízos ambientais e, também, financeiros à Cidade.
Onde mais estão os problemas?
O vereador Gabriel Aguiar (Psol), que também é biólogo e ativista ambiental, aponta que dois dos principais problemas da Capital na gestão dos resíduos sólidos são a permanência de pontos históricos de lixo e o baixo índice de reciclagem, que, atualmente, está em 9%.
Para o parlamentar, há duas saídas: no primeiro caso, em vez de “enxugar gelo” limpando sempre os mesmos pontos, caberia a implantação de uma estratégia integrada envolvendo a criação de mais estruturas adequadas para depósito de resíduos, campanhas de educação ambiental e fiscalização, principalmente sobre os grandes geradores de resíduos sólidos.
Já no segundo contexto, continua Gabriel, é necessário estimular a reciclagem e o reaproveitamento de resíduos com a inclusão e o protagonismo da rede de catadores.
Sobre a destinação incorreta de resíduos orgânicos, que permanece sendo feita por falta de política pública direcionada, tramita na Câmara Municipal desde 2018 um projeto de lei (PL 382/18) da vereadora Larissa Gaspar (PT) que proíbe a incineração e a destinação desse tipo de resíduo ao aterro sanitário e institui, no lugar, a adoção de práticas de compostagem.
Conforme o sistema virtual da Câmara, a matéria tramitou pela última vez em abril de 2021 e já está com sua redação final concluída. Porém, o mesmo sistema indica que ela ainda não foi votada pela Casa.
Tarifa do lixo
Às vésperas do último recesso parlamentar, a Prefeitura de Fortaleza enviou à Câmara Municipal um projeto de lei para ser votado em regime de urgência. Se tratava do PL 711/21, que cria o programa ‘Fortaleza, Cidade Limpa’ — uma atualização do plano municipal de gestão dos resíduos sólidos — e autoriza a cobrança de uma tarifa pela coleta do lixo.
Mesmo enfrentando forte resistência da bancada de oposição ao Governo, o projeto foi aprovado em dezembro pela Casa com 26 votos favoráveis e 16 contrários.
Contudo, tanto entre os parlamentares quanto na sociedade, surgiram diversas dúvidas: No que consiste o programa? Que tipo de inovação ele agrega ao que já existe? Por que foi votado às pressas? E por que a Prefeitura quer, agora, taxar um serviço que há anos é bancado pelo próprio executivo municipal, com recursos provenientes dos impostos pagos?
O texto enviado pelo prefeito José Sarto (PDT) à Câmara tem duas páginas e meia. No primeiro artigo, cita que o novo programa de gestão de resíduos sólidos da Cidade deve focar em práticas participativas, uso de tecnologias apropriadas na destinação final do lixo, estímulo ao desenvolvimento do Mercado de Recicláveis, com apoio à rede de catadores, expansão de ecopontos e inclusão da educação ambiental na rede pública de ensino.
O restante do documento foca na autorização da cobrança da tarifa e dá alguns detalhamentos sobre ela, mas não explica, por exemplo, como será calculado o valor, como será feita a arrecadação e como o dinheiro será aplicado.
Também não há uma justificativa consistente para a Prefeitura impor a tarifa e ainda não se sabe para onde, exatamente, será destinado o dinheiro que, hoje, é investido pelo Executivo municipal na prestação do serviço.
A promessa da gestão Sarto é de apresentar a íntegra das propostas — tanto de alteração da gestão dos resíduos quanto da taxa do lixo — apenas no segundo semestre deste ano.
Nova conta pública
O vereador Guilherme Sampaio (PT), um dos que votaram contra o projeto, critica veementemente a forma como a Prefeitura e sua base na Câmara conduziram a votação.
Para o parlamentar, antes de cogitar taxar a coleta do lixo, o Governo deveria ter apresentado sua proposta de reformulação da gestão dos resíduos sólidos. “O que se viu, na prática, foi, em dez dias, a Prefeitura começar (o debate) pela criação de uma nova conta a ser paga pela população sem dizer os serviços que serão prestados e se justificam a criação de uma nova conta”, pontua.
Além disso, Guilherme classifica a iniciativa como “inoportuna”, visto que a população ainda sofre os impactos da crise econômica agravada pela pandemia de Covid-19. “É absolutamente injustificável, no panorama que ainda estamos vivendo, que a Prefeitura crie uma conta que vai onerar o orçamento doméstico”.
Também pensa assim Gabriel Aguiar, outro parlamentar que se opôs à proposta de Sarto.
“A Prefeitura deveria ter apresentado à Câmara, junto ou antes, a regulamentação, o detalhamento. Às escuras, não tem como votar favorável. Um projeto tão importante deveria ter sido feito com bem mais diálogo. Sobretudo nesse momento da pandemia, em que o trabalhador está num aperto grande, em situação de vulnerabilidade, chegar a notícia de mais uma taxa é inaceitável”, afirma. Além disso, Gabriel conta que a tramitação da matéria na Casa, sem espaço para debate, frustrou os vereadores.
“É um projeto que, por ser complexo, tem pontos muito negativos e pode ter pontos muito positivos também, mas nem sequer foi dado aos parlamentares a oportunidade de discutir. Nem sequer foi dada a oportunidade de compreender”, critica o vereador.
O Diário do Nordeste tentou contato por telefone com o líder do Governo na Câmara, o vereador Gardel Rolim (PDT), para discutir por que a tramitação da matéria aconteceu às pressas e por que não foi apresentado antes à Casa o novo projeto de gestão do lixo, mas não conseguiu retorno do parlamentar nem de sua assessoria até o fechamento desta reportagem. Também foi buscado contato por telefone com os vereadores Léo Couto (PDT), vice-líder do Governo, e com o vereador Adail Júnior (PDT). Sem sucesso.
A taxa do lixo tem previsão legal?
Embora tenha enviado à Câmara Municipal um único documento para tratar de dois assuntos, a Prefeitura entende o novo plano de manejo dos resíduos sólidos e a taxa do lixo como pautas distintas.
Ao Diário do Nordeste, no início do mês, o presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), Luiz Alberto Sabóia, disse que a taxa se deve ao Novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado em 2020, que obriga municípios a apresentarem modelos de sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de limpeza.
“O serviço só é sustentável se gerar receita para cobrir os custos. Como no caso da água, da energia. E há uma determinação legal que nós, como Cidade, temos que obedecer, cumprir, sob pena de correr por improbidade administrativa”, argumenta o gestor.
O vereador Guilherme Sampaio discorda. Ele entende que, apesar de o artigo 35 da lei federal prever a possibilidade de cobrança de taxas ou tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana, há, também, a previsão de não cobrança desses valores, uma vez que a Prefeitura opte por renunciar à receita.
Art. 35. As taxas ou as tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos considerarão a destinação adequada dos resíduos coletados e o nível de renda da população da área atendida, de forma isolada ou combinada, e poderão, ainda, considerar:
II - as características dos lotes e as áreas que podem ser neles edificadas;
IV - o consumo de água;
V - a frequência de coleta.
§ 1º Na hipótese de prestação de serviço sob regime de delegação, a cobrança de taxas ou tarifas poderá ser realizada na fatura de consumo de outros serviços públicos, com a anuência da prestadora do serviço.
“Não é verdade que as prefeituras são obrigadas a cobrar a tarifa do lixo. Tanto que muitas não cobrarão e outras nem sequer enviaram às câmaras municipais qualquer matéria a respeito disso”, contrapõe Guilherme.
O parágrafo segundo do artigo 35 do Novo Marco do Saneamento Básico diz que, se a Prefeitura renunciar à receita, deve comprovar ter condições de arcar com o serviço.
§ 2º A não proposição de instrumento de cobrança pelo titular do serviço nos termos deste artigo, no prazo de 12 (doze) meses de vigência desta Lei, configura renúncia de receita e exigirá a comprovação de atendimento, pelo titular do serviço, do disposto no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, observadas as penalidades constantes da referida legislação no caso de eventual descumprimento.
Atualmente, conforme a Prefeitura, a limpeza urbana da Capital custa em torno de R$ 25 milhões mensais, que são retirados do tesouro municipal, mantido pela arrecadação de impostos. O serviço envolve coleta domiciliar, coleta especial, varrição, capina, manutenção de ecopontos e operação de aterro sanitário.
Na taxa do lixo, devem entrar “somente” a coleta domiciliar e a manutenção dos ecopontos e do aterro, o que deve gerar a arrecadação de uma nova receita de R$ 15 milhões por mês.
Para a promotora de Justiça Jacqueline Faustino, coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caomace) do Ministério Público do Ceará (MPCE), se uma prefeitura já consegue custear os serviços de limpeza, não há por que criar uma nova taxa.
Sem entrar no contexto específico de Fortaleza, a promotora explica:
(O Novo Marco) não quer dizer que a legislação está mandando que cada município crie um novo tributo. O que traz é a necessidade de que esse serviço (de limpeza pública) tenha uma sustentabilidade econômica. Se já vinha sendo feito de forma economicamente viável e sustentável, deve permanecer sem nenhuma alteração. Se, ao contrário, não tinha essa sustentabilidade, então, o município deve desenvolver um estudo em que demonstre a necessidade de que isso seja modificado”.
Proposta da Prefeitura
Por mais que o ‘Fortaleza, Cidade Limpa’ esteja em elaboração por técnicos da Prefeitura, Luiz Alberto Sabóia, presidente da Citinova, adianta que a principal intenção da gestão com o programa é, em oito anos, elevar de 9% para 50% o índice de reciclagem da Cidade.
Isso deve ser feito, segundo Sabóia, com estímulo à rede de catadores, ampliação de estruturas para recebimento voluntário de resíduos e envolvimento direto da sociedade civil.
Saiba quais são as outras ideias em estudo:
- Criação de uma fonte de renda mensal para catadores, a exemplo do Auxílio Catador do Governo do Ceará, bem como distribuição de triciclos para coleta de resíduos e compartilhamento total ou parcial dos materiais recicláveis recebidos nos ecopontos;
- Ampliação da rede de ecopontos, com, também, mini ecopontos, “ilhas ecológicas” e “ecomóveis”, que serão ecopontos itinerantes;
- Transformação de pontos históricos de lixo em estruturas adequadas para receber resíduos sólidos, podendo utilizar lixeiras subterrâneas com dispositivos tecnológicos para avisar à coleta especial urbana quando enchessem;
- Destinação de resíduos orgânicos para compostagem, produção de biogás e outras iniciativas semelhantes;
- Inserção da disciplina de educação ambiental na grade curricular da rede municipal;
- Campanhas massivas de comunicação para estimular a separação correta do lixo.
Sabóia acredita que, com essas estratégias, Fortaleza se alinha a boas práticas de gestão dos resíduos sólidos, passa a compreender o lixo como fonte de renda, especialmente para os trabalhadores que vivem disso, e atrai o engajamento de quem ainda não faz coleta seletiva.
Tanto que se estuda a possibilidade de que a taxa do lixo seja reduzida ou até mesmo zerada dependendo da quantidade de recicláveis doados pelos contribuintes aos ecopontos, mini ecopontos, ecomóveis e ilhas ecológicas, nos moldes dos programas Recicla Fortaleza e E-Carroceiro, que convertem os resíduos levados em descontos na conta de energia e créditos para serem utilizados em estabelecimentos comerciais cadastrados de cada região.
A realidade dos catadores
Mas, enquanto não há uma definição sobre como a rede de catadores será incluída na remodelagem da gestão do lixo em Fortaleza, os trabalhadores seguem sem expectativas de melhorias.
Lucimar Teixeira, coordenadora da Associação de Catadores do Jangurussu (Ascajan), conta que a atual gestão municipal ainda não se aproximou da rede para ouvir suas demandas.
Nos últimos dias, inclusive, a Ascajan perdeu os dois motoristas que eram pagos pelo poder público para dirigir os caminhões que transportavam os materiais recolhidos pelos catadores.
O que tem ajudado são os dois triciclos que a associação recebeu do Executivo municipal. “Antes, os meninos usavam carroça. Se uma carroça faz três viagens, a bicicleta faz seis”, compara a gestora. Por quinzena, a Ascajan consegue reunir cerca de 14 toneladas de recicláveis para vender. Isso garante a Lucimar, por exemplo, uma renda de quase um salário mínimo (R$ 1.212), que ela complementa com o Auxílio Brasil, antigo Bolsa Família.
“Tinham que olhar mais pra gente. Não olham. Tem muita empresa, indústria, que dava pra doar seu material (reciclável para os catadores) e não doa, prefere vender. Como agora, que botaram os ecopontos. ‘Lascou’ muito a gente. O que levam pra lá podiam doar pra gente, mas (a Prefeitura) prefere vender”, compartilha Lucimar, compartilha Lucimar.
Uma das metas da Prefeitura com a nova proposta de gestão é repassar parcial ou totalmente os materiais recicláveis recebidos nos Ecopontos para as associações de catadores.
Musa Mendes, presidente da Associação Rosa Virgínia, no Parque Santa Rosa, acrescenta que todos os três galpões ocupados pelas 15 associações de catadores da Capital estão precisando de manutenção. Além disso, ela acredita que há uma grande demanda reprimida de reciclagem na Cidade, que poderia ser resolvida com estímulo ao trabalho dos catadores.
“Temos uma demanda muito reprimida por falta de logística de coleta (de recicláveis). Se tivéssemos mais condições de trabalho, melhoria nos espaços (de atuação) e transporte (adequado), dobraria a quantidade de resíduos coletados e isso traria aproveitamento pra indústria da reciclagem, gerando renda, também, pra nós”, explica a presidente.
Em média, com a coleta porta a porta, os catadores arrecadam R$ 700 mensais. Alguns complementam essa renda com o Auxílio Brasil e outros recebem o Auxílio Catador do Governo do Estado.
Pessoalmente, Musa acha a cobrança da taxa do lixo em Fortaleza “uma loucura”, especialmente por ser um serviço essencial. No entanto, ela acredita que, se a taxa servir para alavancar a coleta seletiva na Cidade, estimulando a separação correta do lixo e a destinação dos materiais recicláveis aos catadores, é possível enxergar benefício na tarifa.
“Que a Prefeitura abra canais de diálogo com a rede de catadores. A gente precisa do poder público e o poder público precisa da nossa mão de obra”, conclui a representante.
Quando a sociedade se engaja
A geóloga Sara Ferreira, citada no início desta reportagem, tenta descartar para a coleta domiciliar o mínimo possível. Ela conta que há uma década, pelo menos, faz a separação correta dos resíduos que produz e doa para a rede de catadores o que pode ser reciclado. “O que sei que eles não conseguem vender, deixo na minha casa”, compartilha.
Recentemente, Sara aprendeu a fazer a compostagem caseira dos resíduos orgânicos que produz e utiliza o material para adubar as plantas que começou a cultivar no início da pandemia de Covid-19, quando passou a ter mais tempo em casa.
“Comecei a ter a composteira há um ano e meio, quando vi que o resíduo orgânico é o que a gente mais tem em casa, que precisa de uma atenção maior e que a gente pode evitar que vá pro aterro, que é um lugar que a gente não sabe [se faz a destinação correta]”, explica.
Entendendo os resíduos como algo de valor agregado, diferentemente do rejeito, a geóloga acredita que a sociedade ainda não tomou para si a responsabilidade sobre o lixo que produz e que não há uma consciência coletiva sobre os impactos econômicos e ambientais dessa gestão, que deve ser compartilhada com o poder público e não “terceirizada”.
A gente, às vezes, não tem consciência de pra onde vai nosso lixo. A gente só joga e acha que vai pra algum lugar, mas que lugar é esse? Como está esse lugar? As consequências desse lixo que vai pra sei lá onde vão chegar na gente de alguma forma”.
No prédio onde mora a coordenadora pedagógica Mirna de Sá Barreto, 49, os condôminos tiveram a iniciativa de separar os resíduos recicláveis e juntar numa lixeira específica. Rotineiramente, ela conta, um catador vai ao prédio para recolher esses materiais e dar a eles a destinação correta.
Apesar de ainda não conseguir fazer compostagem em casa, Mirna diz que costuma juntar a borra do café que passa todos os dias para doar a um permacultor que a utiliza como adubo.