Entenda o que acontece com a taxa do lixo após sanção do prefeito de Fortaleza e quais as pendências

A cobrança foi criada, mas artigos que previam isenção acabaram derrubados; uma nova proposta enviada pela Prefeitura à Câmara

A criação da taxa do lixo em Fortaleza foi sancionada nesta quarta-feira (21), pelo prefeito José Sarto (PDT). Aprovada apenas um dia antes, a votação para criar a taxa rachou a base do prefeito na Câmara de Fortaleza, foi alvo de protestos da população e precisará de um novo projeto para tentar diminuir a fatia da população afetada, já que - da forma como foi aprovada - ninguém é isento da taxa. 

Contudo, o início da cobrança só deve ocorrer daqui há, pelo menos, 90 dias. Ontem, o prefeito já enviou para Câmara um novo projeto que inclui as isenções. Ainda não há, no entanto, data para nova votação. A Câmara está em recesso parlamentar. 

A discussão do novo projeto não deve ser fácil, no entanto. A taxa do lixo foi aprovada em uma votação apertada, com 20 votos favoráveis e 18 contrários. Entre os críticos da matéria, estão vereadores não apenas da base aliada à Prefeitura, como do próprio partido de Sarto. 

Além da articulação no Legislativo, a discussão deve se estender ainda para o campo judicial. Vereadores contrários à taxa do lixo levaram os questionamentos quanto à criação da cobrança à Justiça, apontando supostas ilegalidades no processo de tramitação do projeto de lei na Câmara. 

Para entender os impasses, o Diário do Nordeste reúne as principais informações sobre o novo tributo na Capital.

Cálculo da taxa do lixo

A Prefeitura irá calcular a taxa de lixo a partir da área de cada imóvel em Fortaleza. Para isso, foi estabelecido um valor-base a partir da divisão dos custos com o sistema de coleta de resíduos – que soma R$ 350 milhões por ano – pelos metros quadrados edificados na cidade.

Assim, o valor-base será de R$ 3,64 por metro quadrado a cada ano. Assim, para saber quanto cada imóvel irá pagar de taxa de lixo, basta multiplicar o valor-base pela área do imóvel.

A taxa mínima a ser paga em Fortaleza, caso o projeto seja aprovado, é de R$ 21,50 por mês – um total de R$ 258 anual. Também foi estabelecido uma taxa máxima para a cobrança, que será de R$ 133,23 por mês – ou R$ 1.598,76 ao ano. 

Quem deve pagar

Presidente da Citinova, Luiz Alberto Sabóia afirmou, em entrevista no início de dezembro, que a taxa do lixo deve ser paga por "pessoas que utilizam o serviço ou que potencialmente podem utilizar".

A cobrança será feita sempre do proprietário do imóvel, embora seja possível, em casos que o espaço esteja alugado, para que a responsabilidade pelo pagamento seja do locatário. 

Para a cobrança da taxa consideram-se as três categorias de imóvel, segundo a Planta Genérica de Valores Imobiliários (PGVI) da cidade. O documento é elaborado periodicamente pela Prefeitura de Fortaleza e usado como base para a definição de outras políticas públicas. 

Neste documento, são definidas três categorias: residencial, não residencial e terrenos. Imóveis residenciais e não residenciais – que incluem, por exemplo, comércios e indústrias – seguem as mesmas regras. 

Contudo, no caso dos não residenciais, só será cobrada a taxa daqueles que produzem até 100 litros de lixo comum por dia ou 50 litros de lixo da construção civil. Ao ultrapassar esse valor, o empreendimento é considerado um grande gerador e deve pagar por um sistema coletivo próprio. 

Tramitação na Câmara Municipal

Essa não é a primeira vez que a criação da taxa do lixo é discutida durante a gestão Sarto. Projeto de lei enviado pelo atual prefeito de Fortaleza para a Câmara Municipal e aprovado no final de 2021 já antecipava essa cobrança. 

A projeção era de que um novo texto seria enviado até junho de 2022, detalhando a criação da taxa. Contudo, o envio acabou sendo adiado pela Prefeitura e o projeto chegou à Casa apenas no início de dezembro. 

Em meio a protestos durante as sessões na Câmara Municipal, parlamentares aprovaram emendas para tentar diminuir a resistência ao projeto. Enquanto, no texto original, a previsão era de que 29% dos imóveis de Fortaleza tivessem isenção da cobrança, mudanças feitas pelos parlamentares aumentaram o percentual para quase 70%. 

"Praticamente é uma nova mensagem que está lá. No início, era de isenção de 30% dos imóveis, já está em 70% dos imóveis", declarou o prefeito após encontro de lideranças do PDT com o governador eleito Elmano de Freitas (PT), na última sexta-feira (16). 

A metodologia escolhida pela Prefeitura de Fortaleza para a cobrança da taxa do lixo foi baseá-la na área dos imóveis. A princípio, seriam isentos imóveis residenciais que estivessem classificados como padrão baixo ou padrão normal. 

Contudo, as mudanças aprovadas pela Câmara Municipal ampliaram essa isenção, por exemplo, para pessoas registradas no Cadastro Único (CadÚnico) – sistema onde estão detalhados os beneficiários de auxílios governamentais. 

Imóveis de templos religiosos ou onde estão instalados sindicatos ou entidades de categoria também estariam isentos, segundo as emendas. Também ficou prevista a supressão de algumas cobranças, como no caso de imóveis classificados como "terrenos". 

Polêmica na votação

Apesar do aumento dos casos previstos nas regras para isenção da taxa do lixo em Fortaleza, o projeto para criar a cobrança continuou sendo alvo de protestos de manifestantes. Por conta disso, muitos parlamentares dentro da base aliada mostravam, nos bastidores, desconforto para votar a matéria. 

Vereadores da oposição denunciaram suposta pressão política feita a parlamentares da base, inclusive com exoneração de pessoas da gestão ligadas a alguns vereadores. Contrário à criação da taxa do lixo, o vereador Léo Couto chegou a entregar a vice-liderança do governo na Casa. 

A informação é de que o prefeito Sarto já pretendia tirá-lo da função, antes do parlamentar anunciar a saída na tribuna da Casa. "Divergindo do projeto, não tem condições de ser vice-líder", afirmou o prefeito sobre Léo Couto. 

Algumas mudanças também foram feitas entre os parlamentares em exercício. Raimundo Filho (PDT), que havia assumido o comando da Secretaria Regional 11 desde o início da gestão Sarto, retornou à Casa, enquanto o vereador German He-Man (PMB) deu lugar ao suplente Stelio Frota (PMB).

No mesmo dia em que a criação da taxa do lixo foi pautada, na última terça-feira (20), o terceiro suplente do PSB, Ésio Feitosa, assumiu o mandato de Fábio Rubens (PSB). A posse foi, inclusive, criticada por vereadores da oposição no início da sessão extraordinária em que a criação do lixo foi votada - que pediram a suspensão da votação alegando "ilegalidades" no processo. 

Criada taxa do lixo, mas sem isenções

Um dia antes de entrar em recesso, a Câmara Municipal convocou sessão extraordinária para a votação do projeto de lei que cria a taxa do lixo. Apesar dos protestos desde cedo na Casa, o momento de votação ocorreu apenas a partir das 16h30 da última terça-feira (20). 

Dos 43 vereadores, apenas dois faltaram à votação: Ronivaldo Maia (sem partido) e Tia Francisca (PL). Vereadores da oposição tentaram suspender a sessão, mas sem sucesso. 

A votação ocorreu em separado: primeiro foi votado o texto-base da proposta e dois artigos, que tratam das isenções, foram destacados para votação em separado. 

Isso também foi criticado pelos parlamentares opositores da gestão Sarto, que afirmaram que propostas que tratam de isenção precisam de quórum qualificado – equivalente a 29 parlamentares. Já o projeto de lei que criava a taxa exigia apenas maioria simples para ser aprovado. 

Com uma diferença de apenas dois votos, foi aprovada a criação da taxa do lixo. No total, 20 vereadores aprovaram a implementação da nova cobrança, enquanto 18 foram contrários. Outros dois vereadores se abstiveram. 

Na sequência, foram colocados em votação os artigos 10 e 11 do projeto, onde estavam previstas as isenções e as não incidências da taxa do lixo. Contudo, os vereadores que votaram contra a taxa se retiraram do plenário, travando a votação. A base do Governo não conseguiu os 29 votos necessários para a votação, o que acabou derrubando estes trechos. 

"Nesse texto de destaque, apesar de aparentar que uma parcela da população seria beneficiada, nós estaríamos concordando que outra parcela da população deve pagar a taxa do lixo, nós não concordamos com isso", ressaltou Sargento Reginauro, que integra a oposição.

Vereadores aliados do prefeito não quiseram se posicionar sobre a situação após a votação da última terça-feira (20).

Sarto anuncia nova proposta

Depois de aprovado o texto-base da taxa de lixo e após parlamentares da oposição terem travado a votação dos destaques, o que derrubou os dois artigos da proposta que tratavam de quem seria isento da cobrança, o prefeito de Fortaleza, José Sarto, anunciou, ainda na noite de terça-feira (20), que enviaria um novo projeto de taxação do lixo na Capital.

"Lamento que 16 vereadores tenham se unido para derrubar as emendas que garantiam isenções à taxa do lixo para 70% das residências de Fortaleza, sobretudo para a população mais carente atendida por programas sociais”, escreveu o prefeito. 

O projeto foi enviado ainda na quarta-feira (21). "Enviei à Câmara Municipal o projeto de lei que garante isenção à taxa do lixo para a população mais vulnerável atendida por programas sociais, além de 70% de todos os imóveis de Fortaleza", escreveu o prefeito nas redes sociais.

O novo projeto anunciado pelo prefeito não anula a proposta já aprovada na Câmara, ela altera artigos da legislação para ampliar a faixa de isenção, o que antes seria feito pelas emendas dos vereadores.

Judicialização

A discussão sobre a taxa do lixo não deve permanecer apenas no âmbito do Legislativo e do Executivo municipal. Dez vereadores impetraram, nesta quarta-feira (21), um mandato de segurança contra "as violações do Regimento da Câmara Municipal de Fortaleza cometidas no curso do trâmite do processo legislativo" do projeto de lei que cria a taxa do lixo, informa nota.

Os parlamentares citam alguns "pontos de ilegalidade" que, segundo eles, embasam a ação judicial:

  • a inexistência de análise de mérito pela Comissão de Política Urbana e Meio Ambiente, como determina o regimento; 
  • a contagem em dobro dos votos de vereadores na reunião da Comissão Conjunta de Constituição e Justiça e Orçamento; e
  • a inobservância do quórum de 2/3 para aprovação da matéria.

Eles pedem a anulação da tramitação do projeto de lei e que, até a decisão final, seja "sustada a tramitação" da proposta. O processo, no entanto, já foi encerrado na Câmara após a votação e sanção.

Assinam o mandado de segurança os vereadores Adriana Nossa Cara (Psol), Enfermeira Ana Paula (PDT), Carmelo Neto (PL), Danilo Lopes (Avante), Gabriel Aguiar (Psol), Guilherme Sampaio (PT), Inspetor Alberto (PL), Júlio Brizzi (PDT), Larissa Gaspar e Léo Couto (PSB).

Disputa antiga

A polêmica em torno da cobrança da taxa de lixo não é recente. Durante os anos 1990, a população da Capital chegou inclusive a pagar o encargo. À época, a cobrança começou a ser realizada em 1990 e só foi suspensa em 1998, em meio a protestos da população. 

A insatisfação começou porque a taxa era cobrada como parte do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), contudo, no último ano em que foi cobrada, a Prefeitura de Fortaleza resolveu desmembrar a cobrança, instituindo a Taxa de Coleta do Lixo (TCL). 

Conforme relembrou o Diário do Nordeste, o valor tomava como base o valor variável por área e padrão do imóvel, além do número de moradores. Além de manifestações nas ruas e na Câmara, a mudança provocou denúncias a órgãos de fiscalização e até um abaixo-assinado entregue ao então prefeito Juraci Magalhães.

A confusão chegou à Justiça, que suspendeu a cobrança. Contudo, no mesmo ano, o prefeito enviou uma nova proposta criando a Taxa de Resíduos Sólidos (TRS), que foi aprovada e a população chegou a pagar alguns boletos com o encargo. A nova investida inflamou mais protestos. 

Em maio de 1999, Juraci desistiu da nova taxa e cerca de 4 mil pessoas receberam a devolução dos valores pagos no ano seguinte. Em 2001, uma nova “tarifa do lixo” foi proposta, gerando novos debates e chegando à Justiça, que suspendeu a taxa em 2002.

Em julho de 2003, a suspensão foi derrubada na Justiça e a tarifa passou a ser novamente cobrada até dezembro daquele ano. Em 2006, já com a tarifa novamente suspensa, aqueles fortalezenses que haviam pagado a taxa três anos antes foram ressarcidos.