Cearense está entre intelectuais que assinam carta contra Elon Musk e em favor da soberania digital

O documento é assinado por intelectuais de países como Estados Unidos, França, Suíça e Espanha, além do Brasil. A professora Helena Martins, da Universidade Federal do Ceará, está entre elese

Helena Martins, professora do curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal do Ceará (UFC), compõe uma lista de aproximadamente 50 intelectuais de diferentes países que assinaram uma carta aberta contra o bilionário Elon Musk, dono do X, e em favor da soberania digital.

O documento foi divulgado nessa terça-feira (17) e conta, também, com o apoio de estudiosos de plataformas digitais e de seus impactos na economia de nações como Estados Unidos, França, Suíça e Espanha, além do Brasil.

"A disputa do Judiciário brasileiro com Elon Musk é o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade das nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos Estados Unidos", menciona a carta pública, que se posiciona contra "o ataque das big techs à soberania digital".

De acordo com o texto, que faz, ainda, um apelo para governos ao redor do mundo e para a Organização das Nações Unidas (ONU), o ambiente digital demanda acordos regulatórios internacionais e democraticamente decididos para não se tornar refém de grandes empresas de tecnologia que operam como "governantes", determinando o que será moderado ou promovido em suas plataformas.

"O caso brasileiro tornou-se o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico", continua a carta. Além de Helena Martins, também são signatários brasileiros do documento pesquisadores como Marcos Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Sérgio Amadeu da Silveira, da Universidade Federal do ABC.

Elon Musk e STF

Em agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu banir a rede social 'X' do Brasil por descumprimento de medidas judiciais que exigiram a suspensão de contas que instigaram ataques à democracia e contra o processo eleitoral — em 8 de janeiro do ano passado, a Praça dos Três Poderes da República, em Brasília, foi invadida e depredada em atos antidemocráticos insuflados nas redes sociais.

Além disso, dias antes do banimento, a plataforma fechou seu escritório no Brasil e retirou a sua representação legal no País.

Diante disso, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, exigiu que Elon Musk, dono da plataforma, indicasse seu representante legal e pagasse as dívidas de multas aplicadas pelo Supremo por desobediência de medidas judiciais. O bilionário, no entanto, acusou o magistrado de "censura" e se negou a acatar as ordens das autoridades brasileiras.

Na semana passada, as multas do 'X' no Brasil foram pagas, mas por determinação do STF, que bloqueou ativos tanto do 'X' como da empresa Starlink — também de Musk. O repasse de R$ 18,35 milhões para os cofres da União foi feito pelos bancos responsáveis pelo crédito de ambas as empresas no País.

Embora as multas tenham sido pagas, o 'X' ainda não tem permissão para operar no Brasil. Porém, nesta quarta-feira (18), a rede social fez uma mudança técnica com alteração de endereços IP que permitiu driblar o bloqueio judicial e voltou a funcionar para alguns usuários no País.

Para pesquisadora, Congresso ainda é 'resistente' em legislar sobre assunto

Em entrevista ao Diário do Nordeste, a professora Helena Martins, da UFC, disse acreditar que o caminho que o Brasil está seguindo no enfrentamento à desobediência do 'X' é "o caminho adequado com o que está acontecendo no mundo lá fora, mas é preciso muito mais" para garantir a soberania digital do País.

Segundo a pesquisadora, ainda há uma "enorme resistência do Congresso [Nacional]" no que diz respeito à legislação sobre o uso de Inteligência Artificial (IA), por exemplo, e ao freio às big techs. "Tem uma mudança de entendimento, mas, para essa mudança se tornar política publica, é preciso que haja uma mudança no Congresso", defende. Contudo, com a divulgação da carta assinada pelos estudiosos sobre o assunto, ela espera que haja "capacidade de escuta" por parte dos legisladores.

Leia a carta aberta dos intelectuais, na íntegra

"Carta Pública Contra o Ataque das Big Techs à Soberania Digital

Nós, os abaixo-assinados, desejamos expressar nossa profunda preocupação com os ataques em andamento por parte das Big Techs e seus aliados contra a soberania digital do Brasil. A disputa do Judiciário brasileiro com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade das nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos Estados Unidos.

No final de agosto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro baniu a plataforma X do ciberespaço brasileiro por não cumprir as decisões judiciais que exigiam a suspensão de contas que instigaram extremistas de direita a participar de motins e ocupar os palácios Legislativo, Judiciário e Governamental em 8 de janeiro de 2023.

Posteriormente, o presidente Lula da Silva deixou claro a intenção do governo brasileiro de buscar independência digital: diminuir a dependência do país de entidades estrangeiras para dados, capacidades de IA e infraestrutura digital, além de promover o desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos locais. De acordo com esses objetivos, o estado brasileiro também pretende forçar as Big Techs a pagar impostos justos, cumprir as leis locais e ser responsabilizadas pelas externalidades sociais de seus modelos de negócios, que muitas vezes promovem violência e desigualdade.

Esses esforços foram recebidos com ataques do proprietário da X e de líderes de direita que reclamam sobre democracia e liberdade de expressão. Mas precisamente porque o espaço digital carece de acordos regulatórios internacionais e democraticamente decididos, grandes empresas de tecnologia operam como governantes, decidindo o que deve ser moderado e o que deve ser promovido em suas plataformas.

Além disso, a plataforma X e outras empresas começaram a se organizar, junto com seus aliados dentro e fora do país, para minar iniciativas que visam a autonomia tecnológica do Brasil. Mais do que um aviso ao Brasil, suas ações enviam uma mensagem preocupante ao mundo: que países democráticos que buscam independência da dominação das Big Tech correm o risco de sofrerem interrupções em suas democracias, com algumas Big Techs apoiando movimentos e partidos de extrema-direita.

O caso brasileiro tornou-se o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico.

As empresas de tecnologia não apenas controlam o mundo digital, mas também fazem lobby e operam contra a capacidade do setor público de criar e manter uma agenda digital independente baseada em valores, necessidades e aspirações locais. Quando seus interesses financeiros estão em jogo, elas trabalham alegremente com governos autoritários. O que precisamos é de espaço digital suficiente para que os estados possam direcionar as tecnologias colocando as pessoas e o planeta à frente dos lucros privados ou do controle unilateral do estado.

Todos aqueles que defendem os valores democráticos devem apoiar o Brasil em sua busca pela soberania digital. Exigimos que as Big Techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, governança de dados e serviços de nuvem. Esses ataques minam não apenas os direitos dos cidadãos brasileiros, mas as aspirações mais amplas de todas as nações democráticas de alcançar a soberania tecnológica.

Também pedimos ao governo do Brasil que seja firme na implementação de sua agenda digital e denuncie as pressões contra ela. O sistema ONU e os governos ao redor do mundo devem apoiar esses esforços. Este é um momento decisivo para o mundo. Uma abordagem independente para recuperar a soberania digital e o controle sobre nossa esfera pública digital não pode esperar. Há também uma necessidade urgente de desenvolver, dentro do marco da ONU, os princípios básicos de regulamentação transnacional para o acesso e uso de serviços digitais, promovendo ecossistemas digitais que coloquem as pessoas e o planeta à frente dos lucros, para que esse campo de provas das Big Techs não se torne uma prática comum em outros territórios."

Veja a lista das primeiras assinaturas que constam no documento, em ordem alfabética

  1. Anita Gurumurthy, IT for Change
  2. Çag rı Çavuş, SOMO
  3. Assoc. Prof. Cecilia Rikap, University College London, IIPP and CONICET
  4. Prof. Ce dric Durand, University of Geneva
  5. Prof. C P Chandrasekhar, IDEAs and PERI, UMass
  6. Dr. Cory Doctorow (h.c.), author, activist, journalist.
  7. Prof. Cristina Caffarra, University College London, CEPR Competition RPN
  8. Prof. Daron Acemoglu, MIT Economics
  9. David Adler, Progressive International
  10. Ekaitz Cancela, Center for the Advancement of Infrastructural Imagination (CAII)
  11. Assoc Prof. Edemilson Parana , LUT University
  12. Prof. Emiliano Brancaccio, University of Sannio
  13. Dr. Evgeny Morozov, author and producer of “The Santiago Boys” and “A Sense of Rebellion”
  14. Assoc Prof. Francesca Bria, University College London, IIPP and Stifung Mercator
  15. Prof. Gabriel Zucman, Paris School of Economics and UC Berkeley
  16. Helena Martins, Federal University of Ceara
  17. Prof. Jason Hickel, ICTA-UAB and LSE
  18. Dr. Jathan Sadowski, Monash University
  19. Prof. Jayati Ghosh, University of Massachusetts Amherst, Deparment of Economics
  20. Dr. Joel Rabinovich, King’s College London
  21. Jose Graziano da Silva, Dir Gen Instituto Fome Zero-Zero Hunger Institute, former DG of FAO-UN
  22. Prof. Jose van Dijck, Utrecht University
  23. Prof. Juan Martı n Gran a, CONICET and Universidad Nacional de San Martı n
  24. Prof. Julia Cage , Sciences Po Paris, Department of Economics
  25. Prof. Marcela Amaro, Universidad Nacional Autonoma de Mexico
  26. Prof. Marcos Dantas, Universidade Federal do Rio de Janeiro
  27. Prof. Mariana Mazzucato, University College London, author of Mission Economy
  28. Prof. Margarita Olivera, Institute of Economics, Universidade Federal do Rio de Janeiro
  29. Margarida Silva, SOMO
  30. Maria Farrell, writer
  31. Marietje Schaake, Stanford University, author of "The Tech Coup"
  32. Prof. Martı n Becerra, CONICET and Universidad de Buenos Aires
  33. Prof. Martı n Guzman, School of International and Public Affairs (SIPA), Columbia University
  34. Nandini Chami, IT for Change
  35. Dr. Niall Reddy, Wits University
  36. Prof. Nick Couldry, London School of Economics
  37. Dr. Nick Srnicek, King’s College London
  38. Prof. Paola Ricaurte Quijano, Tecnolo gico de Monterrey
  39. Prof. Paolo Gerbaudo, Universidad Complutense de Madrid
  40. Paris Marx, Host of Tech Won't Save Us
  41. Prof. Phoebe Moore, University of Essex
  42. Dr. Raffaele Giammetti, University of Cassino and Southern Lazio
  43. Renata A vila, CEO - Open Knowledge Foundation, affiliated to CIS at CNRS France
  44. Robin Berjon - Governance Technologist
  45. Rodrigo Fernandez, SOMO
  46. Prof. Sergio Amadeu da Silveira - Federal University of ABC
  47. Prof. Shoshana Zuboff, Author “The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future
  48. at the New Frontier of Power"
  49. Sofı a Scasserra, Transnational Institute (TNI)
  50. Prof. Stefano Lucarelli, University of Bergamo
  51. Prof. Thomas Piketty, Paris School of Economics and EHESS
  52. Prof. Ulises Mejias, State University of New York
  53. Prof. Ugo Pagano, University of Siena
  54. Prof. Wolfgang Streeck, Max Planck Institute for the Study of Societies
  55. Yanis Varoufakis, General Secretary, MeRA25