Política perpetua violências ao se ocupar em tentar proibir banheiros para pessoas trans

A obsessão conservadora por discussões relacionadas a gênero e sexualidade tem apenas fins eleitorais

Que tipo de impacto um discurso político pode ter? 

Um grupo de vereadores vem se dedicando, em Fortaleza, a alimentar uma polêmica que envolve a existência de banheiros inclusivos. Após Inspetor Alberto (Pros) ter ido até o Cuca José Walter e arrancado uma placa que indicava a permissão de uso do local por pessoas trans, não-binárias e cisgêneros, o assunto tem sido, já há algumas semanas, pauta recorrente entre legisladores da Capital. 

Antes de virar alvo de investigação da Polícia Civil, o parlamentar fez questão de espetacularizar a cena. É para isso que ações do tipo servem aos autores.  

A performance é feita para as redes sociais. Ao agradar a militância virtual, ela dá visibilidade – uma visibilidade discutível, mas dá. É uma “satisfação” a um nicho a ser convertida em capital político. Na busca por votos, deturpar discussões que tenham alguma relação com gênero ou sexualidade é quase uma obsessão do que se denomina bolsonarismo. 

Foi assim quando um assessor parlamentar do deputado estadual André Fernandes (Republicanos) gravou um vídeo zombando da faixa de pedestres pintada no Centro de Sobral em alusão à bandeira do movimento LGBTQIA+.  

O lema “quem lacra, não lucra” também dominou as redes sociais de alguns políticos, inclusive cearenses, em reação a campanhas publicitárias de empresas que celebravam a diversidade. Mais recentemente, a onda a ser surfada na ala conservadora foi a guerra declarada ao anúncio da editora DC Comics de que, em futuras histórias em quadrinhos, o personagem do Super-Homem irá se revelar bissexual. 

Discurso se torna ação

Na esteira do caso dos vestiários da Rede Cuca, o discurso se tornou ação. Já foram protocolados dois projetos de lei na Câmara Municipal de Fortaleza e um na Assembleia Legislativa do Ceará que tentam impedir a destinação de banheiros para pessoas trans. Os argumentos são a institucionalização do preconceito.  

Dentre várias instituições que podem, sim, se manifestar no debate público a respeito do tema – e de como ele vem sendo tratado, do ponto de vista constitucional –, até o momento, apenas a Defensoria Pública do Ceará o fez. 

Como resultado, porém, despertou reações negativas de parlamentares, que entenderam o gesto como interferência, e deixaram transparecer que a pauta pode não ter apoio apenas entre os autodeclarados bolsonaristas. Essa e outras situações no Legislativo deixam à vista também progressistas de ocasião. 

Onde está o mesmo empenho para enfrentar absurdos e garantir direitos básicos ainda negados a milhares de cidadãos? Ao dar espaço a pautas do tipo e silenciar diante de tantos males sociais, a política, lamentavelmente, alimenta ações que excluem, violentam, matam.  

Escola no interior

Nesta semana, após a divulgação, na internet, de informações distorcidas sobre a liberação de uso de banheiros femininos por estudantes trans em uma escola de Mauriti, no interior do Estado, a instituição de ensino se viu obrigada a voltar atrás e disponibilizar uma terceira “opção” de banheiro, além do feminino e do masculino, “aos estudantes que manifestarem qualquer interesse e/ou que não se sintam à vontade em usar os banheiros tradicionais”, conforme nota divulgada pela direção do local. 

Mesmo ao ceder a pressões, contudo, a nota ressalta que “o debate sobre o tema continuará na escola e será ampliado de forma a envolver todos os organismos colegiados, sendo que qualquer decisão deverá ser tomada de forma coletiva e com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar”. 

A situação responde ao questionamento do início deste texto. Um discurso político que invisibiliza a solução de sofrimentos, na verdade, os perpetua. Fecha-se os olhos para muitos problemas enquanto a polêmica importa apenas pela próxima eleição e só.