No País da apuração das Forças Armadas e da violência política, quem resolve inflação e desemprego?

A sugestão de uma contagem de votos paralela e a hostilidade direcionada a Ciro Gomes, nesta semana, ocupam espaço num cenário pré-eleitoral em que faltam propostas

Numa mesma semana, dois episódios com ares nada novos escancaram, mais uma vez, um sinal de alerta para as eleições gerais que estão por vir: a sugestão de uma apuração paralela do pleito pelas Forças Armadas, verbalizada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (PL), e a hostilidade direcionada a outro pré-candidato ao Palácio do Planalto, Ciro Gomes (PDT), por apoiadores do chefe do Governo Federal. 

Não há como dissociar as duas situações. Embora aconteçam sob circunstâncias materialmente diferentes, estão imersas em um mesmo contexto. Há, aliás, certa dimensão de causa e efeito entre elas. Não no que diz respeito aos casos específicos, repito, mas ambas podem ser vistas como parte de uma ampla estratégia que parte da capital federal e, perigosamente, ecoa nas ruas País afora. 

Bolsonaro voltou a ganhar manchetes nos últimos dias quando, durante evento no Palácio do Planalto com parlamentares governistas, disse que as Forças Armadas sugeriram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que uma contagem paralela dos votos seja feita por militares. A proposta feita à Justiça Eleitoral, segundo o presidente, era que uma apuração própria pudesse ser feita por meio de um computador pertencente às Forças Armadas.  

No mesmo evento, Bolsonaro admitiu a desistência de uma outra bandeira que levantava até pouco tempo atrás – “não precisamos de voto impresso para garantir a lisura das eleições”, afirmou –, mas qualificou a sugestão do momento como uma “maneira para a gente confiar nas eleições”. 

As ofensivas contra a confiabilidade do sistema de votação brasileiro, reconhecida mundialmente inclusive por observadores internacionais, já fizeram o TSE se levantar contra sucessivas informações falsas espalhadas pelo presidente ao longo do mandato.  

Reações

Desta vez, enquanto o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte Eleitoral, preferiu o silêncio, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), saíram em defesa da segurança das urnas. Se sistemáticas são as tentativas de alimentar uma instabilidade ao processo eleitoral como conhecemos, também devem sê-lo as reações institucionais.

A esta altura, o País não ganha em nada com novos contornos de uma crise entre poderes. E não é de se esperar que a nova investida presidencial vingue nesta direção. Ao insistir na estratégia de descredibilizar instituições democráticas, Bolsonaro aposta muito mais na manutenção da proximidade do Governo com as Forças Armadas e na manutenção do capital político que tem junto a parte do eleitorado fiel a ele em ano eleitoral.

Soluções?

Mesmo assim, a ação do chefe do Executivo Federal, justamente pelo cargo que ocupa, tem também outros efeitos. A desconfiança, como parte de uma estratégia mais ampla, como já dito, alimenta radicalismos, que, como vimos nesta semana, podem culminar em episódios como o que envolveu os xingamentos sofridos por Ciro Gomes no interior de São Paulo.

Diante disso, há de se cobrar, sim, posicionamento – e ação – das instituições, mas também deveria ser compartilhado por todos o entendimento de que descredibilizar a apuração eleitoral e silenciar sobre violência política estão longe de resolver a inflação, o desemprego e tantos outros problemas que assolam o País. Com o debate pré-eleitoral em curso, têm sobrado tensionamentos, mas faltado propostas.