Você já parou pra pensar quanto Caetano Veloso há em você? Me perdi nesse pensamento quando fui arrebatado em seu último show, no dia 7 de agosto, na Cidade das Artes, Rio de Janeiro. Era a comemoração de seus 80 anos, transmitido pelo Multishow, e eu estava em meio a uma plateia recheada de artistas e, especialmente, amigos que Caetano colecionou ao longo da vida.
Percebi que tenho tanto de Caetano em mim… Como se misturado às moléculas do meu corpo, tivesse também músicas de Caê por todo ele. Impossível arrancar ou refugar. São letras e melodias entranhadas, que me marcaram, emocionaram, me forjaram e foram trilha sonora de momentos inesquecíveis. Deve ser um jeito bonito que ele encontrou de se fazer eterno.
Carnaval, pra mim, por exemplo, tem gosto de Atrás do Trio Elétrico. Já Tigresa, me remete ao dia que contracenei com Sônia Braga, em Bacurau. Sem contar com Não identificado, do mesmo filme. Três Travestis marcou meu espetáculo solo BR-Trans. E como esquecer de O quereres, da abertura de A Força do Querer, minha primeira novela? E Alegria, Alegria, um marco na história do Brasil. Caetano reinventou o país em plena ditadura.
Em seu show, que foi apresentado pela deusa Iza, Caetano abriu a noite com Como 2 e 2 e a partir dos primeiros acordes, da primeira nota de sua voz, que continua encantadora, somos levados a um passeio por nós mesmos, uma espécie de mergulho de autoconhecimento. Era aniversário dele, com canções que percorreram sua vida e sua arte, mas parecia tanto sobre nós, sobre nossas vidas, nossos amores, nossos desejos…
O repertório ali entoado desfilava diante dos nossos olhos a grandiosidade da obra desse artista que fala sobre política, sociedade, crítica, alegria e amor. Caetano é força e leveza na mesma medida. Seu sorriso largo quando canta nos faz derreter-se de paixão. Sua voz percorre o doce e o profundo, o grave e o agudo, o feminino e o masculino, o divino, o profano e o maravilhoso.
A cada canção era possível ver lágrimas, fungadas e soluços pela plateia, sem que isso fosse uma comoção generalizada; era íntima, individual, pontual, chegando em cada espectador de uma forma diferente. Talvez remetendo a um momento, um amor, uma viagem, uma ideologia, uma esperança.
Quando já estávamos rendidos a esse deleite de ouvir suas novas e antigas composições, Caetano traz ao palco a abelha rainha Bethânia, homenageia a mãe, Dona Canô, e faz tributo a Paulinho da Viola, Milton Nascimento e Gilberto Gil, sendo este último também um espectador daquela noite.
Não satisfeito, Caetano ainda nos entregou suas paixões, suas mulheres, seus homens, seus amores e seus filhos. Tom Veloso suspendeu o tempo com seu Sopro do Fole, acompanhado da tia. Moreno transformou a plateia em uma grande onda que cantou em coro Deusa do Amor. Já Zeca emocionou o pai e a todos nós com Falta.
Por fim, sem ninguém querer ir embora, Caetano, Bethânia, Tom, Moreno e Zeca retornaram ao palco para nos fazer, de pé, gritar por Tieta e, assim, sairmos do teatro em estado de êxtase, de comoção, em uma noite inacreditável, com a certeza de que há muito Caetano em nós.
E eu, depois de ver aquele menino de 80 anos no palco, leonino leãozinho, acho que, finalmente, entendi porquê Caetano virou verbo: Caetanear é viver! Viva Caetano!
* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor