Em 2023, o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), completará 35 anos de carreira política. Foi vereador da Capital por dois mandatos, deputado estadual por sete e tem pela frente um ano importante para o legado que pretende deixar como político. Eleito em 2020 para o Executivo, em uma acirrada disputa de 2º turno, o pedetista chega à metade do mandato após um segundo ano conturbado nas relações partidárias e enfrentando uma crise com os vereadores para implementar a taxa do lixo em Fortaleza – missão que não foi vencida por seus antecessores no cargo.
As duas situações mais desafiadoras, as relações partidárias e a crise na Câmara, passam pelo diálogo que Sarto tenta estabelecer com o Partido dos Trabalhadores (PT). Ambas são fundamentais para o cenário eleitoral que pode se desenhar em 2024: será Sarto candidato à reeleição?
Como um tradicional pedetista da escola Ferreira Gomes, não há ainda um “sim” ou “não” do prefeito. A resposta, agora e por bastante tempo ainda, vai estar no "foco na gestão”. E isso não é uma simples estratégia de fugir da pergunta. É real. As chances de 2024 dependem do governo que será feito até lá.
Os sinais que Sarto têm dado nessa véspera de novo ano é de que pretende dar novo ritmo à gestão. “Pra mim, uma das melhores notícias é que estou completando dois anos de mandato e já executei 64% do meu plano de governo. Estou com lucro de 14%, estou com uma gordurinha”, diz o prefeito.
Nesse embalo, começa o ano instalando um grupo de trabalho para analisar possível tarifa zero no transporte público da Capital – tema que se fortaleceu na campanha eleitoral de 2022, com a promessa do governador eleito, Elmano de Freitas (PT), de implantar o benefício no transporte metropolitano; já afirmou que o preço da passagem de ônibus não terá reajuste e deverá ter, em breve, um novo líder do Governo na Câmara Municipal para fazer sua defesa.
São novos ares para um cenário que tem velhos problemas, um deles, a relação com o PT Fortaleza. Um dos marcos de 2022 foi o racha entre PT e PDT no Estado após 16 anos de aliança. Na Capital, o rompimento já existe há uma década. Agora, com tratativas de realinhamento partidário no Governo Elmano pós-eleição, Sarto tenta emplacar uma virada de chave na relação municipal.
Em busca do apoio do PT
“Eu vou tentar o apoio do PT para a gestão, não quer dizer que seja para a reeleição. O PT pode muito bem (fazer na Câmara Municipal) como a gente pode fazer na Assembleia – a gente apoia o Elmano, mas nós não estamos dizendo que não teremos governador daqui a quatro anos. O PDT pode, daqui a quatro anos, apresentar um candidato ao Governo, sendo base do Elmano, e o inverso, pra mim, também pode ser bom, ou só existe inteligência na bolha petista? Não. Tem que abrir mais o coração, não estou pedindo nada demais, estou pedindo o que estou dando”, disse Sarto em entrevista exclusiva para essa Newsletter.
Para Sarto, o contexto da relação com o PT em seu governo é diferente do estabelecido pelo seu antecessor, Roberto Cláudio (PDT): “Eu pedi o apoio do PT, se o Roberto não queria, era uma escolha dele”.
A recente discussão sobre a taxa do lixo – sancionada por Sarto há poucos dias – o PT na Câmara Municipal encabeçou mobilização contrária à proposta, formando uma frente ampla com outros opositores, como PL e Psol e contando, até mesmo, com vereadores do PDT. Sarto conseguiu aprovar a lei, mas sem as isenções. Pelos próximos 90 dias – prazo para que a lei entre em vigor – ele terá de articular uma maioria qualificada – o que não conseguiu na primeira votação, para aprovar novo projeto que enviou para a Câmara e que espera ser analisado em sessões extraordinárias durante o recesso parlamentar, em janeiro.
O que se vê, por ora, é que não há qualquer avanço no sentido de virar o voto de opositores. O prefeito tem contado com uma espécie de obviedade da aprovação do projeto das isenções.
“Eu não tive (novo diálogo com os vereadores) por um simples motivo: não tem aquele tutorial que é autoexplicativo? O que está lá para votar é: ‘isentar 70% dos imóveis de Fortaleza’, tem alguma dúvida? ‘Isentar imóveis de até 85 mil reais’. Tem alguma dúvida? ‘Isentar quem não tem capacidade contributiva e está inscrito em algum programa social como Bolsa Família/Auxílio Emergencial’. Não há dúvida. O debate não é meritocrático nem ideológico, o debate é político”.
Se a oposição vai tratar a aprovação como uma “obviedade”, aí é outra história. O plano do prefeito parece muito ainda contar com uma articulação junto a Elmano, a quem não poupa elogios.
“Tenho dois deputados ligados a mim, o Cláudio (Pinho) e o Antônio Henrique. (Digo:) ‘vão lá, apoia o Elmano, ele é um cara fantástico. Política é outra coisa’. Elmano chega para um vereador e diz: 'rapaz, dê uma chance ao Sarto'”.
O PT dará uma chance ao Sarto? A tirar pelo histórico dos partidos na Capital, é pouco provável. O PT é o partido que sai, de lavada, mais fortalecido das eleições de 2022. Se não deixou de disputar a Prefeitura de Fortaleza desde a gestão de Luizianne Lins, prepara, para daqui a dois anos, o cenário melhor desenhado, com Elmano no governo estadual e o presidente eleito, Lula, no governo federal.
Ninguém estranha que Sarto defenda uma parceria na gestão e rumos diferentes para as disputas eleitorais, mas uma coisa não está dissociada da outra. O desafio do atual prefeito para chegar com força em 2024, se não para disputar a reeleição (o que é pouco provável), para deixar um legado de sua passagem pelo Executivo, vai depender em ampla medida do diálogo com os partidos aliados, com a Câmara Municipal e, principalmente, com a população. Diálogo esse que Sarto sabe que faltou na discussão sobre a taxa do lixo e o projeto mais amplo de sustentabilidade que está por traz do novo tributo.
"Eu vou fazer um mea-culpa aqui porque quem erra é o chefe da equipe, e esse plano é um plano bem ousado", disse Sarto em entrevista ao Sistema Verdes Mares, ao ser questionado sobre a comunicação nesse debate sobre as mudanças no manejo de resíduos sólidos. Em seguida, ele elencou o que consta também na proposta.
“My kingdom for a horse!” (Richard III, Ato 5, cena 4)
Como um apreciador de Shakespeare, Sarto deve conhecer a história de Ricardo III, o rei que perde seu cavalo numa batalha por causa de uma ferradura que caiu e fica à mercê do inimigo – e sabe que estar atento aos detalhes pode ser decisivo em uma batalha.
*Esse texto foi publicado primeiramente na newsletter Antessala, distribuídas aos sábados, aos assinantes. Se quiser receber conteúdos exclusivos e em primeira mão, assine o Diário do Nordeste.