Governança teria evitado prejuízo bilionário em refinaria prometida ao Ceará, diz ministro do TCU

Augusto Nardes está rodando o País defendendo práticas de compliance para as prefeituras e órgãos públicos. Episódio das refinarias deu prejuízo de R$ 3,8 bilhões

Legenda: O ministro do TCU participou de evento no Ceará
Foto: Divulgação

Na base do ‘jeitinho’ prefeituras não vão conseguir entregar bons resultados. A frase é repetida com frequência pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes. Ele é um dos fundadores da Rede Governança Brasil, que defende regras para que os órgãos públicos entregue melhores resultados à sociedade. 

Segundo o ministro, é por falta de regras e planejamento que o Brasil tem hoje 14 mil obras inacabadas, que geram um prejuízo de R$ 150 bilhões. “Uma vergonha para o Pais”, diz. 

No Ceará para participar de um evento de governança promovido pela Assembleia Legislativa, que reuniu prefeitos de todo o Estado, Nardes concedeu entrevista ao Diário do Nordeste.  

O ministro fez duras críticas à condução da Petrobras, nos governos petistas, em que houve a promessa de construção da refinaria de petróleo no Ceará e no Maranhão, por exemplo. Segundo ele, o prejuízo de R$ 3,8 bilhões é culpa da falta de avaliação de riscos, um dos pilares da governança pública. “Para onde foi esse dinheiro? Para o lixo”, dispara. 

Confira a entrevista: 

O que falta para que as prefeituras se adequem ao sistema de governança no Brasil?  

O problema maior é do prefeito. Um líder tem que estar consciente de que ele sozinho não consegue comandar o município. Tem que montar um time, ter uma estrutura. A dificuldade maior é a liderança se convencer. À medida que um líder se convence, que ele utiliza as ferramentas que nós estamos criando através da Rede de Governança Brasil, através do TCU, ele vai ter sucesso.  

Agora, a dificuldade é que o brasileiro acha que na base do ‘jeitinho’, da improvisação, vai entregar um bom resultado. Numa prefeitura, pra você administrar é complexo. Tem que ter um conhecimento muito amplo do Direito Administrativo, e os prefeitos muitas vezes não estão preparados. Mas quando ele monta um time, uma estrutura com as ferramentas da governança, os resultados começam a aparecer. Nós temos que conscientizar.  

A Rede de Governança Brasil orienta os prefeitos, faz seis horas de eventos em três dias, três semanas separadas. A gente pode estabelecer uma orientação para os prefeitos tomarem as decisões.  

Avaliação de risco, por exemplo, é uma coisa importantíssima. O prefeito que não avalia o risco pode ter apontamentos, contas reprovadas, e ele perde toda sua vida pública para frente. Então para evitar isso nós implantamos a governança pra ver se conscientiza de que ele vai poder entregar resultado no restante da sua gestão.  

Como está a situação do Ceará é possível dizer que os municípios têm regras de governança?  

Sim, têm muito municípios que estão avançando. Primeiro município que nós fizemos aqui na região Nordeste foi Maragogi. Mas nós temos vários municípios que estão se escrevendo. Russas (no Ceará) recentemente participou de um evento nosso.  

Alguns prefeitos, pela experiência, pela bagagem, já conseguem fazer uma gestão mais organizada. Mas para pensar futuramente, ter planejamento estratégico com as ferramentas da governança, você pode pensar o município para 2030, 2040... Ter projetos que não sejam de um prefeito só, que sejam da comunidade e pensando em uma estrutura que ao longo do tempo dê resultado para a sociedade.  

Quem tem uma boa governança vai viabilizar o município não somente na sua gestão. vai deixar um legado, O que é mais importante. O prefeito passa, mas se ele deixa uma estrutura organizada, isso fica. 

Eu consegui implantar isso no Brasil, cinco indicadores. Governança organizacional: organizar para que ferramentas da governança sejam utilizadas; Governança de indicadores: para acompanhar como é que estão os indicadores de T.I. (Tecnologia da Informação), para que as certidões que saem do município não precisem ser feitas mais no papel, mas de forma digital e assim a gente vai começando a treinar as pessoas; Governança de pessoal; Governança de aquisições: de contratos; Governança financeira: fazer a projeção financeira para que o município pague suas contas de forma correta, para que não fique nada para trás. 

Todos esses indicadores, eu consegui montar isso no Governo Federal, convencendo o (ex-presidente) Michel Temer, (presidente) Bolsonaro e agora estou na campanha para o Ceará também estabelecer isso. 

Eu acho que o Ceará é um bom exemplo. Estive na UFC e gostei muito do que eles estão fazendo. Estão exatamente cumprindo aquilo que eu propus através do TCU em 2014 (período em que foi presidente do TCU). Eu vejo que aqui o tem uma boa modelagem e o Ceará tem uma tradição nessa parte de inovações. Por isso, eu vejo com muita possibilidade de crescimento a tese da governança, que dá suporte para compliance, para integridade, para utilizar diversas ferramentas para modernizar a administração pública brasileira. 

Legenda: Nardes é um dos fundadores da Rede Governança Brasil
Foto: Divulgação

A governança poderia ter evitado, como o senhor falou, o dinheiro que foi para o ralo com a promessa das refinarias da Petrobras para o Ceará e Maranhão?  

Foi feita uma grande estrutura para vender a tese de que seria implantada aqui uma refinaria, mas não fizeram avaliação de risco na Petrobras. Eu vi até os eventos que aconteceram na época.  

No TCU, a gente fiscaliza tudo. Foi uma perda enorme, financeira e de confiança. R$ 3,8 bilhões foram gastos no Ceará e no Maranhão pra fazer essas refinarias e não deu em nada. Aonde foi esse dinheiro? Pro lixo. É muito dinheiro para um Estado, para um País.  

É exatamente por não ter avaliação de risco na tomada de decisão. Por falta de governança, por falta de avaliação de risco na tomada de decisão.  

Tem ministérios que gastam R$ 140, R$ 200, R$ 300 milhões e não fazem uma boa avaliação. Aí começa um projeto... Nós temos 14 mil obras inacabadas no Brasil. Isso é uma vergonha nacional. Obras que são iniciadas e não acabadas. As refinarias, as quatro refinarias no Brasil iniciadas e não foram terminadas de forma adequada.  

O tribunal constatou um prejuízo de mais de R$ 150 bilhões. É muito dinheiro jogado no lixo, por incompetência, por falta de governança. Por isso estou com a tese da governança.  

Se nós quisermos ter esperança no futuro da nação tem que ter boa governança. Aí depende muito do gestor, do prefeito, do governador, do presidente da república. Eu encontrei um bom espaço com o Michel Temer e com o presidente Bolsonaro para tratar da governança. Os ministérios estão funcionando de forma técnica, isso é um avanço importante para o País.  

Qual a avaliação que o TCU pode fazer em relação à recente mudança na lei de Improbidade, ocorrida no Congresso?   

Pra você diminuir a corrupção, o desvio, a improbidade, você tem que ter as ferramentas de governança. Eu fui convidado para fazer uma exposição sobre a reforma administrativa e eu disse: ‘olha, é importante fazer a reforma administrativa, fazer mudanças, pra dar uma dinâmica maior na estrutura. É importante trabalhar para que não aconteça a improbidade. Mas se não montar um projeto de governança com todas as ferramentas de avaliação de risco, de planejamento estratégico, de tomada de decisões baseada em indicadores e não na improvisação, não adianta o País querer pensar que vai melhorar sua competitividade.  

Tudo que nós trabalhamos é para melhorar a competitividade da nação, passar confiança e aí você tendo essas ferramentas, consegue diminuir a improbidade, a incompetência, a ineficácia e a entrega do resultado vai acontecer.  

Qual a avaliação que o TCU faz do uso dos recursos públicos no combate à pandemia?  

Temos uma CPI em nível nacional que está fazendo a sua apuração, vamos receber os resultados. Não foi feito um trabalho nos estados e município mais amplo. Nós estamos a guardando a chegada no Tribunal de Contas, o que está acontecendo em relação ao Ministério da Saúde, mas o ideal é que tivesse sido feito em todos os setores pra gente ter uma noção. Mas a nós cabe avaliar a questão federal, então estamos o relatório final da CPI.  

O TCU tem visto casos de corrupção na pandemia?  

Existe em todos os setores, nos estados e em nível nacional. Mas com as regras que já estamos implantando de acompanhar, medir a governança, em nível nacional a gente já está conseguindo estabelecer uma capacidade de controle maior. Até porque o Tribunal de Contas trabalha mais preventivamente hoje. A tese da governança é não somente trabalhar na punição, mas também na prevenção. E nesse aspecto nós temos vários robôs de licitações que batem para nós o sinal amarelo. E quando bate o sinal amarelo a gente avisa à Polícia Federal e boa parte das operações são feitas baseadas em auditorias do TCU. 

Nós estamos muito preparados para ajudar o Brasil a diminuir esse desvio e a fraude. Eu tenho a convicção de que se se os municípios, os estados e os ministérios implantam a boa governança já diminui consideravelmente, porque você começa a medir os indicadores de governança de pessoas, governança de aquisições - que são as contratações, as compras... aí você começa a ter capacidade de avaliar tudo que está acontecendo. Quando você não tem isso, você não tem a capacidade de avaliação.  

Há no Congresso um Projeto de Lei que estabelece a governança no País. Qual a sua avaliação desse projeto?  

Estive recentemente com o presidente da Comissão. Espero que seja aprovado o Projeto de Lei na Comissão e talvez ainda a Comissão de Constituição e Justiça, que seria terminativo pra gente ter uma lei nacional de governança.  

Com certeza nós podemos implantar em toda a nação. Mas os estados e municípios podem fazer uma lei de forma independente, que não dependa só da União. Lógico que uma política nacional de governança é o que daria uma consistência para a nação melhorar sua competitividade, melhorar a confiança, a capacidade de fazer um enfrentamento dos grandes blocos que temos hoje na Ásia, na América do Norte, e assim o país ter um espaço maior para melhorar seu desenvolvimento.  

Esse projeto de lei vai obrigar os estados e municípios para que façam também? 

Vai depender de como o Congresso aprova, mas os estados e municípios já estão fazendo. Nós já temos 10 estados que já têm leis de governança, mais de uma centena de municípios que através da Rede Governança Brasil nós estamos divulgando o formato de fazer esses projetos de lei e assim está sendo implantado de forma bastante grande em todo o Brasil pelo trabalho que nós estamos fazendo. Tenho percorrido o Brasil. Já percorri duas vezes o Brasil fazendo palestras sobre governança quando era presidente do Tribunal, e agora já de forma mais organizada, com a rede de governança. 



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