Em 9 de agosto de 2024, um ATR-72 da Voepass caiu no município de Vinhedo (SP). O acidente vitimou 62 pessoas, entre passageiros e tripulação. Qualquer acidente aéreo envolvendo mortes pode colocar em jogo o futuro de uma companhia aérea. No caso da Voepass, após a tragédia, a imprensa relatou diversos problemas de manutenção de aeronaves e de gestão da empresa.
Após o acidente, nos perguntamos qual o futuro da Voepass.
É importante que se diga, antes de mais nada, que a Voepass é muito importante para o Brasil. Nos 7 primeiros meses de 2024, a companhia aérea transportou 590 mil passageiros em todo o país, nas 5 regiões, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A companhia, que nunca havia machucado fatalmente um único passageiro em suas operações, faz-se importante para localidades pequenas e médias do Brasil, que teriam a aviação muito menos acessível sem a presença da Voepass.
No Nordeste, as aeronaves da Voepass movimentaram mais de 131 mil passageiros de janeiro a julho de 2024 e serviram para demonstrar quanta demanda reprimida há na região ou, mais objetivamente, como o passageiro voa se for lhe dada a chance.
Assim, para mencionar apenas dois casos, Mossoró e Campina Grande foram ótimos laboratórios para demonstrar uma forte busca por serviços aéreos. Nas cidades, a Voepass conseguiu achar uma das maiores taxas de ocupação da companhia no Brasil: por volta de 80%. Já contamos sobre como esses voos fizeram sucesso desde o 1º dia.
Dessa forma, a aviação brasileira precisa ter a companhia como imprescindível ao crescimento do modal aéreo regional.
A Voepass possui problemas de gestão na sua malha?
Sim, não é de hoje que a Voepass é vista pelos consumidores como uma empresa que cancela voos, que atrasa. Esses problemas podem ter a ver com a gestão pura da empresa, como podem ter a ver com a manutenção de suas aeronaves, ou seja, indisponibilidade de aeronaves por necessidade de manutenção corretiva.
A manutenção pode influir desde no calor sentido pelos passageiros no interior da aeronave por mau funcionamento do ar-condicionado, como por quebra de equipamentos críticos como falhas num motor. Obviamente, os pilotos testam os motores ainda em solo e, se de fato apresentam problemas, o voo simplesmente é cancelado.
Assim, nenhuma empresa está livre de falhas de gestão de frota, porém, por tantas e tantas vezes que vimos cancelamento de voos da companhia, sou levado a crer que a Voepass é a companhia que menos se preocupa com sua imagem perante o consumidor. Isso, claro, tem muito mais a ver com a alta gestão do que com colaboradores da operação, na ponta.
A Voepass, infelizmente, está queimada com muita gente por cancelamentos de voos. Isso acaba acarretando a perda de clientes. Por exemplo, algumas vezes li que a companhia, ao contrário das outras três grandes (Latam, Gol e Azul), não fornecia nenhum apoio ao passageiro pela não garantia do direito de voar.
Sabemos que essa limitação de apoio ao cliente tem também a ver com a falta de recursos e dificuldades financeiras pelas quais a companhia passa. Alguns meses atrás, um aporte financeiro da parceira Latam foi decisivo para a normalização de pagamentos trabalhistas, por exemplo.
Deveria assim, empenhar-se ainda mais para com seus contratos de transporte.
Ainda, a companhia é conhecida, sobretudo nos últimos anos, por ativar e desativar bases de operação com frequência. No Ceará mesmo, em 2023, Juazeiro do Norte foi desativada e reativada 3 meses depois. Essa operação com buracos acaba por minar a confiança de quem não pode deixar de voar e aí, mais clientes são perdidos.
Esses aspectos logísticos não têm ligação direta com o safety (segurança) dos voos, até mesmo porque algumas vezes o voo de fato nem ocorre.
Concordo, porém, que esse relaxamento com o compromisso em transportar o cliente pode levá-lo a imaginar que a companhia possa ser relapsa com a manutenção da aeronave, o que mostramos, porém, que, estatisticamente, não encontra amparo.
A parceria com a Latam vai continuar após o acidente?
A Latam é hoje a maior companhia do Brasil em passageiros transportados. Podemos dizer que a Voepass tem o privilégio de se coligar a Latam, além do mais, de tê-la como sócia financeira.
Apesar disso tudo, é notório que o infortúnio do dia 09 de agosto aconteceu com uma operação contratada pelo site Latam, com seus acordos de codeshare que possui com a Voepass.
Na imprensa nacional, houve grande repercussão o fato de consumidores estarem pedindo a extinção do acordo de compartilhamento de voos entre as companhias. Muitas pessoas alegam terem comprado voos pelo site Latam e, apenas quando vão voar, notam que o voo é operado pela Voepass.
Aí, alguns, demonstram grande insatisfação.
Todo esse conjunto de queixas pode levar a Latam a cancelar seu acordo de codeshare com a Voepass?
Não vejo como tão fácil assim, até mesmo porque, como falei, hoje a Latam aportou capital na regional, dessa maneira, um cancelamento prematuro pode simbolizar um prejuízo direto à primeira. Então, as empresas têm mais que um codeshare, acordo de compartilhamento de voos, elas estão ligadas.
Há pessoas de dentro da regional que afirmam que o capital injetado na Voepass foi um ato de compra de parte da empresa pela Latam. Comenta-se inclusive que a Voepass não pagará os valores devidos de “prestações”. Nesse caso, a Latam teria seu débito compensado tornando-se dona de até 30% da regional.
Assim, a Latam certamente buscará conhecer mais detalhes sobre a queda do ATR antes de, eventualmente, buscar providências em desfavor de sua sócia.
Dessa forma, continuar com a Latam é mais um motivo que vai ao encontro da continuidade da Voepass.
A Voepass continuará voando?
Dentro do turbilhão de acontecimentos desde o triste dia 09/08, chamou minha atenção o fato de a Voepass ter voltado a realizar o mesmo trecho entre Guarulhos-Cascavel-Guarulhos poucos dias após o acidente.
Isso sugere que a empresa entende que não há motivos para não seguir em frente. Sugeriu que a empresa, mesmo entre os percalços de uma empresa não-perfeita, sabia que não expunha seus passageiros a condições de insegurança, de negligência.
Vamos abrir aqui algumas hipóteses:
Se o relatório indicar que o acidente da Voepass teve, como causa contribuinte, relação com negligência da empresa em itens como manutenção de itens indispensáveis ao voo, digo que a empresa poderá pagar penalidades altas, inclusive arriscando sua existência, continuidade.
Essa hipótese, frente a tudo que já se especulou em tão pouco tempo, não parece ser a corrente majoritária, se é que se consegue extrair algo minimamente sério, coerente, de tudo isso.
No caso do penúltimo acidente comercial do Brasil, o No Ar de 2011, a falta de manutenção de partes internas do motor e os padrões operacionais divergentes aos do fabricante da aeronave, ceifaram a continuidade da empresa, bem como de 16 pessoas.
Até aqui, a Voepass não foi confrontada por informações que descredibilizassem a manutenção de itens críticos ao voo.
Caso o item manutenção da aeronave seja descartado de fatores contribuintes e apareça para os investigadores, que fatores externos, como a possível degradação da aerodinâmica do voo por gelo seja apontada, ou afins.
Entre 2001 e 2011, acidentes aéreos resultantes de perda de controle em voo foram a principal causa de fatalidades na aviação comercial mundial, segundo o Cenipa, Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.
Por exemplo, em certos casos, as técnicas aplicadas no treinamento de recuperação de sustentação precisaram ser revistas, inclusive a intensificação do treinamento da tripulação.
Ainda segundo o Cenipa, a análise dos dados de acidentes acima indicou que os fatores contribuintes para a perda de controle em voo podem ser categorizados como sendo induzidos pelos sistemas do avião, fatores ambientais, pilotos, ou qualquer combinação desses três fatores.
Segundo o Cenipa em relatório de 2013, “dos três componentes acima, os acidentes induzidos por fatores humanos representaram o fator contribuinte mais frequentemente identificado, principalmente resultante da aplicação de procedimentos incorretos, incluindo informações de controle de voo inadequadas; desorientação dos tripulantes; má gestão da energia (dentre velocidade e altitude) da aeronave; distração de um ou mais membros da tripulação; e treinamento inadequado.”
Se o ambiente propício à formação de gelo severo, que já se sabe que o ATR-72 cruzou, tiver sido contribuinte para o infortúnio, há a chance de que a intensificação de treinamentos dos pilotos sejam recomendadas e/ou novas ferramentas sejam trazidas para aumentar a consciência situacional dos pilotos.
Assim, a aeronave será trazida para um nível de segurança ainda maior também, capturando os aprendizados do acidente. O caso Voepass contribuirá com algo que é realmente transformador e que faz a aviação mais segura.
Penso que a companhia seguiria operando com menores danos a sua reputação.
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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.