“Nós vamos cuidar disso, também!” Foi o que disse segunda-feira, 16, o presidente Lula em entrevista ao Uol, referindo-se ao que ele considera “a única coisa errada nesse país”, que é, na opinião dele, a taxa de juros.
A reação do mercado à palavra presidencial foi imediata – a bolsa de valores caiu e o dólar subiu.
(Parêntesis: ontem, a Bolsa fechou em alta de quase 1%, aos 0,92%, enquanto o dólar chegou a ser negociado a R$ 6,20, por culpa da divulgação, em uma rede social, de uma falsa declaração do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, acenando com uma queda da moeda norte-americana para R$ 5. No final do dia, porém, o dólar encerrou cotado a R$ 6,09).
Os ativos brasileiros negociados na Bovespa estão a desvalorizar-se porque os investidores, com aversão ao risco, não mais acreditam na política fiscal do governo, cujo pacote de corte de gastos, em tramitação no Congresso Nacional é considerado tímido por uns, esquálido e franciscano por outros e incapaz de zerar o rombo das contas públicas, que seguem deficitárias.
(Parêntesis: ontem, Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite a primeira das três propostas do pacote do governo; as demais sê-lo-ão no dia de hoje; o Senado, que as examinará, também, promete que tudo estará aprovado até as 24 horas da sexta-feira, 20; no dia 21 começará o recesso parlamentar).
E por que sobe o dólar, se as taxas de juros no Brasil são as mais altas do mundo? Porque, pelo mesmo motivo, os investidores preferem comprar títulos do Tesouro dos EUA, cujo futuro presidente Donald Trump promete medidas duras que, mesmo antes de sua posse, já fortalecem a moeda norte-americana. Em linguagem de arquibancada: os dólares que poderiam vir para o Brasil, atraídos pelos altos juros, estão indo para outros mercados emergentes.
O dólar sobe, também, porque nesta época do ano as empresas estrangeiras fazem remessas de lucros para suas matrizes nos EUA, Europa e Ásia. Mas o dólar disparou – passou dos R$ 6 e, pelo andar da carruagem aqui e nos EUA, permanecerá aí – por causa, principalmente, da incerteza fiscal. A credibilidade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está arranhada pelas suas claras divergências com o comando do partido no Poder, o PT, que, ao contrário de apoiar a proposta de redução das despesas, trabalha para a manutenção delas.
Quando o presidente diz, publicamente, que “vamos cuidar disso” – referindo-se à taxa básica de juros Selic, que está em 12,25% e saltará para 13,25% em janeiro e 14,25% em março como está previsto no comunicado distribuído logo após a última reunião do Copom – ele na verdade quer dizer o seguinte: a partir de janeiro, os juros serão reduzidos. Ora, isto é jogar gasolina para apagar um incêndio.
O presidente Lula e o PT devem entender que sua política fiscal está equivocada, pois o governo gasta muito mais do que arrecada, e segue gastando. O déficit das contas do governo, em vez de ser reduzido, só cresce, fazendo engordar, automática e consequentemente, a despesa com o pagamento dos juros da dívida. Esta, por sua vez, também cresce, estando hoje em torno dos R$ 7 trilhões. Os credores – os bancos, principalmente – diante desse cenário exigem prêmios mais altos para financiar o déficit. É assim que funciona a relação do devedor com o credor.
Zerar o déficit é o grande desafio do ministro Fernando Haddad, mas esta é e será uma tarefa difícil. Os gastos com os juros da dívida chegam perto de R$ 850 bilhões, um Evereste que nenhum superávit primário será capaz de alcançar. Tomando, porém, medidas concretas e duras de corte de despesa – e há como e onde fazer isso, a começar pelas renúncias tributárias – o governo poderá não só equilibrar o seu orçamento, mas torná-lo superavitário. Então, o gasto com os juros será menor porque ficará também equilibrado e estável, e a dívida poderá ser reduzida. E aí, com certeza, a taxa básica de juros Selic entrará em declive.
Gastando mais do que arrecada, mantendo deficitário o seu orçamento, como agora acontece, o governo dá alpiste ao canário dos rentistas, que seguem enchendo suas burras com o dinheiro dos juros altos.
Gabriel Galípolo, que tomará posse da presidência do Banco Central no primeiro dia útil do próximo mês de janeiro, nada disse sobre a manifesta intenção do presidente de “cuidar disso”, isto é, dos juros.
O governo cuida da política fiscal; ao Banco Central, e só a ele, que é a Autoridade Monetária, cabe cuidar da política monetária, que na prática é a defesa da moeda nacional, e essa defesa começa com a guerra permanente contra a inflação, usando para isso o canhão dos juros.
Hoje, infelizmente, a política fiscal está totalmente descasada da política monetária. E, pelas palavras do presidente Lula, esse divórcio, que por enquanto é pacífico, poderá tornar-se litigioso.
Já vimos esse filme em 2014.