Queimadas no Brasil trazem ameaça de inflação dos alimentos, mas é preciso cautela; entenda

O fogo que arrasta territórios brasileiros do Pantanal a São Paulo deixou o ar quase irrespirável, escureceu o céu e trouxe mais ondas do calor. Essas alterações climáticas — sentidas na pele — também poderão ser percebidas no bolso. Todavia, economistas frisam ser necessário ter cautela antes de afirmar que a inflação dos alimentos já subiu devido às queimadas.  

Além de devastar a biodiversidade, os incêndios florestais têm o poder de agravar a seca. Isso implica forte tendência de alta do custo, principalmente de itens agrícolas cultivados nas regiões afetadas diretamente pelo fogo. 

Momento é de estabilidade inflacionária 

A economista e professora de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carla Beni, pondera, contudo, que o cenário macroeconômico é de desinflação de 0,02%, em agosto, conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nessa terça-feira (10). 

“Foi o primeiro resultado negativo desde junho de 2023. Nós estamos com um resultado muito bom, processo inflacionário controlado, inflação de alimentações caindo há vários meses. Isso é o que realmente importa para a população”, lista. 
Carla Beni
Economista e professora de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV)

Quais alimentos podem ficar mais caros 

Por outro lado, aponta, as queimadas atingem plantações responsáveis por abastecer o País e o mercado externo. “Em relação à nossa produção de cana-de-açúcar, 25% são para o mercado interno e 75% são exportados. Ou seja, é um abalo muito grande, com possibilidade de aumento dos preços nos próximos meses, mas é importante não haver pânico”, analisa. 

Outras majorações poderão ser notadas em hortaliças, no abacate, laranja e limão. Para a economista, uma elevação imediata desses alimentos dependeria dos estoques. "Seria a reposição disso que teria um aumento. Não é uma linearidade: pegou fogo, agora vai subir o preço. Não, é preciso calma", observa. 

A queima também provoca a redução de pastos. Consequentemente, a demanda por suplementação do gado com ração pode encarecer os cortes das carnes, a produção leiteira e outros produtos à base de leite, como queijos, iogurtes e manteiga.

O economista e técnico do Observatório da Agricultura Familiar do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Arianderso Melo, acrescenta que a inflação local está conectada com o cenário nacional.

Neste ano, por exemplo, além da entressafra, a seca severa em Minas Gerais subiu a despesa com alguns alimentos da cesta básica em Fortaleza, como a banana

“Ademais, os impactos dessas queimadas serão sentidos de maneira heterogênea, com itens subindo no mês seguinte, em novembro, dezembro ou nem serem impactados. A real dimensão desse problema climático só poderá ser calculado com o passar do tempo”, destaca. 
Arianderso Melo
Economista e técnico do Observatório da Agricultura Familiar do Dieese

No entanto, o conjunto de 12 itens teve deflação de quase 7% na Grande Fortaleza, maior queda entre as 17 capitais pesquisadas pelo Dieese.

Resumidamente, ainda não é possível mensurar o efeito das queimadas sobre a inflação. Entretanto, a depender dos estoques e do prolongamento da crise, há grandes riscos de aumento de preço dos seguintes alimentos, nos próximos meses, segundo os economistas ouvidos pela coluna:

  • Abacate;
  • Açúcar;
  • Cortes de carnes;
  • Frango;
  • Hortaliças;
  • Laranja;
  • Leites e derivados;
  • Limão. 

O papel das empresas

Usar o argumento das queimadas para subir preços de itens com estoque robusto e que ainda não foram realmente afetados — como os postos de gasolina costumam fazer antes mesmo de o reajuste da gasolina chegar à ponta — é imoral.  

Esse é o momento das empresas demonstrarem sensibilidade e compromisso com o meio ambiente e com a sociedade. As queimadas também são de responsabilidade do empresariado, já que foram provocadas para abrir espaço para a pecuária e para o garimpo ilegal

Aos consumidores, vale ficar alerta, denunciar abusos aos órgão de defesa dos consumidores e continuar cobrando das marcas um posicionamento e ações de redução de danos. 

Entenda melhor

O que está acontecendo

O Brasil registrou quase 4.500 focos de incêndio entre o fim de semana e segunda-feira (27 de agosto), segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Desde o início do ano, foram 107 mil focos, totalizando aumento de 75% em relação ao ano passado. Conforme o órgão, o número em agosto de 2024 já é o maior para o mês desde 2010.

Quem está provocando as queimadas

Grileiros (invasores de terras públicas para apropriação particular) e desmatadores provocam queimadas e incêndios florestais para ampliar os pastos e para o garimpo ilegal, provocando, além do desmatamento, a contaminação por mercúrio a rios e animais. O Ibama informou que todas as queimadas são provocadas pelo homem, podendo ser por essas ações criminosas ou pela falta de cuidado no descarte do lixo, ou ambas. Os casos estão sendo investigados. Em São Paulo, até essa quarta-feira (28 de agosto), seis pessoas foram presas por suspeita de colocar fogo em áreas verdes.

Como você pode evitar queimadas

Faça a destinação correta do lixo; Cigarros, fósforos e outros materiais inflamáveis devem ser descartados em local adequado; Não utilize fogo para limpar terrenos; Não solte fogos de artifícios nem faça fogueiras.

O que é ESG?

ESG é a sigla, em inglês, para Ambiental, Social e Governança (Environmental, Social and Governance). O conjunto de práticas visa reduzir os impactos ambientais provocados pelas empresas e desenvolver um sistema econômico justo e transparente. Por isso, pode contribuir para a descarbonização da economia, termo usado para a redução da emissão de dióxido de carbono (CO₂), principal gás responsável pelo efeito estufa. ESG surgiu em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2004, e também está atrelado aos Objetivos de Desenvolvimento da ONU.

Por que o ESG é importante para o consumidor?

O ESG é importante para toda a sociedade, considerando que o País é marcado por assimetrias socioeconômicas, herança do período colonial, escravista e de uma cultura patriarcal. Por isso, pode promover mudanças de equidade no mercado de trabalho, além de reduzir os impactos ambientais dos negócios, sobretudo em um contexto de crise climática. Compreender a importância da agenda ESG ajuda a tomar decisões de consumo baseadas em práticas ambientais e sociais, pressionando os negócios a se adequarem.