Economia donut: conheça o conceito que propõe substituir o PIB e salvar o planeta

Quantas vezes a notícia sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) trouxe esperança de alguma melhoria na sua vida? Se você não é um empresário dos segmentos beneficiados, é provável que esse resultado não dialogue diretamente com a sua realidade. A percepção da sociedade é corroborada por economistas críticos à métrica usada para retratar o progresso. 

A avaliação é de que o PIB tem parâmetros apenas quantitativos. Isso porque contabiliza como positivo, contraditoriamente, o aumento de atividades que causam a degradação de recursos naturais ou a emissão de gases do efeito estufa.

Ou seja, alguns setores podem contribuir com a aceleração da mudança climática, cujas consequências ampliam as desigualdades, incluindo a insegurança alimentar, fome e racismo ambiental

Tais problemas custam caro para toda a população — sobretudo para a mais pobre e para as maiorias minorizadas —, mas não entram no cálculo do PIB. Por esses motivos, em oposição ao indicador, a economista britânica Kate Raworth propõe um “conjunto de métricas vivas” para monitorar outras fontes de riqueza: humana, social, ecológica, cultural e física. 

O objetivo é encontrar um equilíbrio para os direitos humanos e ambientais, estabelecendo um teto de desenvolvimento para não esgotar o meio ambiente. Essa teoria foi batizada de “economia donut”, ou, em bom português, “economia da rosquinha”. 

Conforme o professor da FIA Business School, José Carlos de Souza Filho, o círculo representa os limites planetários.

Dentro da 'rosquinha' estão as necessidades humanas, como energia, água, saúde, alimentação, paz, igualdade, justiça etc. Isso formaria uma base social para manter uma sociedade justa e equilibrada, com um espaço seguro”, explica. 
José Carlos de Souza Filho
Professor da FIA Business School

“Quando esses limites são ultrapassados, ocorrem consequências como alterações climáticas, poluição e problemas de biodiversidade”, enumera. Na prática, o novo critério de mensuração ampliaria o olhar sobre as desigualdades não contabilizadas pelo PIB e colocaria toda a humanidade no espaço seguro e justo do “donut”, em consonância com a natureza. 

As necessidades básicas (listadas no espaço vazio interno do círculo) foram estabelecidas conforme os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criados pela Organização das Nações Unidas (ONU), a serem cumpridas pelos 193 estados-membros, até 2030. 
 

Por que trocar o PIB? 

Para a economista, o PIB “surgiu em uma época de depressão econômica, guerra mundial e rivalidade da Guerra Fria”. Na atualidade, portanto, não deve ser considerado o principal indicador para prosperar em equilíbrio. 

“Em poucas décadas, olharemos para trás, sem dúvida, e acharemos estranho que um dia tenhamos tentado monitorar e administrar nosso complexo lar planetário com uma métrica tão instável, parcial e superficial como o PIB”, escreveu. 

Kate não propõe o fim do indicador mais utilizado, mas sugere outras formas de interpretar o progresso, com uma meta clara para a realidade do século XXI. Para ela, o ideal é focar na prosperidade humana “quer o PIB aumente, diminua ou se mantenha constante”. 

A economia de hoje é divisiva e degenerativa por definição. A economia de amanhã deve ser distributiva e regenerativa por concepção”. 
Kate Raworth
Economista da universidade britânica de Oxford
 

O entendimento é que os recursos naturais são, sim, esgotáveis, como comprovam as consequências da crise climática. Por isso, é necessário repensar no crescimento exponencial por meio de uma economia regenerativa e distributiva, cujo objetivo vai além da não degradação ecológica e passa pelas questões socioeconômicas.  

Qual a diferença entre a “economia da rosquinha” e economia circular?

Conforme o professor de Economia Ecológica da UFC, Aécio Alves de Oliveira, a economia circular tem como pilares o uso dos recursos naturais, o reaproveitamento, a reciclagem dos materiais descartados e a sustentabilidade dos processos produtivos. 

José Carlos de Souza Filho acrescenta que “a economia circular é um conceito anterior”. A economia circular está inserida em um dos critérios (regenerativo) do espaço seguro da “rosquinha”. Não são, portanto, metodologias opostas, mas complementares. 

É possível implementar a “economia da rosquinha” no Brasil?

Em 2020, Amsterdã, na Holanda, adotou o modelo de “economia da rosquinha” para encarar a crise da pandemia de Covid-19. Para o professor José Carlos de Souza Filho, no Brasil, a implementação dessa nova economia deve ocorrer gradualmente, “até pelas próprias diferenças regionais”, mas é uma realidade possível, sobretudo diante das demandas atuais. 

“Imagine na região amazônica, onde há uma série de problemas com devastação e queimada. Seria possível fazer um desenvolvimento pontual, escolhendo pilotos e, inclusive, aprender com os erros e com essa modelagem”, exemplifica.  

3 pontos resumidos sobre o tema

O que é economia donut ou economia da rosquinha?

Resumidamente, é um modelo econômico criado pela economista Kate Raworth, da Universidade de Oxford. A metodologia propõe a prosperidade em equilíbrio, combatendo as desigualdades e respeitando os recursos naturais, por meio dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Por que o nome é economia da rosquinha?

O equilíbrio de um sistema voltado para as necessidades humana sem colapsar os recursos do planeta é ilustrado em um gráfico circular, semelhante a uma rosquinha. No livro “Economia Donut: Uma alternativa ao crescimento a qualquer custo”, Kate explica ter buscado um conceito visual para a teoria. O nome também foi escolhido pela linguagem simples e lúdica. Na rosquinha, há a representação dos limites do planeta que não podem ser ultrapassados e o espaço seguro e justo para a sociedade viver.

Por que o conceito propõe substituir o PIB?

A avaliação é de que o PIB não consegue medir as desigualdades e os impactos ambientais. Conforme a economista aponta em seu livro, o modelo que prevalece está preso a “dinâmicas gêmeas de desigualdade social crescente e aprofundamento da degradação ecológica”. Portanto, o objetivo não é descartar o PIB, mas criar um novo “painel global de métricas vivas” e qualitativas.