Senado da Argentina vota lei do aborto com forças empatadas

O promotor da iniciativa foi o presidente de centro-esquerda Alberto Fernández, inspirado nos princípios da organização Campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, identificada com o verde, cor que marcou manifestações gigantescas

Escrito por AFP ,
Legenda: Quando a pauta ainda estava na Câmara argentina, mulheres a favor da política de aborto seguro pressionaram o Congresso pela aprovação da medida
Foto: AFP

A paridade de forças entre os senadores a favor e contra a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE) até a semana 14 de gestação ilustra o que provavelmente será uma sessão tensa e um final imprevisível para um debate histórico na Argentina.

A discussão na Câmara Alta está marcada para as 16h (mesmo horário em Brasília) desta terça-feira (29) e prevista para acabar na madrugada de quarta-feira, no país natal do papa Francisco, que em 2018 rejeitou uma iniciativa semelhante para legalizar o aborto.

Desta vez, o promotor da iniciativa foi o presidente de centro-esquerda Alberto Fernández, inspirado nos princípios da organização Campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, identificada com o verde, cor que marcou manifestações gigantescas.

"Sou católico, mas tenho que legislar para todos. Todos os anos, cerca de 38 mil mulheres são hospitalizadas por abortos e, desde a recuperação da democracia (em 1983), mais de 3 mil mulheres morreram por esta causa", apontou Fernández.

O governo calcula que há entre 370 mil e 520 mil abortos clandestinos por ano, em um país de 45 milhões de habitantes.

A oposição à IVE, que adotou a cor azul, tem como representantes a Igreja Católica e a Aliança Cristã de Igrejas Evangélicas, também promotoras de grandes manifestações que se repetirão nesta terça-feira em frente ao Congresso.

Na noite de ontem, centenas de manifestantes desfilaram pelo centro de Buenos Aires contra o projeto, erguendo figuras da Virgem e bonecas ensanguentadas.

Votos indefinidos

Os apoiadores convocaram uma mobilização na praça do Congresso para uma vigília até a hora da votação, apesar das medidas de distanciamento social, devido à pandemia de coronavírus que deixa mais de 42 mil mortes e quase 1,6 milhão de casos na Argentina.

A aliança do governo Frente de Todos possui 41 das 72 cadeiras no Senado, mas nem todos os oficialistas apoiam o projeto. A oposição de centro-direita se enquadra majoritariamente contra, embora conte com proeminentes defensores.

"No Senado, há muitos votos que ainda não estão definidos. Serão conhecidos apenas no final", reconheceu a senadora da bancada governista Nancy González.

As especulações sobre o resultado da sessão contemplam a ausência de dois senadores declarados contrários à legalização da IVE. Um deles está de licença após ser denunciado por assédio sexual e o outro, o ex-presidente Carlos Menem, de 90 anos, está internado em estado grave, com problemas cardíaco e renal.

Em caso de empate, o regulamento confere o desempate à titular do órgão, a senadora oficialista e ex-presidente Cristina Kirchner, que se declarava antilegalização até 2018, quando mudou sua postura.

A proposta chega ao Senado após a aprovação por parte dos deputados em 11 de dezembro, alcançada com 131 votos positivos, 117 negativos e seis abstenções.

Até agora, o aborto é permitido na Argentina apenas em caso de estupro, ou de risco de vida para a mulher, legislação em vigor desde 1921.

Na América Latina, o aborto é legal somente em Cuba, Uruguai e Guiana, assim como na Cidade do México.