A variante P1 do coronavírus, conhecida como “variante de Manaus”, chegou ao Ceará em janeiro deste ano, concluiu recentemente uma pesquisa de genoma feita pela Central de Genômica e Bioinformática do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Durante o estudo, que teve início em fevereiro, um grupo de pesquisadores da universidade aprimorou técnicas para sequenciar amostras do vírus em até uma semana e, assim, ter condições de oferecer estrutura e pessoal qualificado para monitorar de maneira mais célere a chegada e a circulação de novas cepas no Estado.
Por enquanto, a investigação genômica de amostras do coronavírus no Ceará ainda é feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, que foi a instituição que analisou e que, nesta quinta-feira (27), descartou a suspeita da presença da variante indiana no Estado. Com mais investimentos, a UFC poderia continuar realizando este trabalho aqui mesmo, no Estado.
Déficit de pesquisa genômica
Embora a contribuição da Fiocruz tenha sido importante desde o início da pandemia no mapeamento genômico, o Ceará só tem sequenciados e depositados no banco de dados internacional Gisaid (Global Initiative on Sharing All Influenza Data) 79 genomas — sem contar com os quatro mapeados pelo NPDM e que devem ser depositados nos próximos dias.
A baixa vigilância genômica do vírus é considerada um dos principais desafios atuais do combate à Covid-19. Isso porque dificulta saber quais, exatamente, são as cepas que estão circulando atualmente no Estado, quando e como elas chegaram à região e qual a capacidade de transmissibilidade de cada uma, informações que são fundamentais para a tomada de decisão do Governo sobre fechamento ou abertura do comércio e das atividades de rotina.
Tomando a variante indiana como exemplo, Nicholas Barroso, bioinformata e um dos pesquisadores que coordenam a pesquisa, diz que o sequenciamento pode avaliar a transmissibilidade dela e comparar à da P1, que tem prevalecido no Ceará nesta segunda onda.
A questão, hoje, com a variante indiana, é se ela é mais transmissível ou não do que a P1. Se for mais, a tendência é ter mais indiana e a P1 começar a diminuir. Se for menos do que a P1, a P1 se mantém e ela [variante indiana] acaba desaparecendo”.
Barroso critica a falta de organização nacional sobre o assunto. “Se a coisa estivesse sendo feita de maneira integrada, em nível de Brasil, seria feito um estudo epidemiológico pra saber como isso [as variantes] está se espalhando. Onde surge e quanto tempo leva pra chegar a outros lugares, pra que fossem tomadas medidas de isolamento interestadual. Mas a gente não tem isso, não tem controle de voo internacional nem controle de fronteira interestadual”.
Fomento à pesquisa científica
Segundo Nicholas, o Ceará já tem a possibilidade de, sozinho, sequenciar amostras do coronavírus e analisar a prevalência de variantes. Porém, falta incentivo. “Não é nem mais [um problema] metodológico, porque a metodologia já está estabelecida. A gente já tem os protocolos de sequenciamento e de análise. Falta dinheiro e dinheiro vem com reconhecimento”, pontua o pesquisador da UFC.
A vice-coordenadora da Central de Genômica e Bioinformática do NPDM, Vânia Melo, reconhece que o processo é caro, mas garante que a pesquisa científica retorna para a sociedade. Além disso, ela diz que a estrutura de sequenciamento genômico da universidade investiga outras doenças para além da Covid-19. “Temos infraestrutura e pessoas com capacidade pra fazer [o mapeamento]. Se quiser, a gente faz bastante. Não precisa mandar [amostras] pra fora”, diz.
“Sem falar na importância para o desenvolvimento científico e tecnológico do Ceará”, complementa a pós-doutoranda Andréa Oliveira, que compõe a equipe técnica que faz o sequenciamento.
Até então, o sequenciamento genômico feito na UFC é financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico (Funcap). Porém, para expandir as análises e os resultados, os pesquisadores afirmam que é necessário atrair mais investimento.