O que o Ceará precisa fazer para vacinar faltosos e pessoas sem cadastro contra a Covid-19?

Falta de estimativas claras sobre as metas, cidadãos sem acesso à internet, fake news e recusas complicam o cenário de imunização, que em breve precisará buscar quem ficou pelo caminho.

Passados oito meses do início da campanha de vacinação contra a Covid-19, o processo começa a chegar a um platô, quando há poucos avanços na imunização de novas pessoas. No Ceará, com os municípios já vacinando adolescentes e promovendo repescagens, há pela frente o desafio de encontrar os indivíduos com 12 anos ou mais que ficaram de fora da primeira etapa.

Na última semana, com a compra direta de 300 mil doses de CoronaVac, o Governo do Ceará previu a capacidade de vacinar 100% da população adulta do Estado. Segundo o governador Camilo Santana, quase 90% dos adultos estão vacinados com pelo menos a primeira dose.

Porém, o dado se baseia nos adultos cadastrados na plataforma Saúde Digital, cujo preenchimento é obrigatório para ser vacinado. Cruzando os dados da plataforma com o vacinômetro, 93% dos adultos cadastrados receberam a D1, até o último domingo (26).

Na prática, o Ceará e os demais Estados precisam lidar com problemas como cidadãos sem acesso à internet para realizar os cadastros; ausências e recusas no recebimento dos imunizantes, e a falta de metas atualizadas da população que pode ser vacinada. 

O Ministério da Saúde possuía, no sistema LocalizaSUS, uma estimativa de 6,77 milhões de adultos com mais de 18 anos aptos no Ceará, mas, após o início da imunização de adolescentes, o número não foi revisto e foi retirado da plataforma.

A ferramenta de contagem mais atualizada é a projeção populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com data de referência em 1º de julho deste ano. O estudo indica 9.240.580 habitantes no Estado, dos quais 6.081.984 (65,8%) receberam pelo menos a D1.

Levando em conta esses dados, a maioria dos municípios tem entre 40% e 108% da população geral vacinada. No entanto, esse percentual também inclui crianças com menos de 12 anos, não sendo possível visualizar apenas a parcela apta à vacinação. 

A médica Jocileide Sales, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) da Regional Ceará, reforça que o mínimo recomendado é vacinar 70% de uma população, mas o ideal está numa frase conhecida: “quanto mais, melhor”. 

Quando a maior parte de uma população está vacinada, os outros também ficam protegidos. Como não vacinamos crianças, se conseguíssemos atingir 90% da população maior de 12 anos, seria fantástico. 

Avaliação constante

Em coletiva de imprensa na semana passada, a secretária executiva de Vigilância e Regulação da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), Ricristhi Gonçalves, reconheceu que alguns municípios enfrentam dificuldades em localizar parte da população vacinável.

Nossa capacidade de vacinação tem sido muito boa, conseguimos vacinar mais de 50 mil pessoas por dia. Já tem municípios fazendo repescagem, mas tem pessoas que sequer fizeram o cadastro, então ficamos atentos a elas.

A secretária afirma que o problema não está restrito a uma região do Estado, mas há dificuldade em buscar tanto adultos como adolescentes. “Fazemos esse apelo para que as pessoas busquem a vacinação”, lembra, ressaltando que também há um número importante de faltosos.

Segundo Ricristhi, se os municípios sinalizarem a necessidade de um quantitativo maior de doses para continuar o processo de vacinação, “faremos um novo pedido ao Butantan”.

50 mil
vacinas aplicadas por dia é a estimativa da capacidade do Ceará, conforme Ricristhi.

Estratégias na base

Nas redes sociais, as prefeituras cearenses reforçam semanalmente a necessidade de realizar o cadastro no Saúde Digital para receber a vacina. Algumas disponibilizam prédios públicos para que a população busque o cadastro.

Jocileide Sales, da Sbim-CE, enumera uma série de ações que podem ser adotadas para buscar quem ficou pelo caminho:

  • Transformar espaços conhecidos, como escolas, em pontos de cadastro;
  • Mobilizar buscas ativas domiciliares por meio de agentes comunitários de saúde;
  • Fazer parcerias com rádios comunitárias e carros de som para transmitir mensagens de incentivo à vacinação;
  • Realizar visitas a empresas ressaltando a importância do processo;
  • Cogitar o uso de “passes” em eventos apenas para quem se vacinou.

“Tenho a impressão de que não é difícil de fazer e é importante para criar consciência. Nesse momento, a vacinação é um ato solidário. Posso não querer me vacinar, mas tenho que pensar nos meus familiares, vizinhos, amigos. É preciso lembrar que algumas pessoas que não se vacinaram e eram contra pegaram a doença e até morreram”, considera a especialista.

A reportagem entrou em contato com o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), questionando se os municípios estão pensando em alternativas para buscar quem faltou à vacinação, mas não recebeu retorno até a publicação desta matéria.