Desinformação e falta de acesso à internet atrasam cadastro para vacinação contra Covid-19 no Ceará

Cadastramento é indispensável para estimativa oficial de quantas pessoas ainda precisam ser imunizadas no Ceará

A chegada de novas remessas das vacinas contra a Covid-19 ao Ceará é a principal condição para o avanço da imunização, mas não a única. Muitos cearenses ainda não se cadastraram na plataforma Saúde Digital para receber as doses, o que dificulta a estimativa de quantas doses ainda são necessárias ao Estado.

O cadastro de pessoas entre 18 e 59 anos foi aberto pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) no último dia 11 de março, mas parte da população ainda não efetuou o registro na plataforma. 

Em Fortaleza, por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) já divulgou listas de agendamento diárias até 18 de junho, nas quais já estão inseridas pessoas com idade de 44 anos e mais velhas.

O servente Josimar da Silva tem 49, mas está mesmo é entre os cearenses que não aparecem no censo de vacinação da Sesa – e que, portanto, já poderiam ter a primeira dose agendada, mas não têm.

Um dos motivos, segundo ele, foi desconhecimento sobre a necessidade de antecipar o cadastro.

“Agora que eu vim saber que chegou na minha idade, ouvi no rádio e pedi ao meu colega de trabalho pra fazer (o cadastro) pra mim. Não sabia que já podia fazer antes de chegar a hora”, afirma Josimar, que se diz “ansioso” pela imunização.

A gente tá vendo os casos acontecendo, precisa cuidar da saúde. Conheço duas pessoas do trabalho que pegaram Covid, um ficou até internado. É perigoso.

Na casa de Josimar, só ele e um tio de 70 anos ainda não foram imunizados. “O filho dele cadastrou muito tarde. Ele já deveria ter tomado há seis meses, né? Mas só se cadastrou no mês passado e tá esperando ser chamado”, revela.

Nessa terça-feira (8), a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Fortaleza informou, durante live, que pessoas acima de 60 anos, residentes na Capital, que se cadastraram, mas ainda não se vacinaram, podem receber a dose em qualquer ponto sem agendamento.

No Ceará, cerca de 13 mil idosos com mais de 70 anos ainda não tomaram a segunda dose da imunização.

"Não sei como me cadastrar"

O problema não afeta apenas os moradores da Capital. Marcos Severo dos Santos, 39, guardador de carros da cidade de Juazeiro do Norte, traz em palavras simples o reflexo do acesso desigual à informação: "lá em casa tem internet, mas ninguém sabe como funciona".

Marcos afirma que "não sabe como se cadastrar, mas se soubesse já teria feito, porque procurar saúde é bom". Segundo ele, outros membros da família também estão ausentes do censo estadual para vacinação.

A situação também é vivenciada pelo conterrâneo Severino Braz, 45, comerciante juazeirense para quem o cadastro específico para vacina nem deveria ser necessário.

Se tivesse alguém cadastrando nas ruas, nos bairros, nas UPAs e postinhos, ajudaria muito. Ou se fosse só a gente chegar com a identidade, eles verem a idade e pronto.

O Conselho das Secretárias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems) reforça que "o cadastro com antecedência é importantíssimo, pois as doses são distribuídas para os municípios de acordo com os cadastros realizados", interferindo "na organização e logística da aplicação municipal."

Rilson Andrade, vice-presidente do Cosems, reconhece que "não é fácil" garantir o acesso pleno à plataforma Saúde Digital, sobretudo na zona rural.

Quase todos têm um celular, mas embora seja simples pra gente, as pessoas têm dificuldades em avançar no sistema, que também é muito instável.

O gestor comenta que o trabalho dos agentes comunitários de saúde, casa a casa, além de mutirões de cadastro e postos fixos e volantes de atendimento à população têm auxiliado a minimizar o impacto desse subregistro. 

Desconfiança em relação à vacina

Mesmo com a projeção da Sesa de que todos os cearenses de 18 a 59 anos já cadastrados no Saúde Digital podem estar vacinados até agosto, a analista de recursos humanos Lívia Ribeiro, 35, ainda não informou os dados pessoais para receber a proteção – por decisão própria.

Lívia confessa ainda “não se sentir segura quanto à eficácia” dos imunizantes contra a Covid e, embora acompanhe o andamento da vacinação no Ceará, garante não estar na expectativa para recebê-la.

“Entendo que os protocolos sanitários seguidos do tratamento precoce me oferecem mais segurança na prevenção de sintomas graves ou morte causados pelo vírus”, opina.

O zelador Valdenir Rodrigues, 50, compartilhava da desconfiança e se recusava a ingressar na fila de espera pela vacina. Porém, impulsionado pelos filhos, por amigos e pelo medo da doença, mudou de ideia. 

Para se cadastrar, contudo, precisou de ajuda – não fazia ideia de como utilizar um computador ou smartphone para acessar a plataforma.

“Eu não tinha vontade de tomar essa vacina, mas estive pensando que essa Covid a gente tem é que evitar. Então pedi ajuda à dona Kamila pra me cadastrar”, relembra, revelando que a esposa, “um pouco mais nova” do que ele, também não está cadastrada.

A Kamila em questão é a jornalista, podcaster e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kamila Fernandes, que compartilhou em uma rede social a preocupação com a parcela da população que não tem condições técnicas para entrar na fila da vacina.

Como fazer cadastro para vacinação no Ceará

Para se cadastrar, é preciso acessar o site Saúde Digital e clicar em "Ainda não tenho cadastro"

Em seguida, é preciso preencher os campos informando país de origem, CPF, nome completo, data de nascimento, nome da mãe, telefone para contato, sexo, raça/cor e informações profissionais. O fornecimento do Cartão Nacional de Saúde (CNS) é opcional.

A última etapa do processo solicita o endereço de residência do cidadão, que servirá de base para o agendamento no município de aplicação da vacina.

Após o preenchimento de todos os dados, será aberta uma página para a confirmação das informações. Nela, é preciso criar uma senha de acesso e informar um e-mail.

A Sesa, então, enviará um link de confirmação do cadastro para o e-mail fornecido. Caso não encontre a mensagem, o telefone gratuito 0800 275 1475 está disponível para questionamentos sobre o cadastro.

Exclusão digital

Em maio, o Diário do Nordeste mostrou que a baixa inclusão digital, o aprofundamento da crise econômica e a ampliação da desigualdade social durante a pandemia tornaram o acesso à tecnologia mais restrito, já que a prioridade das populações mais vulneráveis tem sido alimentação e moradia.

Para o pedagogo Ricardo Temóteo, especialista em Gerontologia, destaca que a dificuldade em se cadastrar e acompanhar o agendamento já era esperada, particularmente para os idosos. 'O processo de inclusão e empoderamento digital leva tempo, pois envolve tarefas diversas como comunicação, entretenimento, pesquisa de produtos, serviços e cidadania digital", afirma o professor, que atua com inclusão digital.

A SMS garante que atua na busca ativa de pessoas que não possuem acesso à internet ou tenham alguma dificuldade para realizar o cadastro. O público é registrado por meio das equipes da Estratégia da Saúde da Família (ESF), que orientam como proceder para a realização do cadastramento.

Em Maranguape, Região Metropolitana, a prefeitura também organizou uma estratégia diferente: um Cadastro Itinerante para localidades mais distantes, realizado em escolas. A iniciativa seria realizada nesta quarta-feira (9), mas foi adiada por uma instabilidade na plataforma Saúde Digital.

Só na última semana, conforme a Sesa, mais de 50 mil usuários por dia se cadastraram para vacinação contra a doença pandêmica.