O importante processo de vacinação contra a Covid-19 segue avançando no Ceará. Já são mais de 12 milhões de doses aplicadas no Estado. Deste total, 385 mil referentes à aplicação da chamada dose de reforço, ou D3. Apesar do expressivo número, este índice poderia ser ainda maior não fosse o grande contingente de pessoas que foram convocadas, e apesar da necessidade de fortalecimento da imunização, mas não compareceram.
Em Fortaleza, dos 324 mil agendados entre setembro - quando a D3 começou a ser aplicada - e o dia 18 de novembro, 112 mil não compareceram. Portanto, a cada 10 agendamentos para a dose de reforço, três pessoas deixaram de comparecer no intervalo mencionado.
Os dados foram fornecidos pela Prefeitura e confirmam a análise feita pelo Diário do Nordeste ao cruzar o total de nomes que constam nas listas - na qual os moradores de Fortaleza são convocados à vacinação - divulgadas diariamente pela gestão municipal, e o balanço do total de doses de reforço já aplicadas.
Ambas as informações são publicadas oficialmente pela Prefeitura, mas de forma separada.
Após encontrar o índice do total de faltosos - obtido com o cruzamento das duas informações - o Diário do Nordeste confirmou junto à Prefeitura essa quantidade. Segundo o poder público, o panorama de aplicação da dose de reforço, até o momento, é o seguinte:
- 324.927 agendados, em Fortaleza para a terceira dose
- 112.135 faltaram (34,5%)
- Desses cerca de 14 mil faltosos são trabalhadores da saúde
Necessidade do reforço
Pesquisadores ouvidos pelo Diário do Nordeste destacam que o ciclo vacinal composto pelas duas doses (D1 e D2) ou dose única (DU) conferem, sim, alto grau de proteção contra o coronavírus, mas ressaltam a grande importância de tomar a terceira dose para que os "níveis das células de defesa se mantenham altos".
O professor do Departamento de Patologia e Medicina legal da Faculdade de Medicina da UFC, Edson Holanda Teixeira, detalha que após as vacinas serem desenvolvidas e aprovadas pelas agências de vigilância dos países, elas entram para uma quarta fase, onde se observa a farmacovigilância do imunobiológico.
Nesta etapa, detalha Edson, são "observados os efeitos colaterais raríssimos e também a capacidade da vacina de manter aquela memoria". Para algumas vacinas, sobretudo com o vírus mortos, como é o caso da coronavac, o professor explica que "há uma redução nos títulos de anticorpos e também do número de células de memória, por isso é muito importante tomar a dose 3".
"[A dose de reforço] faz com que os níveis das nossas células de defesa se mantenham altos e, caso a pessoa seja exposta ao vírus, ela continuará protegida não somente de casos graves, internações e mortes, mas também de desenvolver sintomas", acrescenta o professor da UFC.
Contudo, na avaliação do especialista, mesmo para as pessoas que não tiverem uma redução das células de defesa geradas pela vacina, a dose de reforço se faz igualmente necessária devido ao aumento da proteção adquirida pela dose de reforço.
"Quando você estimula por uma terceira a resposta imunológica, a qualidade e o número dessas células melhora, pois aumentamos a especificidade do anticorpo para as proteínas virias. Por isso é importante mesmo que não aja uma redução de células que se faz a terceira dose". A aplicação de doses de reforço, segundo Edson, deve durar pelos próximos anos.
Não temos como prever o tempo exato, pode durar ainda alguns anos, assim como pode vir a ser igual a vacina contra gripe, que anualmente a gente tem que fazer a atualização.
Dentro do planejamento
A secretária da Saúde de Fortaleza, Ana Estela Fernandes Leite, avalia que, apesar de alto, o número de faltosos ainda não gera preocupação. Ela explica que em todo início de campanha há um índice de pessoas que não comparecem ao agendamento, mas, "à medida que o processo avança, esse número tende a cair bastante".
Como estratégia para redução deste quantitativo, Ana Estela pontua que a Pasta tem feito busca ativa e repescagem periódica. "Qualquer pessoa que agendou a vacinação, mas perdeu a aplicação, pode procurar os centros de vacinação da Capital em qualquer dia da semana. Não é preciso esperar a convocação por SMS, basta se dirigir ao local [de aplicação]".
Para a titular da Secretaria, o fato de a vacina está disponível como maior facilidade quando comparado ao processo inicial de imunização, pode fazer com que as pessoas "relaxem na procura" pelo imunobiológico. "Antes eles sabiam que se perdessem a vacinação teriam que esperar por uma repescagem. Hoje, como há maior facilidade, muitos acabam postergando e deixando para depois", lamenta.
Outra ação em curso por parte da Secretaria Municipal é a aplicação da dose de reforço na casa dos idosos. Para isso, são três as formas de solicitar a imunização residencial.
"Tem que informar que há limitação de mobilidade. Isso pode ser feito pelo próprio aplicativo do Saúde Digital; através do número 156 ou, um familiar do idoso deve se dirigir até seu posto de saúde e informar que determinado idoso é restrito ao leito", detalha Ana Estela.
Grupo prioritário
Júlio Croda, médico infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), adverte que a aplicação da terceira dose se torna ainda mais vital em idosos. Segundo ele, este público tem maior chance de redução das células de anticorpos e, consequentemente, queda na proteção contra o novo coronavírus.
Croda acrescenta ainda que a aplicação de doses de reforços, no campo da vacinologia, não é novidade alguma e não significa que determinada vacina não possui eficácia. A aplicação da dose de reforço versa sobre aumentar e prolongar as memórias de defesa dentro do nosso organismo.
"O nível de anticorpo produzido após a terceira dose é maior que o nível produzido após a segunda dose, pois geramos uma memória imune mais robusta", destaca. Contudo, o pesquisador da Fiocruz lembra que, antes da aplicação da dose de reforço, é preponderante a aplicação das duas doses iniciais, ou dose única.
"A prioridade sempre vai ser completar pelo menos o esquema vacinal em qualquer faixa etária. Isso aumenta a proteção individual e também diminui a transmissão comunitária em cerca de 50%. Essa cobertura está associada a imunidade de rebanho, que serve para proteger o grupo de quem não pode receber a vacina, como as crianças", especifica o infectologista Júlio Croda.
Prevenção
A ausência de tratamento adequado para infectados com a Covid-19 é outro fator determinante que eleva o grau de importância das vacinas até então produzidas. O docente da UFC lembra que os imunobiológicos são as únicas armas existentes e comprovadamente eficazes contra a pandemia.
São as vacinas, ainda na concepção de Edson Holanda, as responsáveis pela garantia da volta à normalidade da vida. "Toda vez que o sistema imunológico entra em contato com um antígeno, ele produz cones de células que são específicas a determinada regiões da estrutura viral, então ter o reforço dessas vacinas é muito importante visto que não temos um tratamento adequado para essa doença", pontua.
Para reduzir este alto número de faltosos na Capital cearense, Edson lembra que as estratégias a serem adotadas, agora, devem ser semelhantes ao que se pôs em prática no início do processo de imunização, com divulgação e, "se for preciso, busca ativa dessas pessoas".
"São dois pontos importantes que temos que trabalhar paralelamente: o fechamento do esquema básico com as duas doses - ou dose única - e a aplicação da dose de reforço para aqueles que já tomaram a D2 há 5 meses ou mais", finaliza o especialista.
A secretária da Saúde de Fortaleza, Ana Estela, acrescenta ainda que "a Prefeitura estuda ampliar a aplicação da dose de reforço para outros grupos". Esta possibilidade está sendo analisada e "deve ser anunciada tão logo tenhamos uma decisão" que será balizada mediante ao envio de mais doses por parte do Ministério da Saúde.
"É mais uma razão para as pessoas não postergarem a busca pela D3. Caso ampliemos a aplicação da dose do reforço, essas doses serão destinadas a outros grupos, uma vez que não podemos deixar as vacinas paradas", alerta Ana Estela Fernandes Leite.