Professores temporários: novo PNE do Governo Lula permite que até 30% dos docentes não sejam concursados

No atual plano, há uma previsão de que esse tipo de contratação seja de até 10% dos profissionais das redes de ensino

A cada 10 professores da educação básica no Brasil, aquela que atende estudantes do infantil ao ensino médio, 6 eram efetivos e os outros 4 temporários, em 2023. No Ceará, a realidade é que a cada 100 professores das escolas públicas, 54 são concursados e outros 46 estão em outros regimes de contratação, conforme o painel de monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE), do Governo Federal. A contratação de professores não concursados deveria ser exceção, mas no Brasil, tanto nas redes estaduais como nas municipais, tem sido a regra. Na nova proposta do PNE, que tramita na Câmara Federal, esse é um dos pontos polêmicos e que tem gerado críticas.  

Os impactos do elevado número de professores temporários ou sem vínculo mais estável como o concurso são diversos e vão desde a repercussão na aprendizagem dos alunos à desvalorização da atividade docente

Na proposta do novo PNE - lei federal que norteia ações na área da educação durante uma década - enviada pelo Governo Federal à Câmara em junho deste ano, (Projeto de Lei 2614/2024) uma das críticas das entidades de defesa dos trabalhadores da educação é a flexibilização da proporção permitida de contratação de professores temporários. 

O plano anterior, que deveria vigorar de 2014 a 2024, mas teve a validade prorrogada pelo Congresso até 2025 (aguardando agora a decisão do presidente Lula para, de fato, valer até o próximo ano) indica que as redes de ensino deveriam se estruturar de modo que até 2016 a presença de professores sem vínculo estável representassem somente 10% das contratações. Mas, essa margem não é respeitada e na realidade há uma proporção muito maior de docentes não concursados. 

Já na nova proposta, cujo prazo de validade projetado é de 2024 a 2034, o Governo Federal ampliou essa margem e em uma das meta estabelece que até o final da década ao menos 70% dos professores da rede pública devem ter vínculo estável por meio de concurso público. Na prática, há uma maior permissividade com esse tipo de contratação que antes era admitida em 10% das contratações e agora tem uma margem de 30%. 

Como é a situação no Ceará

No Ceará, conforme já mostrado pelo Diário do Nordeste, o número de contratação de professores temporários na educação básica, tanto na rede estadual como nos municípios é elevado. 

Conforme o painel de monitoramento do PNE, do Governo Federal, a situação dos docentes na rede pública cearense em 2023 era a seguinte:

  • Rede Federal: dos 1.432  professores, 94,4% são efetivos
  • Rede Estadual: dos 19 mil  professores, 41,4% são efetivos
  • Rede Municipal: dos 69 mil professores, 56,1% são efetivos  
  • Total: dos 87 mil professores, 54,2% são efetivos

Nesse sentido, a rede estadual tem a menor proporção de docentes efetivos. A doutora em Educação e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Eloisa Vidal, explica que a ênfase na história dos professores temporários “começa a acontecer já em 2015 quando se começa a perceber que, embora os estados tenham feito concurso, esses concursos foram muito mais para o quadro de reposição e não conseguiu suprir a demanda crescente em função da própria ampliação carga horária”. 

Com a reforma do Ensino Médio, acrescenta ela, quando se criam as disciplinas eletivas, essa situação também é acentuada pois “não há como suprir a rede (estadual)  somente com o quadro de professores efetivos”. 

“Assim como na rede municipal, ao criar o tempo integral com um conjunto amplo de disciplinas eletivas. Foi aberto um leque para contratação de professores temporários para ministrar aquelas disciplinas que não são contínuas. Então, a própria configuração da organização do ensino faz com que se caminhe para isso”. 
Eloisa Vidal
Professora da Uece e doutora em Educação

Outro ponto que, segundo a pesquisadora, interfere para um maior número de temporários é a obrigatoriedade do cumprimento da Lei do Piso do Magistério. “A contratação do professor temporário é uma estratégia que os os entes federados usam para essa folha. Porque se o professor é concursado e efetivo na rede, por força de lei ele tem que pagar o piso salarial. Quando eu coloco o professor temporário eu pago por hora-aula, então, pago um salário muito menor. E esse profissional não vai, no futuro, para minha folha de inativos, já que terminou o contrato ele é dispensado”, destaca. 

Novo Plano Nacional de Educação

A situação vivenciada no Ceará não destoa da realidade nacional. No Brasil, segundo dados do monitoramento do PNE, apenas no Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Norte, Paraná, Roraima e Bahia mais de 70% dos professores são efetivos. 

O secretário de Comunicação do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação do Estado e Municípios do Ceará (APEOC) e secretário de Política Sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Alessandro Sousa Carvalho, reforça que as duas entidades analisam a proposta de flexibilização de 10% para 30% de contratação de temporários apresentada no novo PNE como “negativa” e vão atuar para modificar esse ponto nas casas legislativas (Câmara e Senado).  

“Avaliamos que a elevação do percentual de professores temporários nas redes públicas de ensino é um retrocesso para a educação. O professor temporário tem uma contratação precarizada, a qual, além de não possuir estabilidade, também não goza dos benefícios da Carreira do Magistério”
Alessandro Sousa Carvalho
secretário da APEOC 

Ele também pondera que “o fato de uma rede ter elevado número de professores contratados por tempo determinado pode dificultar a formação continuada, uma vez que esses profissionais estão sujeitos a uma alta rotatividade e, principalmente, não têm acesso às carreiras em suas cidades ou estados. Não havendo acesso às carreiras e consequentemente à progressão remuneratória, não há estímulo à formação”.  

O PNE é o documento federal que define as ações a serem tomadas na área da educação. A existência do PNE é prevista na Constituição Federal que estabelece ainda que a lei tem validade de 10 anos. Portanto, é revisada a cada década. O novo PNE proposto pelo Governo tem 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias que vão da educação infantil à superior, incluindo valorização dos profissionais da educação, infraestrutura, gestão democrática e financiamento da educação. 

O novo PNE começou a tramitar na Câmara Federal no dia 26 de junho e a casa legislativa ainda definirá se ele passará pela Comissão de Educação ou será criada uma comissão especial para tratar do assunto antes da votação em plenário. 

Impacto na docência

Os contratos temporários também trazem prejuízos para a docência em si, conforme avaliam as fontes ouvidas pelo Diário do Nordeste. O representante da APEOC e da CNTE, Alessandro Sousa Carvalho, analisa que os professores contratados de forma temporária estão “sempre apreensivos quanto à manutenção de seu emprego, deixando de se preocupar exclusivamente com o ensino, integração e formação pedagógica, o que enfraquece o processo ensino e aprendizagem e culmina em um grande prejuízo não só para o aluno, mas para toda a comunidade escolar”.

A doutora em Educação e professora da Uece, Eloisa Vidal, também reforça que o professor concursado, geralmente, tem mais autonomia do ponto de vista de gestão, com uma participação mais proativa e equitativa. 

“O professor temporário está muito submetido a gestão, então, ele precisa agradar na sua totalidade a gestão porque no semestre seguinte, uma vez contrariado os interesses da gestão, ele pode não receber a mesma carga horária. Além disso, hoje ele está numa escola, amanhã ele está noutra. O professor temporário é um sujeito migrante na rede”. 

Ela ressalta inclusive que desde o momento da lotação, os professores temporários acabam não sendo prioridade, visto que a preferência nesta definição é dos efetivos. “Essa diferença entre os dois tipos de contratação leva o professor temporário a uma situação de instabilidade muito maior do que o professor efetivo”. 

O que diz o MEC?

Questionado pelo Diário do Nordeste sobre a flexibilização, o MEC informou em nota que “o aumento da presença de professores com contrato temporário de trabalho nas redes de ensino é fator de atenção e grande preocupação”, já que “a alternância dos professores nas escolas não assegura estabilidade do trabalho pedagógico”. 

O Ministério também destaca que os professores necessitam de estabilidade, “razão pela qual a realização de concursos é imprescindível e, também, incontornável consideradas as determinações constitucionais”. 

O MEC reconhece que os profissionais temporários “não gozam dos direitos dos professores efetivos tais como a seleção por concurso público, o piso salarial nacional definido em Lei, a progressão profissional estabelecida em plano de carreira, jornada de trabalho que contempla tempo reservado para planejamento de aulas, além de direito à formação permanente”.

Na proposta atual (PNE 2024-2034), diz o Ministério, “várias metas e estratégias foram formuladas para enfrentar esse problema”. A meta de, no mínimo, 70% de professores concursados nas redes, segundo o órgão, “leva em conta que há  afastamentos por razões de saúde, para cursos e atividades formativas, licenças gestantes, processos de readaptação, cessões, designações para cargos nos órgãos públicos”. 

Desse modo, diz o MEC, que ao analisar os planos de carreira e estatutos do magistério das redes de ensino, “constatou-se que o contingente de 30% do quadro de docentes para as substituições, atenderia  diferentes  previsões estabelecidas na legislação estadual e municipal  de forma a garantir a realização das aulas e a manutenção das atividades previstas no calendário do ano letivo escolar”.

Transparência

Os dados mencionados nesta matéria podem ser consultados no painel de monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE), do Governo Federal, neste link