A sensação de insegurança no bairro em que se vive é uma realidade para metade da população de 15 anos ou mais de Fortaleza. Isso torna a Cidade a 5ª capital do País e 3ª do Nordeste no ranking da população que tem essa percepção. A constatação é da pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (6), com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2021.
O estudo aponta que 52,3% da população, a partir de 15 anos, que vive em Fortaleza se sente insegura ou muito insegura no bairro onde mora. A capital com maior índice é Teresina (PI), onde 58,3% das pessoas dessa faixa etária apontam essas sensações. No outro extremo, em Florianópolis (SC), quase 90% dos entrevistados pelo IBGE relataram se sentirem seguros ou muito seguros.
Da mesma forma que ocorreu nos demais estados brasileiros, a sensação de insegurança no bairro de moradia foi maior na capital, Fortaleza, do que no conjunto de todo o Ceará. Quando se observa o estado como um todo, o percentual reduz para 33,7% e o Ceará ocupa a 9ª posição no País entre as unidades federativas com maior proporção de pessoas com percepção de insegurança.
Além disso, a pesquisa indica que cerca de 1 em cada 8 pessoas (12,6%) no Ceará, na faixa etária estudada, declara se sentir insegura ou muito insegura na própria casa. O percentual encontrado na Capital foi o mesmo. Os estados com maiores percentuais, nesse quesito, foram Rio Grande do Norte, Roraima e Acre, com mais 17% ou mais. Entre as capitais brasileiras, Belém se destaca, com 23% da população relatando sentir-se insegura no domicílio.
Esses dados foram coletados pelo Instituto em 2021, quando a PNAD Contínua levou a campo um módulo especial que resultou no informativo “Vitimização: sensação de segurança 2021”, lançado em dezembro de 2022. No documento mais recente, o Instituto examinou “de forma mais detida” os indicadores relativos à sensação de segurança no próprio domicílio e no bairro onde ele se localiza.
À época, no Ceará, foram entrevistadas 7.331 pessoas, das quais 2.142 responderam ao bloco de segurança da PNAD Contínua. Em Fortaleza, 650 dos 2.207 respondentes concederam informações sobre segurança.
Prejuízos do medo
A doutora em Educação Luciana Quixadá, professora e pesquisadora de Psicologia na Universidade Estadual do Ceará (Uece), analisa que a sensação de insegurança está ligada a 2 fatores principais.
“De fato há uma violência urbana que é real, produzida pelas guerras de facções e por uma segurança pública que deixa a desejar, principalmente em determinados pontos da cidade. Existe também uma sensação de medo produzida por uma violência simbólica, por meio dos diversos meios de comunicação, tanto jornais como redes sociais”, completa.
Os registros de assaltos e agressões físicas costumam despertar a atenção de todos e os jovens ainda estão formando o pensamento crítico sobre essa realidade urbana. De modo geral, “a gente termina internalizando que determinados territórios são assustadores e temos um medo generalizado como se todo lugar da cidade fosse um lugar de risco”, como observa a professora.
A cidade desde sempre é um lugar de encontros com as diferenças e, por causa dessa insegurança produzida, a gente opta por se abster disso e usamos a cidade só para trânsito de um ponto a outro.
Como resultado dessa dinâmica, há um adoecimento no qual muitos adolescentes sofrem com fobia social e deixam até de frequentar a escola com medo das ameaças urbanas, risco de bullying.
“Estamos caminhando para uma intolerância ao diferente e isso inviabiliza encontros que seriam férteis para a saúde mental”, completa Luciana. Sobre quem não se sente protegido dentro da própria casa, a professora ressalta a importância de repensar a segurança pública.
“O jovem que habita um território extremamente vulnerável se sente inseguro porque a casa pode ser invadida por uma facção ou intervenção policial. É um cenário de guerra”, exemplifica sobre as diversas realidades nas quais a violência entra pela porta.
“Eu acho que a gente tem que pensar em outro fazer segurança pública que não seja discriminatória. Temos de mobilizar políticas públicas que efetivem direitos à segurança alimentar, ao lazer, à moradia, ao trabalho e à garantia de renda”, lista sobre as proposições para mudar o cenário.
SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA NO PAÍS
A pesquisa traz ainda mais informações sobre a sensação de insegurança no cenário nacional. Segundo o levantamento realizado pelo IBGE, há variações relevantes nos diferentes grupos sociais. Mulheres, por exemplo, que se sentem mais inseguras em casa e nos bairros do que homens, assim como pessoas pretas ou pardas relataram mais insegurança do que brancos.
Aproximadamente uma em cada oito mulheres pretas ou pardas (13,3%) relatou sentir insegurança em casa e quase uma em cada três (32,3%) declarou se sentir inseguras ou muito inseguras em seu bairro. No polo oposto, cerca de um em cada 13 homens brancos (7,7%) relatou insegurança em casa, enquanto quase um em cada cinco deles (20,9%) apontou essa percepção em relação ao bairro onde residem.
A diferença também é percebida quando se observa os dados segundo o rendimento domiciliar per capita. Entre os 20% mais pobres da população, um em cada sete entrevistados (13,8%) disse se sentir inseguro ou muito inseguro em casa e 29,8% teve essa percepção em relação ao bairro. No grupo de brasileiros com mais renda, por outro lado, os percentuais registrados foram de 6,9% e 25,1%, respectivamente.
VIOLÊNCIA NO CEARÁ
Conforme o Diário do Nordeste noticiou no último 15 de novembro, o maior número de mortes violentas em um só mês no Ceará, ao longo dos últimos dois anos, foi registrado em outubro de 2022. Foram, ao todo, 298 casos do tipo — número que não era tão alto desde outubro de 2021. Por outro lado, o acumulado de homicídios do ano de 2023, até aquele mês, ainda apresentou redução de 2,8% em comparação ao mesmo período de 2022 e de 11,8% em relação a 2021.
Os dados foram divulgados no site da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), ligada à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Os 255 homicídios registrados em agosto deste ano eram, até então, o maior número mensal do ano corrente. Já o mês menos violento foi junho, com 211 mortes.
À época da publicação da matéria, a SSPDS informou, em nota, que foi criado o Grupo Integrado de Inteligência e Investigação, composto por equipes das Inteligências da pasta e da Polícia Civil do Ceará, com apoio da inteligência da Polícia Militar, com o objetivo de investigar as ocorrências de homicídios.
Estrutura da violência
Léo Nogueira Batista, doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), avalia que alguns bairros convivem com o medo de forma mais recorrente
"Em 2021, as áreas integradas de segurança, 2, 3 e 9 concentraram em torno de quase 50% dos crimes violentos letais e intencionais. Não por acaso, essas áreas estão em regiões mais periféricas de Fortaleza", completa. Nessas áreas estão bairros como Bom Jardim, Conjunto Palmeiras e Parque Santa Rosa.
Com menores índices de desenvolvimento humano, menos acesso a estruturas de urbanização e geração de renda, essas pessoas acabam sofrendo mais com a evolução da violência. Nesse contexto, também é possível observar os recortes de gênero e cor.
"O relatório Pele Alvo mostra 87,35% das pessoas mortas em decorrência de ação policial nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, em 2022, eram pessoas negras ou pardas", acrescenta o pesquisador, destacando os jovens como os mais afetados.
"No caso das mulheres, a situação é ainda pior, a cada 4 minutos uma mulher agredida por homem no Brasil e a maioria dos casos é na periferia. O Estado está presente, mas não no processo de resolução de conflitos e sim de imposição da força", frisa sobre a situação.
Essa sensação de insegurança que é relatada na pesquisa é fruto dessa percepção cotidiana de lidar com a violência. Temos de levar em consideração que dependendo do local onde e como é vivida a violência, impacta de maneiras diferentes
Para o especialista, o desafio urbano exige esforços de diversas áreas para diminuir não só a percepção, mas a violência de fato nessas localidades.
"Áreas periféricas onde foram construídas Areninhas, por exemplo, têm uma maior movimentação do comércio e das pessoas e essa sensação se dissolve um pouco. Então, o investimento na periferia é de fundamental importância", conclui.
O Diário do Nordeste procurou a Secretaria da Segurança Pública do Ceará solicitando uma entrevista sobre os fatores que geram sensação de insegurança e o que é feito para contornar essa realidade. Contudo, até a publicação desta reportagem, não houve retorno.