Com o cenário atual de baixa transmissão do coronavírus, o cearense está numa tranquilidade perigosa: mais de 2 milhões não receberam a 4ª dose da vacina, mesmo aptos para tomar o reforço. O atraso deixa a população mais vulnerável às formas graves e mortes pela doença em meio ao aumento de casos nos Estados Unidos e na Europa – um alerta para o mundo.
Os adultos que receberam a 3ª dose há 4 meses, no dia 23 de junho, formam um grupo com cerca de 4,6 milhões. Nesta segunda-feira (24), apenas 1.789.282 completaram o esquema com o chamado segundo reforço. Ou seja, uma diferença de 2,5 milhões de pessoas sem a 4ª dose.
Os dados são do Vacinômetro, controle feito pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e registrados pelo Diário do Nordeste, excluindo os adolescentes de 12 a 17 anos, que ainda não entraram para a lista de quem pode receber a 4ª dose. O sistema depende do envio de dados de cada município e novas atualizações podem alterar os números.
O Ministério da Saúde autorizou a segunda dose de reforço da vacina contra Covid-19 para o público geral na faixa etária a partir de 40 anos, como informou a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Mas, na prática, as cidades cearenses aplicam o imunizante para todos a partir de 18 anos devido à disponibilidade de imunizantes.
“O Estado recomendou a administração da segunda dose de reforço para pessoas a partir de 18 anos no caso dos municípios que possuem doses de vacinas próximas ao vencimento”, destaca a Sesa.
E essa demora para tomar o reforço acontece num momento em que há chance de uma nova onda de Covid nos próximos meses, como alerta o Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC, na sigla em inglês).
Na Europa e nos Estados, já há aumento de casos de Covid por causa da subvariante BQ.1/BQ.1.1 do coronavírus, que deve se tornar a predominante entre novembro e dezembro.
“No início de 2023, prevê-se que mais de 80% dos casos SARS-CoV-2 se devam ao BQ.1 e BQ.1.1”, detalha o ECDC. Ainda não há evidências de que essa forma seja mais agressiva. Isso, contudo, não dispensa a prevenção.
“Como não somos uma bolha, e diariamente temos voos para Europa e EUA, elas podem chegar até o Brasil. Então, a recomendação é que as pessoas tomem todas suas vacinas”, indica Lígia Kerr, epidemiologista e professora na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Isso gera um risco para pessoas acima de 65 anos ou pacientes com doenças crônicas, conforme o Centro Europeu. Aqui, também há uma preocupação com o público infantil, como acrescenta a especialista.
“A vacina ainda tem produzido proteção para internações e óbitos. É necessário atentar para as crianças, em especial as menores de 5 anos. Elas têm sido as maiores vítimas da Covid de casos graves neste momento”, frisa.
Essa possibilidade de aumento dos casos de Covid vem com a proximidade do período chuvoso no Ceará, onde há maior transmissão de doenças virais, como destaca o infectologista Keny Colares.
“Estamos tendo que conviver nessa nova fase da doença, em que está mais comportada do que no começo, mas não dá para dizer que acabou tudo. Os indicadores da Europa mostram elevação como se estivesse tendo uma nova onda por lá”, frisa.
Não sabemos o tamanho e a importância que (essa nova onda) vai ter, mas é muito provável que, em algum momento, nós tenhamos elevação de casos aqui, porque essas doenças se comportam assim: tem períodos que desaparecem e em outros que vêm
Imunização adiada
Houve um período em que tomar uma dose da vacina era, praticamente, um sonho para quem acompanhava os picos da pandemia. Com o acesso ao imunizante facilitado, por que as pessoas deixam de cumprir o calendário vacinal?
Os motivos vão do cenário epidemiológico confortável – alcançado pela vacinação, vale dizer –, até a infecção pela doença, o que exige um adiamento. Esse é o caso do Gabriel Feitosa, de 26 anos, analista de aceleração de negócios.
“Eu recebi a 3ª dose em fevereiro de 2022 e ainda não consegui atualizar o esquema pela rotina. Eu estava de mudança, o trabalho está puxado e eu acabei não priorizando isso”, acrescenta.
Gabriel não faz parte de nenhum grupo de risco, mas tem certo receio de ser contaminado novamente pela doença. "Quando eu estava perto de tomar, tive sintomas gripais e chikungunya, passei alguns meses tratando e acabei adiando", completa.
Pacientes com Covid devem adiar a vacinação em 30 dias após o início dos sintomas, conforme a atual recomendação das autoridades de saúde pública. Caso seja uma gripe comum, a imunização pode ser feita 48 horas após a cura.
Também há o caso de pessoas sem voltar aos postos de vacinação por causa de informações falsas sobre a efetividade das vacinas.
“As campanhas têm que mostrar que a vacina protege, pois as fake news estão, mais do que nunca, politizadas e atingiram as vacinas também”, destaca Lígia Kerr.
Como evitar uma nova onda de Covid?
Estar com a vacinação em dias fortalece o sistema imunológico contra a Covid e está como a principal estratégia na pandemia. Com a mudança constante do vírus, a recomendação é atualizar as fórmulas dos imunizantes.
“E o ideal seria que tivéssemos nas vacinas estas novas cepas. Nos Estados Unidos, as vacinas já tem a BA.4 e BA.5”, explica Lígia Kerr. “Mesmo não tendo estas cepas, ela ainda tem produzido proteção para internações e óbitos”, pondera a especialista sobre a importância da vacina.
Questionado pelo Diário do Nordeste, o Ministério da Saúde informou que as vacinas Covid-19 ofertadas à população são as últimas versões aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "O atual contrato com os fornecedores contempla a entrega de vacinas com cepas atualizadas, desde que aprovadas pela Anvisa", completou.
Recomendações do Centro Europeu
- Manter a testagem e investigação genômica (sobre o tipo de vírus circulante)
- Acompanhar as taxas de casos de Covid, especialmente, em idosos
- Controlar indicadores de gravidade, como hospitalizações e internações em UTIs
Lígia Kerr destaca a importância da participação do Poder Público para aumentar o número de pessoas com o esquema atualizado. “O Brasil sempre teve um programa de vacinação de sucesso. Entretanto, campanhas precisam que o governo tome para si esta responsabilidade”, frisa.
Além disso, o uso de máscaras permanece como um caminho seguro para evitar a contaminação pelo coronavírus, independente da subvariante.
“Em geral, as pessoas tendem a usar quando o vírus já começou a disseminar, aí fica mais complicado. Mas é sempre importante, especialmente para pessoas de maior risco, como doença cardíaca, diabetes e os imunodeprimidos”, conclui.